Chris Rock e o riso amarelo da plateia branca do Oscar. Por Cidinha da Silva

Escritora Cidinha da Silva (Foto: Elaine Campos)

O esperado discurso de Chris Rock, apresentador do Oscar 2016, foi, sim, um desagravo à ausência de indicados negros nas categorias de melhor ator e atriz, pelo segundo ano consecutivo.

Por Cidinha da Silva, do  DCM

 

Não houve ali um negro divertindo os brancos, como vários internautas reclamaram. O riso da maioria, entretanto, sobre situações aviltantes para os negros, deveria ser alvo de questionamento. Que graça tem a ausência deste segmento em 71 das 88 edições do Oscar? Ou ainda, o que há de engraçado na sugestão de um prêmio “in memorian” para os negros baleados e mortos (por policiais) a caminho do cinema?

A responsabilidade pela audiência majoritariamente branca não é de Rock, que faz humor para o público que o assiste, não só para os negros.

Aliás, o apresentador ridicularizou o grande número de brancos da plateia ao dizer, logo de entrada, que trombou com uns 15 negros do lado de fora do auditório. Para quem não entendeu a piada, 15 negros entre centenas de brancos.

Mais à frente o comediante ironizou outra vez a falta de representatividade negra ao narrar um encontro hipotético de gente do meio artístico com Obama, o presidente negro, no qual estivessem presentes os 4 artistas negros de sempre, pulverizados entre dezenas de produtores brancos que não contratam artistas negros. Além de ironizar o pequeno número de negros, chamou-os de “suspeitos”. Quem é alvo frequente da suspeição racista sabe do que ele falava.

Na intenção de decodificar o funcionamento do racismo aos descrentes, explico que ele escolhe alguns membros do grupo discriminado para que sejam grãos de feijão entre as sacas de arroz e para que não haja reclamações sobre a ausência (total) de negros.

Afinal, os feijões foram eleitos para estar ali, por serem de uma safra especial.

Essa foi a tônica de Chris Rock, conhecida de todos. O humor ácido, a ironia de um ator/humorista que se posiciona de forma crítica e politizada por meio de uma intervenção artística. Trata-se de um artista negro com uma marca pessoal em seu trabalho, contratado como mestre de cerimônia. E Rock agiu como tal, não se propôs a atuar como militante do NAACP ou de outra organização negra estadunidense.

O artista autorizou-se a criticar alguns pontos, ao que tudo indica, equivocados sobre o racismo de Hollywood, à medida que ironizava estrelismos, dores de cotovelo, interesses pessoais e milhões de dólares envolvidos. O caso mais representativo de tudo isso, junto e misturado, foi a postura de boicote à cerimônia, protagonizada por Jada e Will Smith. Mas, sabe-se lá quais são as querelas entre os três. Eles que são ricos que se entendam.

Importa que Chris Rock exerceu seu direito cidadão e artístico de expressar as próprias ideias de maneira individual. Manteve-se, entretanto, fiel ao campo político ao qual pertence, a saber, o dos artistas negros e etnicamente diversos, na sociedade de hegemonia branca e racista dos EUA.

Na performance de 26 de fevereiro, Rock escolheu também problematizar temas que devem incomodá-lo, pois cerceiam sua condição de humorista, como, a presença do sexismo (eu diria da afirmação dos direitos das mulheres) “em tudo”. Típica reclamação masculina, da qual os homens negros não escapam.

Outro tema desconfortável no mundo da arte são os rendimentos dos artistas empregados e a carteira vazia de dinheiro e de prestígio dos que não são convidados para atuar. Ali também Chris foi cirúrgico porque nas entrelinhas cutucou: “Escutem amiguinhos, estou bem na fita hoje, mas sou negrão, todos sabemos, e nunca se sabe por quanto tempo um negrão ficará no topo. São milhares de dólares futuros associados a este trabalhinho aqui, não queiram que eu desperdice isso e abra espaço para vocês”.

Ao cabo, foi genial o caminho escolhido por Rock para afirmar a tese do que realmente importa, em sua opinião, o oferecimento de oportunidades iguais para os artistas negros. Como aquelas apresentadas ao ator Paul Giamatti, marcadas pela versatilidade. Bem como aquelas oferecidas a Leonardo Dicaprio, a cada ano.

O humor de Chris Rock é fino, nem todo mundo percebe, sejam fãs ou detratores. Quando ele diz que Jamie Fox é um ator tão bom que se chegasse ao hospital em que Ray Charles sobrevivesse mantido por aparelhos, os profissionais os deligariam porque “não precisavam de dois Ray Charles”, ele não foi desumano com Charles. Ele apenas descreveu a crueldade da lógica racista. Não há lugar para dois negros de destaque. Basta um. Se surge uma novidade, mate o velho.

A plateia branca riu, mas Rock não desdenhou dos negros com seu humor nesta situação. Ele fez uma pegadinha eficiente e a plateia branca caiu na armadilha. Contudo, a pegadinha-mor foi levar a audiência a aplaudi-lo quando afirmou que os negros não reclamavam da ausência no Oscar durante os anos 1960 e antes porque estavam ocupados com outras coisas mais importantes. Foi uma claque efusiva e redimida! Finalmente ele estava olhando o lado deles.

Só que não! A jogada de mestre enxadrista veio a seguir: “Não dava para reclamar da falta de negros no Oscar se sua avó estava pendurada (enforcada) numa árvore. Os negros estavam preocupados em sobreviver aos estupros, linchamentos e todas as formas de assassinatos”. Lacrou!

Por fim, mais uma pegadinha inteligente. A sugestão aparente de categorias já convencionadas para contemplar os negros. E quando todo mundo, ou a maioria, achava que Rock proporia a inclusão dos quesitos “melhores atores e atrizes negros”, ele surpreende: “Vamos criar a categoria “melhor amigo negro”.

O humorista não-militante Chris Rock encerra o game de início, demarca sua origem. Ele descende desse pessoal estuprado, linchado, assassinado. Ele sabe (e explicita em cada detalhe) o lugar de melhor amigo do protagonista branco (babá, cuidadora, escada, o que leva o tiro em sacrifício) que a indústria reserva aos negros.

Foi positiva, foi tranquila e favorável a atuação de Chris Rock como mestre de cerimônia na entrega do Oscar 2016.

 

 

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