Ciro Gomes é militante de uma pauta identitária que se pretende invisível

FONTEUOL, por Milly Lacombe
Ex-ministro Ciro Gomes (PDT), presidenciável pelo PDT Imagem: André Ribeiro/Futura Press/Estadão Conteúdo

Ciro Gomes representa um grupo identitário. Ele não fala sobre isso, ele não traz o assunto para o debate, ele esconde a situação, mas a verdade é que Ciro tem uma bandeira muito dele na luta das pautas identitárias. Ciro é um militante bastante ativo.

Ciro é um homem cisgênero branco e heterossexual.

Ser branco, homem-cis e heterossexual constitui identidade.

Portanto, todos têm nosso lugar nesse jogo da pauta identitária. Mas não é isso o que parece quando Ciro fala do tema.

Em entrevista à Jovem Pan, Ciro deu uma debochada no uso da linguagem neutra, disse que linguagem neutra divide, e sugeriu que as lutas identitárias são menores, embora reconheça sua importância.

Disse tudo isso como se sua identidade fosse uma espécie de identidade universal.

Jogar a pauta identitária como luta de minorias políticas é colocar a própria identidade como superior. Mora justamente aí a violência.

Porque a identidade do homem branco hétero só pode ser entendida como universal se todas as demais forem tratadas como equivocadas, menos importantes, desprezíveis.

É esse o jogo que autoriza que corpos gays, trans, negros e femininos sejam assassinados.

Aos que querem criticar as pautas identitárias eu sugeriria começar pela crítica a essa identidade que Ciro representa tão bem – que é a que manda no mundo, aquela cujos valores “universais” estão destruindo a possibilidade de vida decente nesse planeta.

Bolsonaro é militante dessa mesma causa. É justamente nesse lugar que Ciro e Jair se dão as mãos e se afagam.

É o entendimento de que essa identidade de Ciro é a universal, e por isso invisível, que faz com que uma bomba que mate centenas em Luanda nunca tenha a mesma importância da bomba que mata cinco em Paris.

É o entendimento da universalidade dessa identidade de Ciro que faz com que, quando há muitos crimes de estupro em uma universidade por exemplo, saia-se colocando cartazes sobre como mulheres podem se proteger, mas nunca sobre como os homens devem agir.

Dito isso, gostaria de acrescentar que acredito verdadeiramente que as pautas identitárias tenham um limite nessa luta por transformação política, econômica e social.

Acho que, ao focarmos cegamente nelas, deixaremos escapar a chance de colocar no chão o colonialismo patriarcal e o capitalismo que precisa dele para seguir concentrando riqueza.

Mas não estamos perto desse limite.

Só começaremos a chegar nessa fronteira, aliás, quando a crítica ao identitarismo começar pela da identidade que manda no mundo.

O identitarismo do homem branco precisa ser questionado para que o homem branco entre nesse contexto e alargue a compreensão do que é, na real, a pauta identitária e do que a invisibilidade faz com nossas vidas, nossa auto-estima, nossas chances de morrer de morte violenta, nossa subjetividade.

A partir dessa crítica, aí sim poderemos seguir para a crítica das outras pautas identitárias e até, quem sabe, diminuir sua importância.

Se não agirmos assim, aqueles que hoje morrem apenas por suas identidades – LGBTQs, mulheres, pessoas negras – seguirão morrendo curvados à universalidade da identidade do homem branco heterossexual.

Ciro é um militante e isso precisa ser dito; militante de uma pauta identitária que se pretende invisível.

Vejam o que disse Ciro:

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