Cloroquina ‘une’ Bolsonaro e Maduro em meio à pandemia de coronavírus

FONTEPor Luis Barrucho, da BBC
Foto: Saulo Angelo/Futura Press/Estadão

Tanto Jair Bolsonaro quanto Nicolás Maduro são entusiastas do medicamento – apesar de seus fortes efeitos colaterais e de sua eficácia ainda não ter sido confirmada cientificamente.

Embora haja consenso sobre a substância, os dois líderes têm posicionamentos contrários em relação ao isolamento social.

Enquanto Bolsonaro é contra o confinamento da população, Maduro decretou o lockdown na Venezuela.

“Entre quarentena e produção, não há contradição”, disse o venezuelano na quarta-feira (13) quando renovou por mais um mês o decreto de Estado de emergência.

‘Mudança do protocolo’

A polêmico em torno do uso da cloroquina teria sido um dos motivos que levou o ministro da Saúde brasileiro Nelson Teich a renunciar ao cargo. Sua saída aconteceu um dia após o ministro receber um ultimato de Bolsonaro para mudar o protocolo de orientação do Ministério da Saúde para uso da cloroquina no tratamento da covid-19.

Na quinta-feira, em live na sua conta de Facebook, Bolsonaro disse que Teich revisaria nesta sexta o protocolo do ministério para uso da cloroquina, que ainda era o mesmo da gestão do ministro anterior, Mandetta.

O protocolo orienta que o medicamento deve ser usado apenas em casos graves da covid-19 (pacientes hospitalizados com pneumonia viral), em vez de ser ministrado já nos estágios iniciais da doença, como quer o presidente.

“Eu acho que amanhã (esta sexta) o Nelson Teich dá uma resposta para a gente. Eu acho que vai ser pela mudança do protocolo para que se possa aplicar durante os primeiros sintomas, em especial para as pessoas mais humildes”, informou Bolsonaro, durante a live.

Pouco antes, em videoconferência com empresários, o presidente disse que estava exigindo de Teich a mudança do protocolo. “Estou exigindo a questão da cloroquina agora também. Se o Conselho Federal de Medicina decidiu que pode usar cloroquina desde os primeiros sintomas, por que o governo federal, via ministro da Saúde, vai dizer que é só em caso grave?”, disse.

Um parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM) de abril reforça a ausência de evidências científicas sobre a eficácia da cloroquina contra a covid-19, mas diz que, “diante da excepcionalidade da situação”, é possível ministrar o remédio em três estágios da doença: paciente com sintomas leves com diagnóstico de coronavírus confirmado; paciente com sintomas importantes, mas ainda sem necessidade de cuidados intensivos, com ou sem recomendação de internação; e paciente crítico recebendo cuidados intensivos.

“Após analisar extensa literatura científica, a autarquia reforçou seu entendimento de que não há evidências sólidas de que essas drogas tenham efeito confirmado na prevenção e tratamento dessa doença. Porém, diante da excepcionalidade da situação e durante o período declarado da pandemia de covid-19, o CFM entende ser possível a prescrição desses medicamentos em três situações específicas”, diz o parecer.

Dois dias antes de receber o ultimato do presidente, Teich havia reforçado na terça-feira, em post no Twitter, sua preocupação com os efeitos colaterais do medicamento.

“Um alerta importante: a cloroquina é um medicamento com efeitos colaterais. Então, qualquer prescrição deve ser feita com base em avaliação médica. O paciente deve entender os riscos e assinar o ‘Termo de Consentimento’ antes de iniciar o uso da cloroquina”, afirmou o então ministro.

Em pronunciamento nesta sexta-feira, Teich não explicou os motivos que o levaram a deixar o comando do Ministério da Saúde.

“A vida é feita de escolhas e hoje eu escolhi sair”, disse.

Já Maduro publicou em sua conta oficial no Twitter uma mensagem destacando a eficácia da cloroquina.

“Parabenizo a equipe científica da saúde de nosso país, que trabalha de boa fé e amor para proteger a saúde das pessoas. Com eles, avançamos na produção de difosfato de cloroquina, um medicamento eficaz para o tratamento contra o Covid-19. Sim, nós podemos Venezuela!”, escreveu o presidente venezuelano.

Ministros militares

A saída de Teich voltou a pôr em evidência outro aspecto que aproxima os governos de Bolsonaro e Maduro: a presença em grande número de militares em postos-chave dos gabinetes.

Com a demissão do ministro, menos de um mês depois de substituir Luiz Henrique Mandetta, assume interinamente o comando da pasta o atual secretário-executivo, general Eduardo Pazuello, que não tem formação na área de saúde. Apesar de favorito ao cargo, Pazuello ainda não foi confirmado como o novo titular do órgão.

Sobe, assim, ainda que temporariamente, o número de ministros militares no governo Bolsonaro. Eles passam a controlar nove dos 22 ministérios (40,9%), proporção superior à da Venezuela, onde dez dos 34 ministérios (29,4%) são comandados por egressos das Forças Armadas, segundo a ONG venezuelana Control Ciudadano.

No país vizinho, contudo, o Ministério da Saúde é chefiado por um civil – o médico Carlos Alvarado González. Ele está à frente da pasta desde junho de 2018.

Atualmente, os ministros de origem militar do gabinete de Bolsonaro são, além de Pazuello: general da reserva Walter Souza Braga Netto (Casa Civil), tenente-coronel da reserva Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), general da reserva Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), general da reserva Fernando Azevedo e Silva (Defesa), general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), almirante Bento Costa Lima (Minas e Energia), capitão da reserva Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União) e capitão da reserva Tarcísio Freitas (Infraestrutura).

Além disso, o Palácio do Planalto conta com cargos de destaque ocupados por egressos das Forças Armadas, como o próprio presidente, que é capitão reformado do Exército, o vice-presidente Hamilton Mourão, general da reserva, além do porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, também general da reserva.

Em fevereiro, Bolsonaro nomeou o almirante Flávio Augusto Viana Rocha para comandar a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), que ganhou novas funções e passou a estar subordinada diretamente ao presidente. A SAE estava ligada anteriormente à Secretaria-Geral da Presidência, uma das quatro pastas com status de ministério que funciona no Palácio do Planalto.

Já no caso da Venezuela, os militares são: coronel Jorge Elieser Márquez (Despacho da Presidência e Continuação da Gestão do Governo), major-general Néstor Reverol (Relações Interiores, Justiça e Paz), general Vladimir Padrino López (Defesa), coronel Wilmar Castro Soteldo (Agricultura Produtiva e Terras), general Ildemaro Moisés Villarroel Arismendi (Habitação e Moradia), major-general Manuel Quevedo (Petróleo), major-general Carlos Leal Tellería (Alimentação), general de divisão Raúl Alfonso Paredes (Obras Públicas), Almirante Gilberto Pinto Blanco (Desenvolvimento de Mineração Ecológica) e major-general Gerardo Izquierdo Torres (Nova Fronteira de Paz).

A presença de tantos militares no Executivo capitaneada por Bolsonaro preocupa especialistas.

“Não se trata de um cenário ideal do ponto de vista das instituição democráticas”, diz Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria Integrada.

Segundo ele, as Forças Armadas e a política têm naturezas distintas.

“Os militares funcionam na base da hierarquia e a política é horizontalizada; é o terreno da igualdade. Evidentemente que existe uma tensão”, acrescenta.

Crise diplomática

No início deste mês, em mais um capítulo da crise entre Brasil e Venezuela, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu uma ordem de expulsão de diplomatas venezuelanos que estão no Brasil representando o regime de Maduro.

Na ocasião, o Itamaraty enviou documento à Embaixada e aos consulados venezuelanos no país e listou 34 funcionários que deveriam sair do Brasil — junto com seus dependentes.

Bolsonaro reconhece o líder opositor Juan Guaidó como presidente da Venezuela, e não Maduro. O governo também considera a advogada María Teresa Belandria, enviada por Guaidó ao Brasil, como a embaixadora legítima do país vizinho.

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