Colômbia elege Gustavo Petro, 1º presidente de esquerda do país

Com 99% das urnas apuradas, ex-prefeito de Bogotá e ex-guerrilheiro derrota populista Rodolfo Hernández

FONTEPor Sylvia Colombo, da Folha de S.Paulo
Foto: Gustavo Petro

A Colômbia terá um presidente de esquerda pela primeira vez. Neste domingo (19), Gustavo Petro, 62, com 50,44%, derrotou o populista Rodolfo Hernández, 77, com 47,31%, em uma disputa apertada.

Assim, o esquerdista chega à Casa de Nariño, a sede do Executivo colombiano, em sua terceira tentativa, depois de percorrer uma longa trajetória. Antes de entrar na vida democrática, foi guerrilheiro do grupo M-19, preso e exilado. Depois, foi eleito senador em duas ocasiões e prefeito da capital Bogotá.

Entre suas propostas estão uma mudança do modelo econômico do país, tornando-o menos extrativista e com mais ênfase na produção agrária, industrial e científica. Ele também promete uma reforma agrária baseada na taxação de terras improdutivas e no aumento dos impostos aos colombianos mais ricos.

Trata-se do capítulo final de uma campanha que teve de tudo: ataques verbais, vazamentos de vídeos de reuniões de campanha, recusa em participar de debates, supostas ameaças de morte e até a sugestão de Petro de que poderia não aceitar o resultado, apontando supostas irregularidades do órgão eleitoral.

O sistema eleitoral colombiano funciona em duas partes. A contagem rápida é feita com a apuração eletrônica das atas enviadas pelos mesários ao fim da votação. A contagem manual, voto a voto, com a qual se dá o resultado final, também começa imediatamente, mas o resultado só sai em alguns dias.

Na Movistar Arena, espaço em Bogotá com capacidade para 13 mil pessoas que a campanha do esquerdista escolheu para celebrar o resultado, apoiadores, entre os quais grupos indígenas que vieram do interior, agitavam símbolos pró-diversidade. No palco, uma banda de garotos cantou o hino nacional.

No meio da comemoração, surgiram bandeiras do M-19. Uma delas trazia a palavra “paz”, e outra, também com o nome da guerrilha, lembrava Carlos Pizarro, morto durante campanha para a Presidência, em 1990.

“Hoje é um dia de festa para o povo. Que festejem a primeira vitória popular. Que tantos sofrimentos se apaziguem na alegria que hoje inunda o coração da pátria”, escreveu Petro no Twitter, após a divulgação do resultado. “Esta vitória é para Deus, para o povo e sua história. Hoje é o dia das ruas e das praças.”

A vice Francia Márquez, que foi empregada doméstica e se tornou a primeira mulher e negra a assumir o cargo, foi a primeira a subir no palco, agradecendo a “nossos ancestrais e a todos os colombianos que deram a vida por esse momento”.

Lembrou os líderes sociais, jovens e mulheres assassinados no país nos últimos anos. Foi muito aplaudida e acompanhada pelo grito de guerra “sí, se pudo” (sim, foi possível). Acompanhada da filha, disse que este será “o governo dos que não são ninguém, da dignidade e da justiça social”.

Também com a família, Petro discursou na sequência. “Quanta gente que não pôde nos acompanhar hoje, quanta gente que desapareceu nos caminhos da Colômbia, que morreu, que está preso, tantos jovens nas prisões por ter esperanças, por ter amor. Peço ao procurador-geral que libere nossos jovens”, disse, citando os detidos nos protestos no país. Os apoiadores, então, passaram a gritar “liberdade, liberdade”.

O esquerdista também fez um chamado aos eleitores de Hernández. Afirmou que o adversário fez “uma campanha interessante” e que está convidado a ir à Casa de Nariño para discutir sobre os problemas do país. “Neste governo que começa não haverá perseguição política, só respeito e diálogo. Que possamos construir o grande acordo nacional, com 50 milhões de pessoas, com toda a sociedade colombiana.”

Mais cedo, Hernández já havia reconhecido a derrota, afirmando em suas redes sociais que “a maioria dos colombianos que votaram escolheu o outro candidato”. “Como expressei reiteradamente, aceito o resultado, como deve ser para que nossas instituições sejam firmes. Sinceramente, espero que essa decisão tomada seja em benefício de todos. Desejo que o senhor Gustavo Petro saiba dirigir o país.”

Por ter ficado em segundo lugar, ele terá uma vaga no Senado —a norma está na Constituição, para garantir espaço para partidos e movimentos de oposição.

O novo presidente da Colômbia encontrará o país com sérios problemas, especialmente nas áreas social, econômica e de segurança. Mesmo com uma projeção de crescimento do PIB de 6,1% para 2022, a inflação, em 9%, preocupa, assim como o desemprego, na casa dos dois dígitos, com índice de 11,1%.

Há forte insatisfação popular, refletida na onda de protestos de 2019 e 2021, quando manifestações para derrubar uma proposta de reforma tributária se expandiram em uma ampla gama de demandas, de uma sociedade mais inclusiva ao fim da violência no campo e à implementação total do acordo com as Farc.

Diferentemente do atual líder do país, Iván Duque, Petro quer não só completar esse objetivo, mas também reabrir o diálogo com a última guerrilha ainda em atividade, o ELN (Exército de Libertação Nacional).

Em seu discurso já como eleito, disse que “a paz significa que alguém como eu possa ser presidente”. “E que deixemos de matar uns aos outros. A partir de 7 de agosto, começará a paz integral na Colômbia.”

Outro desafio é a integração dos refugiados —a Colômbia recebeu até hoje 2,5 milhões de venezuelanos, o país que mais abrigou imigrantes do vizinho. Petro é a favor do reestabelecimento das relações com o regime de Maduro e que o governo deixe de reconhecer o opositor Juan Guaidó como presidente.

Petro usou seu discurso de vitória para propor um governo mais aberto às parcerias com os vizinhos. “É hora de começar um diálogo com a América Latina. E podemos propor agora um diálogo entre as Américas sem exclusões de nenhum povo”. Ele afirmou que “é o momento de sentarmos com o governo dos EUA e com os governos das Américas para falar sobre a transição energética”.

“Proponho à América Latina que nos integremos mais, que nos vejamos como latino-americanos. Ao progressismo da América Latina proponho deixar de pensar na justiça social e da redistribuição da riqueza e nos altos preços da petróleo. E que pense numa América Latina produtiva e não extrativista”, declarou. “Queremos que a Colômbia se coloque a frente do mundo na luta contra a mudança climática.”

Petro terminou sua fala aos apoiadores com esta frase: “Me chamo Gustavo Petro, e sou seu presidente”.

O pleito colombiano ficará marcado pelo revés das forças políticas tradicionais, espelhado na ausência de candidatos dos partidos Liberal e Conservador e do Centro Democrático, legenda do ex-presidente Álvaro Uribe e do atual, Iván Duque, na rodada final.

Duque, aliás, tratou de parabenizar Petro e, no Twitter, disse que o encontraria para iniciar a transição. “Acabo de ligar para Gustavo Petro para felicitá-lo como presidente eleito dos colombianos. Combinamos uma reunião nos próximos dias para iniciar uma transição harmônica, institucional e transparente.”



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