Com bala alojada no rosto, mulher trans relata que sofreu tentativa de homicídio após ser alvo de homofobia e intolerância religiosa

Vítima recebeu alta médica nesta quarta-feira (23) e diz que ainda fará registro de ocorrência; suspeito de atirar continua mandando mensagem intimidadora, segundo ela.

FONTEG1, por Lívia Torres, Fernanda Fialho e Rafael Nascimento de Souza
Imagem: iStockphoto/Arte/UOL

Uma mulher trans de 26 anos denuncia que foi vítima de agressão verbal e de tentativa de homicídio por conta de sua orientação sexual e sua religião – umbanda – no último final de semana, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

A agressão, segundo Nycole da Silva Pinto, foi fruto de um desentendimento que ocorreu na noite do último sábado (19), quando ela tentava pegar um mototáxi. Na segunda-feira (21), ela foi alvejada por um tiro, na Praça São João, no Centro do município. Nicole foi baleada no rosto e a bala está alojada na boca.

De acordo com Nycole, tudo começou quando ela e a amiga tentava voltar para casa, na noite de sábado, e um mototaxista as agrediu verbalmente. Vítima e agressor se conhecem.

“No sábado, houve uma briga entre esse mototaxista, eu e a minha amiga. Ele disse que éramos trans e ‘não levaria veado em sua garupa’. Fomos embora com outra pessoa. No dia seguinte, já no domingo (20), o pai dele me ligou perguntando se eu iria trabalhar. Eu disse que não, porque vi que ele estava com maldade. Eu falei que estava em Copacabana”, relembra Nycole.

“Na segunda, eu estava trabalhando e o pai do mototaxista me encontrou na praça e disse que tinha que ‘desenrolar’ a confusão. Eu falei que iria fumar um cigarro na esquina e ele questionou se eu gostava de fazer macumba. Em seguida e perguntou se eu estava bem protegida. Respondi para ele que: ‘Graças a Deus e aos meus orixás, eu estava”, acrescentou Nycole.

“Então, ele deu a volta na praça, foi no mototáxi, pegou o filho, sentou na garupa e foi até a mim. Eu estava agachada fumando e ele atirou. Quando ele deu o tiro, eu levantei e corri. Ele atirou novamente. Nesse momento, o filho dele falou: ‘A outra está ali’. Eu comecei a gritar e o pessoal da praça também gritou, já que lá estava muito cheio. Ai, eles correram”, relembra a vítima.

Quem socorreu Nicole foram pessoas que estavam no entorno da praça. O agressor e o filho, fugiram em seguida e desde então não teriam sido mais vistos.

Agressor continua mandando mensagens

Após ser baleada, Nycole foi levada para o Hospital Estadual Azevedo Lima. Mesmo hospitalizada, o suspeito de ser o atirador continua mandando mensagem para a vítima.

“Ele continua me mandando mensagem. Ele falou para a amiga da minha mãe que ele vai terminar o que ele fez”. O g1 teve acesso as mensagens. Em um trecho, o suspeito afirma que não tem medo de ser preso e “puxar cadeia”. Só quero justiça”, afirma Nycole.

Dificuldade para registrar o caso na delegacia

Após o fato, uma testemunha, que é amiga de Nicole, diz que tentou registrar um boletim de ocorrência. Entretanto, policiais da 78ª DP (Fonseca) teriam procrastinado e tentando que ela desistisse de fazer o registro.

“Eles quase não pegaram o meu depoimento direito. Eles me deixaram do lado de fora da delegacia e mau registraram o boletim de ocorrência”, disse a amiga de Nycole que esteve na delegacia.

Após a insistência, a Polícia Civil colheu o depoimento da testemunha. Entretanto, a mulher conta que não recebeu a cópia do que disse aos investigadores.

Falta de médico para cirurgia

A família de Nicole afirma que no Hospital Azevedo Lima não há cirurgião buco-maxilo-facial e que por isso ela terá que ficar com a bala alojada na boca. Os especialistas não teriam informado se ela precisará retirar o objeto.

“A minha irmã está com a bala alojada na boca. Ela teve alta nesta quarta. O médico falou que ela terá que passar por outra avaliação médica amanhã. O projetil não foi retirado”, conta a vendedora Gabrielly Pinto de Sá, que desabafa: “Fizeram essa covardia com a minha irmã porque ela é trans”.

Nicole deverá ir à 78ª DP prestar depoimento nesta quinta-feira. “Amanhã vamos à delegacia para que ela preste depoimento. Até porque, o suspeito está ameaçando-a”, informou a Andrea Kraemer, que está dando assistência jurídica à vítima.

Andrea Kraemer é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da OAB Niterói.

Após o caso, a Coordenadoria de Defesa dos Direitos Difusos e Enfrentamento à Intolerância Religiosa (Codir), da Prefeitura de Niterói, divulgou uma nota. Segundo a pasta, ela acompanha o caso e chamou o fato de “tentativa de assassinato”.

De acordo com o órgão, profissionais da coordenadora estão à disposição de Nycole e que está acompanhando o caso em conjunto com a Clínica Jurídica LGBTQIA+. Por fim, a Codir repudiou a agressão e salientou que está “à postos para enfrentar qualquer que seja a violação de direitos, principalmente em se tratando de casos de violência LGBTQIA+fóbica e/ou intolerância religiosa”.

O g1 ligou para o telefone do suspeito. Ele disse que “desconhecia a pessoa e o fato”.

Em nota, a Polícia Civil informou que “a ocorrência foi registrada na 78ª DP (Fonseca) como tentativa de homicídio provocado por projétil de arma de fogo, e está sendo encaminhada para a 76ª DP (Niterói), unidade da área onde ocorreu o crime, que dará prosseguimento à investigação”.

Em relação aos agentes que teriam tentando evitar que o caso fosse registrado, a instituição informou que “foi aberto procedimento interno para averiguar os fatos, uma vez que o relato não condiz com a metodologia de atendimento das delegacias”.

A Secretaria Estadual de Saúde (SES) ainda não comentou o caso.

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