Com frio recorde, moradores de rua têm colchões e papelões retirados por Guarda Civil de São Paulo

A Moroccan homeless youth sleeps in a street in the northeastern coastal city of Tangier, on January 28, 2016. Having left their homes due to precarious social circumstances, some of these children attempt to travel to Europe by jumping on the back of a truck or a bus at the port of the city, in hope of finding a better life elsewhere. Drug addiction is very common among street children who commonly sniff glue and other chemicals to help them bear hunger and cold. / AFP / FADEL SENNA (Photo credit should read FADEL SENNA/AFP/Getty Images)

Mais um morador de rua morreu possivelmente em razão do frio na capital paulista, informou nesta terça-feira (14) a Arquidiocese de São Paulo. Nailson Paulo da Silva, que aparentava 50 anos, morreu às 14h de ontem na rua Amazonas, Bom Retiro, região central. Ele seria a quinta vítima do frio dos últimos dias em São Paulo.

Do BrasilPost

De acordo com frei Agostino, da Comunidade Voz dos Pobres, Nailson já vinha sofrendo os efeitos do frio e de outras patologias. Muito conhecido pela vizinhança, o frei conta que o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi chamado assim que o homem começou a passar mal, mas o socorro só chegou às 18h.

Segundo a Arquidiocese, um homem foi achado próximo ao metrô Santana, zona norte, na última quinta-feira (9). O outro corpo encontrado é de uma mulher, que morreu na sexta-feira (10), perto do Terminal Rodoviário do Tietê, também na zona norte. Eles ainda não foram identificados, pois, segundo o frei, devem ser de outro Estado.

O morador de rua João Carlos Rodrigues, de 55 anos, que estava nas imediações da estação Belém do metrô, foi achado na madrugada de sexta-feira. Adilson Justino, com idade desconhecida, foi encontrado pela Polícia Militar na Avenida Paulista.

Após o dia mais frio registrado na capital paulista em 22 anos, com 3,5°C de temperatura mínima, moradores de rua reclamaram de ter colchões e papelões, usados como proteção, levados por agentes da Guarda Civil Metropolitana.

A GCM admitiu a retirada de itens, mas afirmou que deixa objetos pessoais e a ação é para evitar que a população de rua “privatize” espaços públicos, como calçadas.

O comandante da GCM, inspetor Gilson Menezes, disse que seus agentes apoiam as ações das subprefeituras para evitar a permanência de barracas nas ruas da cidade e, por isso, retiram papelões. O comandante afirmou:

“Damos auxílio nesse trabalho de remoção de material inservível. E são retirados os colchões, realmente. É para tirar moradias precárias. A ideia de retirar os colchões é evitar que o espaço público seja privatizado. Porque existe também uma demanda de reclamações de muitos cidadãos, que dizem que, muitas vezes, têm de andar no leito carroçável (a rua) porque têm dificuldade de caminhar pela calçada.”

Menezes, por outro lado, disse que há duas normas internas da GCM queregulamentam a remoção do material e vetam expressamente a retirada de cobertores. “Isso seria condenável, ainda mais nesses dias frios”, afirmou. “Nenhum morador de rua é importunado à noite na cidade de São Paulo. Ao contrário, o trabalho da GCM no período noturno é orientar as pessoas a procurar um abrigo e, caso solicitem, auxiliar no encaminhamento dessa população”, garantiu o chefe da Guarda.

Ele reconheceu, no entanto, que os guardas-civis, pelas manhãs, auxiliam agentes das subprefeituras em um trabalho de “reorganização do espaço público”.

Frio

Alvo dessas operações, os moradores de rua afirmam que tudo o que juntaram para escapar do frio é levado pelos guardas, incluindo as proteções de papelão. “Eles passam aqui às 7 horas. O que a gente ainda não guardou, eles levam”, contou a moradora de rua Sara Patrícia, de 49 anos, que vive na Praça 14 Bis, no Bexiga, região central.

Dona de cinco cães e quatro gatos, a moradora afirmou que não teria com quem deixar seus animais de estimação caso fosse para os abrigos municipais.

Ainda na praça, outro morador de rua, João da Luz, de 60 anos, disse que, há duas semanas, seus papelões, madeira e cobertores foram levados. “Já arrumei outros, mas agora deixo em um bar aqui perto.”

Na zona leste, a também moradora de rua Ana Paula de Jesus Souza, de 37 anos, relatou que teve cobertores, roupas e até documentos e remédios levados por guardas. “Estava tudo no meu carrinho. Tinha comida, remédio, ração para os cachorros”, reclamou.

Após o padre Julio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, postar um vídeo no Facebook sobre o caso e cobrar explicações do prefeito Fernando Haddad (PT), ela afirmou que o material foi devolvido.

Ontem, sem meias e enrolada em três edredons sujos, Ana Paula de Jesus tossia enquanto explicava por que não queria ir para abrigos. “Lá, tenho de acordar muito cedo e não consigo caminhar de volta para cá por causa da artrose.”

Já Lancellotti reclamou do fechamento de vagas de acolhida emergenciais nas áreas centrais, transferidas para bairros mais afastados. Ele citou um abrigo que funcionou até o ano passado sob o Viaduto Guadalajara, no Belenzinho. O jornal Estado de S. Paulo visitou o local ontem e encontrou famílias desalojadas de outras ocupações. O espaço, da Prefeitura, foi cedido à Igreja Católica por 99 anos.

A secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, Luciana Temer, afirma que chegou a negociar com a Pastoral da Rua o uso do espaço como abrigo neste inverno, e não conseguiu – por causa da invasão. “O abrigamento da população de rua embaixo de viadutos não está de acordo com a política nacional”, ressaltou a secretária.

Ela afirmou ainda que a Prefeitura abriu 1.517 vagas de emergência nos abrigos e a descentralização é uma demanda do Comitê para a População de Rua.

Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), as temperaturas devem subir um pouco nesta semana: com mínima de 11ºC amanhã e 12° C na quinta-feira.

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