Com manifesto sobre o genocídio negro no Brasil, Coletivo Bartolomeu provoca desconforto na platéia do CCSP

No último dia 04 de março, aconteceu na Sala Jardel Filho, do Centro Cultural São Paulo, o show do músico sul-africano Neo Muyanga – Revolting Music –Inventário das Canções de Protesto que Libertaram a África do Sul. O músico e performer trouxe as canções de protesto sobre o Apartheid e músicas gospel que foram cantadas nesta época. Ao final do show houve a intervenção-protesto do Núcleo Bartolomeu, contra o racismo, o genocídio e as violências vividas pela população negra diariamente no Brasil.

Por Natália Sena para o Portal Geledés 

No final da apresentação do músico Neo Muyanga, a plateia foi surpreendida pela intervenção do Coleivo Bartolomeu, que fez a performance “Em Legítima Defesa”,  uma ação que contou com a presença de Dudu de Oliveira, Gilberto Costa, Jhonas Araujo, Junior Cabral, Renato Caetano de Jesus, Walter Baltazar, Aretha Oliveira, Luz Ribeiro, Mawusi Tulani, Nadia Bittencourt, Palomaris Mathias Manoel, Thereza Morena, Luiz Felipe Lucas e Tatiana Ribeiro, todas e todos negras e negros, vestidos de preto, parados e em movimento, encarando a plateia enquanto ao fundo tocava em (um) alto e bom som o seguinte verso: “a cada quatro pessoas mortas pela polícia três são negras”, seguido do comentário “quem quiser pode ficar”. Sem compreender muito bem o que estava acontecendo, a maioria da plateia permaneceu na sala para assistir a intervenção.

Se durante o show de Neo Muyanga a plateia estava receptiva às suas falas e músicas sobre os protestos da população/ativistas sul-africana ao apartheid, a performance/protesto do Coletivo Bartolomeu provocou um mexer de cadeiras, a movimentação de cabeças e olhos em busca das vozes e sons que brandiam ao fundo e ao lado, uma situação que expressava um misto de surpresa com  incômodo, assim como o desconforto com o inusitado da cena, mas principalmente com o contato direito com um tema que as pessoas preferem negar – o racismo brasileiro.

“Isso aqui é realidade. Não é performance. É mais um grito!” Assim começou a ação do Coletivo Bartolomeu, que no discurso citava nomes de homens negros, mulheres negras , jovens negros mortos de forma violenta pela polícia, assim como de pessoas gays e trans. Nomes que eram acompanhados de citações de poesias, das inúmeros situações de racismo, as políticas de cotas e a tragédia do navio negreiro.

Enquanto o Manifesto acontecia, eu olhava a movimentação na plateia, que contava com apenas 16 negros/as em um público de cerca de 50 pessoas. Era possível perceber certo incômodo por parte de algumas pessoas, mas havia também uma boa recepção à mensagem direta e precisa do Coletivo.

Conversei com Eugênio Lima, DJ, pesquisador da cultura afro-diásporica, e diretor do Núcleo Bartolomeu sobre a reação da plateia, ele disse: “já imaginava que isso fosse acontecer (sobre o fato de muitos brancos/as não terem se solidarizado com o gesto negro do punho erguido),pois denota e expõe a fratura social existente no Brasil entre negros e brancos. Pode não ter havido um engajamento total, mas o outro se fez presente. Mesmo assim, o campo de tensão foi muito grande”.

“Se  não criamos esse campo para um possível diálogo, o único argumento que se constrói é a partir da violência, uma violência que interdita o campo. A gente construiu a performance a partir da ideia de estarmos em legítima defesa, colocando nossas vidas, nossos corpos e as ideias em ação. E isso veio do âmago desses atores e atrizes, em forma de depoimentos, um formato que ultrapassa a ideia da representação e vai para a ideia da ação, porque o que está em jogo são as nossas vidas”, afirmou Eugenio de Lima.

Para quem ficou curioso para ver a apresentação Em Legítima Defesa, Eugênio disse que ela “foi pensada para ser única, mas diante do acontecido, a curadoria da MITSP está propondo outras intervenções, e eu gostaria muito que isso acontecesse, mas ainda preciso conversar com os/as atores/atrizes”.

Questionado sobre como acha que seria a reação de uma plateia formada majoritariamente por negros, Lima disse: “eu gostaria muito de responder esta questão in loco, ter uma maioria de negros na plateia, para criar um outro campo de engajamento.”

 

Colaborou: Suelaine Carneiro

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