Com poesia e didatismo, “Favela” exala o perfume de uma “flor em resistência”

Livro é lançado dia 27 com sarau, em evento que também apresenta "Vozes Periféricas"

FONTEFolha de São Paulo, por Denise Mota
A escritora Adriele Oliveira, autora de "Favela" - Arquivo pessoal

A Jatropha phyllacantha, flor que nasce no sertão baiano, é o fio (buquê?) condutor para que Adriele Oliveira leve o leitor a um universo de concreto e sonho, realidade e perfume, brutalidade e poesia em “Favela”, livro que tem lançamento este sábado (27) em São Paulo.

Com belas ilustrações de Beatriz Lira e design de Luciana Facchini, o volume une poemas a uma prosa didática sobre os vários conceitos que gravitam em torno dessa formação urbana — das definições de dicionário e históricas (favela é justamente o nome popular da Jatropha phyllacantha) às denominações técnicas, como a de “aglomerados subnormais” do IBGE.

“O sangue é a dor em comum. Uma sensação de abandono crônico, vivendo em uma grande casa que é a favela. Aqui estamos e desde aqui lutamos.”

Adriele Oliveira
Em “Favela”

A favela de Oliveira tem olhos, mãos e coração. A autora, arqueóloga formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e que vive no Uruguai há seis anos, quis se despojar de tecnicidades, mas não descartá-las. Para, a partir delas, compartilhar o olhar autêntico de uma moradora sobre seu próprio lar.

“Uma favela livre de estigmas, percebida como lugar integrado às cidades, como parte delas”, define na introdução a escritora baiana, que morou na Favela do Nove, em São Paulo, até os 18 anos e que mergulhou no mundo da escrita a partir de oficinas de texto organizadas pelo instituto Acaia e das quais participou entre 1997 e 2007.

Além de “Favela”, também será lançado no dia 27 “Vozes Periféricas”, volume organizado pelo instituto Çarê e em que jovens de diferentes comunidades de São Paulo reúnem as trocas poéticas e visuais que mantiveram em uma rede social ao longo do primeiro ano da pandemia de covid-19. As duas publicações estão à venda na Amazon.

Abaixo, os principais fragmentos da entrevista com Adriele Oliveira:

Preta, Preto, Pretinhos – “Favela venceu” ou segue um “lugar ausente”?
Adriele Oliveira – A favela ainda é um lugar ausente no debate público. A coisa está em não só falar de favela, mas em como se fala e em quê. A favela vem ganhando batalhas, não a guerra. Acho que a favela venceu, sim, em sua resistência centenária, em germinar tantas manifestações culturais e artísticas que marcam nossas identidades, em botar no mundo artistas das melhores e diversas qualidades. Entanto segue sendo território de negação de direitos, de violência política, de terrorismo de estado. Ainda faltam políticas públicas, acesso a serviços de qualidade, possibilidades reais de vidas dignas.

PPP – Como prosa e poesia se combinam nesse seu comentário sobre a favela?
AO – Não dava para escrever sobre a favela sem usar a poesia e a escrita acadêmica, porque foram as formas que encontrei para começar a reformular esse lugar dentro de mim. Na poesia, ou nos textos livres — como eu definia naquela época — encontrei a ferramenta e a primeira linguagem para poder expressar e começar a entender minha existência e a relação com todo aquele mundo que era a favela. E também narrar todas as histórias que aconteciam ali. Foi um momento em que a possibilidade de escrever “me salvou a cabeça”. Já na faculdade de arqueologia aprendi a investigar, a olhar de outras formas tudo, questionar até o conhecido, a curiosidade interminável em descobrir a história das coisas, isso me deu a oportunidade de escrever “cientificamente” ou arqueologicamente…

PPP – Você se mudou para o Uruguai por conta de um amor, mas decidiu permanecer no país por conta do trabalho que exerce com as mulheres afrouruguaias no coletivo Mizangas. O que essas vivências vêm acrescentando às suas reflexões?
AO – Sim, Mizangas foi a razão pela qual decidi continuar em Montevidéu. São minhas companheiras de militância, irmãs de luta e amigas amadas. Em Mizangas aprendi a militar, a me posicionar politicamente como mulher negra e ativista, aprendi a força transformadora do movimento de mulheres negras e muitas outras coisas que vamos aprendendo juntas. Também aprendi muito, e refletimos em coletivo, sobre a interseccionalidade e os eixos de opressões que nos atravessam e que, claramente, seguem somando outras camadas. Atravessar o processo, o entendimento e a vivência de ser uma mulher negra favelada e imigrante em um país como o Uruguai só está sendo possível graças a Mizangas, à contenção do coletivo e à possibilidade real de transformação das nossas realidades mediante o ativismo.


“Favela – A flor em resistência / O lugar ausente” e “Vozes periféricas”

Quando: lançamento no sábado, 27 de agosto, a partir das 15h – mesa de conversa, sessão de autógrafos e sarau

Onde: Instituto Çarê – r. Dr. Avelino Chaves, 138, Vila Leopoldina, São Paulo

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