Combate à violência de gênero: coletivo transforma a realidade de participantes por meio da arte

Coletivo Madalena Anastácia transforma a realidade de participantes por meio de teatro, música e rodas de conversa

FONTEO Globo, por Cíntia Cruz
Coletivo Madalena Anastácia: em dição do Julho Negra - Foto: Reprodução

“Tenho 30 anos de casada e só agora percebi que, se meu marido gritar comigo, é violência”. O relato é de uma moradora da Baixada Fluminense que participou das oficinas do Coletivo Madalena Anastácia. Há sete anos, o grupo formado por atrizes e educadoras negras utiliza a arte para discutir raça e gênero.

— É um teatro “artivista”. Não é só ativista, mas também é artístico porque usa a arte como estratégia de transformação da realidade — explica a atriz Rachel Nascimento, uma das coringas (diretoras) do coletivo, juntamente com Eloanah Gentil.

Teatro, música, qualquer expressão artística pode ser criada a partir do encontro dessas mulheres que imprimem suas vivências na produção. Dados sobre violência doméstica, assédio, letras de música machistas, tudo isso serve de material para transformar a realidade a partir da arte. Exemplos disso são peças, performances e três clipes criados por elas em laboratório criativo com outras mulheres.

— Fizemos um trabalho com mulheres de Duque de Caxias, e elas construíram a peça “Até quando?”, a partir das memórias e vivências delas, do que é ser mulher nessa sociedade machista e patriarcal. A peça traz dados muito contundentes sobre violência contra mulher, assédio nos trens, alto índice de assassinatos na Baixada. Um exemplo é o de uma mulher que fez cinco boletins de ocorrência contra o companheiro até que foi morta a facadas por ele — diz Rachel, que tem como parceira nesse trabalho Carolina Netto, educadora e integrante do coletivo.

O trabalho junto com outras mulheres da Ocupação Cultural e Artística do Viradouro (OCA) também deu origem a três clipes: “Xô, encosto”, “Se mete a colher” e “Samba Lê Lê quer respeito”.

— Realizamos jogos e exercícios, refletindo quais letras são violentas e machistas. Até que Bárbara (Santos, fundadora do Teatro das Oprimidas) fez a proposta de criarmos nossas músicas. Se essas não nos servem, quais músicas a gente pode criar? No “Xô, encosto”, por exemplo, a mulher fala que não precisa de homem para viver e exercer sua liberdade e sua autonomia — destaca a diretora.

O Madalena Anastácia é composto por mulheres do Teatro das Oprimidas, grupo fundado pela diretora Bárbara Santos no Centro de Teatro do Oprimido (CTO) para pensar perspectivas feministas de transformação da realidade. O CTO foi criado em 1986 pelo dramaturgo Augusto Boal para desenvolver suas metodologias de libertação social através do teatro.

— Desde 2010, já havia o laboratório de Teatro Madalena, dentro do Teatro das Oprimidas, que pensava a questão das mulheres. Também havia o Laboratório Anastácia do CTO, que discutia raça. Pensamos, então, em juntar esses dois nomes para discutir gênero e raça.

“Artivismo”. Rachel Nascimento, diretora do coletivo Madalena Anastácia, durante oficina para mulheres em Caxias — Foto: Arte

Para o Madalena Anastácia, criar multiplicadoras que levem o conceito do coletivo é fundamental. As parcerias já se estenderam pela Baixada e outros municípios da Região Metropolitana.

Movimento se expande

Em Duque de Caxias, a ONG Maloca da Cidadania, que tem uma parceria com o Coletivo Madalena Anastácia, atua junto a mulheres por meio de educação, cultura, assistência social e saúde. Ana Félix, presidente da ONG, conta como os encontros com o Anastácia transformaram as mulheres da região:

— Muitas mulheres começaram a levar relatos para a roda de conversa e falar que sofriam violência em casa, mas não sabiam porque era violência verbal. Elas começaram a identificar o tipo de violência e a desnaturalizar a opressão. Entenderam que, por meio da arte, podem denunciar.

Outro legado do trabalho com o Madalena Anastácia para mulheres da região foi o contato com o teatro.

— Foi a primeira vez de muitas delas no teatro. A proposta é que sejam multiplicadoras e desenvolvam o que aprenderam com outras mulheres e adolescentes na Maloca — destacou Ana.

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