Na semana passada, no Sesc 24 de Maio, ao lado de Thiago Amparo e Taina Silva, conversei com Steven Levitsky sobre o novo livro escrito por ele e Daniel Ziblatt, “Como Salvar a Democracia”, publicado no Brasil pela Editora Zahar.
A ideia central do ensaio de que ou os Estados Unidos se tornam uma democracia verdadeiramente multirracial ou não haverá democracia, parece ter sido inspirada no manifesto da Coalizão Negra por Direitos, de junho de 2020: “Enquanto Houver Racismo não Haverá Democracia”.
Registrava o manifesto, publicado em uma página na internet e também nesta Folha: “Não há democracia sem enfrentar o racismo, a violência policial e o sistema judiciário que encarcera desproporcionalmente a população negra. Não há cidadania sem garantir redistribuição de renda, trabalho, saúde, terra, moradia, educação, cultura, mobilidade, lazer e participação da população negra em espaços decisórios de poder.”
No prefácio da edição brasileira do novo livro, Levitsky e Ziblatt afirmam, com razão, que o Brasil ainda está longe de ser uma democracia multirracial. “Embora sejam a maioria da população, os negros no país ainda não desfrutam dos mesmos direitos, proteções legais e oportunidades que os brancos”, escrevem com mais verdade sobre o país que a maior parte de nossos analistas políticos.
Embora reconheçam que a luta por igualdade racial tem transformado o Brasil, para que um dia se transforme em um país justo e democrático, eles avisam que, pela experiência norte-americana, a reação a essa luta “provavelmente será feroz”. Discordo, afinal, a reação já é feroz.
Todos os dias alguém nos acusa de identitários. As poucas iniciativas de corrigir desigualdades eleitorais, por exemplo, como destinar tempo de televisão e recursos do fundo eleitoral e partidário a candidaturas negras e de mulheres, são desobedecidas pelos partidos que, em vez de sofrerem as sanções previstas na lei eleitoral, votam, primeiro na Câmara, possivelmente também no Senado, a chamada PEC da Anistia.
Está tudo liberado. Pode descumprir que não há sanção. E a face mais grave da feroz reação: a cada dia aumenta o número de pessoas negras assassinadas.
Dias antes da conversa, o Aganju, organização baiana que compõe a Coalizão Negra por Direitos, postou em seu perfil de instagram, em colaboração com o professor e advogado Samuel Vida e o Programa Direitos e Relações Raciais da UFBA, um vídeo do Jornal Correio, que começava com a legenda: “Arquivo morto: colégio estadual guarda mais de 100 pastas de alunos assassinados em 10 anos.”
Um educador vai manuseando os documentos, fichas borradas, em que é possível perceber as fotos de meninos negros, enquanto ouvimos as histórias de como foram executados. Ele lamenta “(…) o que tem acontecido com a juventude da nossa cidade, do nosso estado, do nosso país.”
O vídeo é uma pancada. Ele dá rostos, ainda que borrados, ao dado de que, no Brasil, a cada 12 minutos, uma pessoa negra é vítima de homicídio.
Os dados do Atlas da Violência de 2010 evidenciavam que a cada 23 minutos um jovem negro era assassinado no Brasil.
Catorze anos depois, em 2024, mais jovens negros são assassinados, e também aumentou o número de crianças negras executadas e mulheres negras vítimas de feminicidio.
Na democracia brasileira, o Estado, que deveria garantir direitos —incluindo o direito à vida—, assassina pessoas negras. E não é apenas a extrema direita que mata. Tanto o governo paulista do republicano Tarcísio de Freitas, como o governo baiano do petista Jerônimo Rodrigues aumentam o número de assassinatos de pessoas negras.
Como salvar nossa democracia?
Bianca Santana – Doutora em ciência da informação, mestra em educação e jornalista. Autora de “Quando me Descobri Negra”