Companhia das Letras tenta combater racismo nomeando editor de diversidade

FONTEPor Walter Porto, da Folha de S, Paulo
Companhia das Letras/Divulgação

A Companhia das Letras, maior grupo editorial brasileiro, anunciou que está tomando iniciativas para combater os efeitos do racismo nas suas publicações e ampliar a diversidade de seus autores.

Os planos incluem a criação do cargo de editor de diversidade, ocupado pelo historiador Fernando Baldraia, com atuação transversal em todo o grupo, um censo interno dos funcionários e do catálogo da editora, um programa de treinamento com atenção à diversidade, assim como outros projetos editoriais.

“Como o racismo estrutura todas as nossas relações, ele impacta também o ambiente editorial, em que não só a maior parte dos funcionários em postos de direção são brancos, como os catálogos são majoritariamente compostos por autores brancos e de origem europeia”, afirma nota do grupo. “Por isso é preciso tomar medidas práticas e propositivas, na esteira de outros setores, como as universidades públicas.”

Carolina Maria de Jesus / Acervo IMS

Além dos já anunciados lançamentos de Carolina Maria de Jesus e de Lélia Gonzalez, também estão no prelo da editora novas obras de Silvio Almeida e Cida Bento, colunista da Folha, a “Enciclopédia Negra”, em que Flávio Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Schwarcz perfilarão 500 figuras de relevância histórica, e um livro de memórias do cacique Raoni, uma das principais lideranças indígenas do país.

Outro líder importante, Ailton Krenak, que se tornou best-seller com “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, vai suceder o livro com “A Vida Não É Útil” no próximo mês.

Em literatura infantil, há novos livros do rapper Emicida e da educadora Kiusam de Oliveira, além de uma versão para crianças de “Sejamos Todos Feministas”, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.

Baldraia, o novo editor, afirma que a diversidade que a empresa busca vai além do antirracismo, para incluir também o combate ao sexismo, as “outras relações entre corpo e desejo” incorporadas por cada letra da sigla LGBT e a discussão que desconstrói a masculinidade e a branquitude.

Sua função no cargo, diz ele, é “olhar como a diversidade é trabalhada em cada campo editorial”, o que inclui, por exemplo, publicações de negócios e literatura infantojuvenil, “e de outro lado, olhar pra fora da editora e ver como linguagens, discursos e personagens excluídos poderiam ter entrada no mundo editorial”.

“É preciso entender efetivamente que esse debate é transversal na sociedade, está presente em todos os lugares. Não é um cercadinho em que num momento você debate antirracismo, neste outro o gênero”, afirma Baldraia, que é doutor em história pela Universidade Livre de Berlim. “Deveria estar presente em todas as publicações possíveis. Isso está começando no mercado editorial, como política corporativa.”

A escritora Chimamanda Ngozi Adichie, na capa da edição de abril da revista Marie Claire – Helena Wolfenson

Baldraia vai trabalhar lado a lado com os publishers dos 17 selos da Companhia das Letras, sugerindo e acompanhando projetos, e também vai editar livros que não tenham necessariamente a diversidade no cerne. Desde o ano passado, a Folha também tem uma editoria de Diversidade, cargo ocupado pela jornalista Alexandra Moraes, com função parecida na produção do jornal.

Em junho, nos Estados Unidos, um manifesto assinado por mais de mil escritores e editores cobrava as cinco maiores editoras do país a publicar mais autores negros, na esteira do movimento Black Lives Matter. Três delas, a Hachette, a Simon & Schuster e a Penguin Random House —que há alguns meses criou um conselho interno voltado a diversidade e inclusão—, se comprometeram a fazer isso.

Na semana passada, a escritora Juliana Borges lançou na revista Claudia um manifesto inspirado naquele, intitulado “Autores Negros Importam”. Questionava o difícil reconhecimento de escritores não brancos por grandes editoras, citando pesquisa de Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília, que apontava que de 2004 a 2014, só 2,5% dos autores publicados no Brasil não eram brancos.

Borges vê a iniciativa da Companhia das Letras como positiva. O trabalho de diversificar o leque de autores, segundo ela, vinha sendo empreendido apenas por editoras menores.

A escritora celebra em especial o censo interno do grupo, que joga luz sobre outros espaços do mercado editorial. “Quantos editores são negros ou indígenas? Essas vozes precisam estar presentes em toda a cadeia da produção do livro, não só no staff administrativo.”

Para ilustrar a importância de haver gente atenta à multiplicidade de vozes dentro das editoras, ela lembra o longo tempo que levou para Conceição Evaristo ser reconhecida. “Ela participou de circuito de saraus durante um bom tempo, todo mundo sabia que era genial e demorou muito para ser publicada”, afirma.

“Então tem essa responsabilidade, na luta antirracista, que é de todos nós. Se as pessoas querem ler, se tem demanda por essa produção, é importante responder a isso.”

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