Competência Feminina Negra diante de Chefes e Colegas de Trabalho Negros: Desafios e Reflexões

FONTEEnviado para o Portal Geledés, por Luciane Reis
Luciane Reis é publicitária pela UCSAL, Especialista em conteúdo educacional digital pela Faculdade de Educação da UFBA e Mestra pela Faculdade de Administração da UFBA. É fundadora do Mercafro, uma plataforma de curadoria educacional negra e estudante de Pedagogia pela Faculdade Estácio.

Hoje, mês da consciência negra, não focalizaremos no racismo perpetrado pelos brancos, mas sim direcionaremos nossa atenção para nós mesmos. Vamos discutir as novas formas de opressão, onde as mulheres negras continuam a ser impactadas, especialmente por indivíduos, na maioria das vezes, negros: ativistas e conhecedores das questões raciais que se consideram feministas e defensores do empoderamento negro. Estamos falando de pessoas semelhantes a mim e a você, que, apesar de se autodenominarem desconstruídas, são, na verdade, machistas, misóginas e, acima de tudo, opressoras da nossa intelectualidade e mão de obra.

Estou certa de que alguém já veio à sua mente. Não estou me referindo a pessoas negras que desconhecem as opressões vividas pelas mulheres negras, mas sim àquelas que, mesmo cientes dessas narrativas e conhecimentos, não reconhecem as conexões políticas e sociais que moldam a realidade das mulheres negras brasileiras. Assim como o chefe branco simpático à luta racial que não abre mão de sua branquidade em situações desconfortáveis, esses indivíduos negros, quando se sentem desrespeitados ou contrariados, recorrem à sua masculinidade para nos agredir, em vez de dialogar ou revisitar seus posicionamentos e  ações.

É nos momentos de conflito que esses indivíduos têm as piores reações diante do desafio ou questionamento de mulheres que se posicionam e não permitem ser agredidas ou humilhadas. A reação da maioria dos homens não é positiva. Como sei disso? Tenho conversado para uma série especial com mulheres de diferentes gerações, e a postura agressiva e assediadora das pessoas negras em posições de liderança é comum, sendo considerada um fator paralisante para muitas delas.

Presenciar atitudes consideradas racistas, machistas e diversas formas de opressão sendo reproduzidas e aceitas por pessoas negras é chocante. Essas ações continuam sendo erradas e condenáveis. No entanto, as pessoas que as reproduzem, mesmo se colocando no papel de combatentes pela igualdade, continuam enxergando e se sentindo confortáveis com os homens e os considerando mais capazes de realizar múltiplas tarefas, enquanto as mulheres são limitadas a executar apenas uma por vez ou vistas como pessoas que devem concordar com suas decisões sem questionar, ou, na melhor das hipóteses, aceitar ser executoras das ações que os libertam para serem os “líderes masculinos” sem reivindicar salários igualitários e comportamentos de reconhecimento.

Refletir sobre o mês da consciência negra a partir desses elementos opressores é fundamental para abordar temas como assédio moral e a Síndrome de Burnout, tendo líderes, colegas de trabalho e gestores negros como protagonistas. Não estamos falando apenas de espaços racistas, mas de pessoas e espaços considerados antirracistas. Como lidamos com a relação entre mulheres e homens negros no mercado de trabalho diante dessas novas formas de violência emocional e trabalhista?

Pensar nas experiências das mulheres negras no ambiente corporativo negro, nas posturas de seus superiores, subordinados e colegas de trabalho, significa compreender uma série de articulações, vivências, heterogeneidades e pertencimentos em uma sociedade onde ainda prevalece a memória social destas, entendidas como subvalorizadas, estereotipadas e inferiores. Intensificar as reflexões e ações para combater as opressões raciais e de gênero significa dialogar com uma forma de opressão vivida por trabalhadoras que não difere muito do ambiente racista branco, mas, como lidamos com isso? Qual mulher negra já não teve chefes ou “aliados” negros e ainda assim precisou constantemente provar sua competência, defender seus posicionamentos e valores, ou se proteger de colegas de trabalho machistas que gradualmente minam sua imagem para ganhar poder enquanto falam de coletividade, entre outros?

Quantas mulheres negras tiveram seu trabalho deslegitimado por homens que se apropriavam de seus créditos ou que achavam que seu papel era ensinar esses a fazer o trabalho que passaram anos aprendendo? A masculinidade do homem negro é aliada das mulheres negras enquanto não é questionada ou quando essa se cala, tornando-se a “parceira” das tarefas que fazem esse crescer enquanto é relegada ao suporte. Expor histórias de assédio e misoginia vivenciadas enquanto mulher e negra em diferentes ambientes de trabalho considerados “antirracistas e anti machista” nos leva revisitar à decisão das mulheres negras de não levar sua intelectualidade, força de trabalho e conhecimento para espaços mistos onde os homens são o destaque. Falo inclusive, porque aprendi das piores formas possíveis!

Precisamos atentar para um discurso que abrange experiências, pertencimentos, diferenciações, caminhos, embates, silêncios, invisibilidades, estereótipos e a Síndrome de Burnout, uma doença mental que surge após situações de trabalho desgastantes e que pouco tem sido pensado quando se trata de ambientes racializados. Olhar para essa questão, quando se trabalha com empresas e chefes negros, especialmente em ambientes políticos e sociais, é entender esse ambiente associado a um excesso de competitividade entre os profissionais, e acima de tudo as violências discretas o que nos leva nesta data ao debate sobre combate ao racismo para quem?

Evidenciar a necessidade de uma abordagem analítica sobre os diferentes modelos de opressão racial, também presentes no ambiente de trabalho, não pode ser feito somente questionando os privilégios dos brancos. Para uma sociedade verdadeiramente igualitária, as relações de trabalho com pessoas negras precisam ser socialmente construídas dentro da nova realidade de acesso e ocupação dos espaços. As novas configurações de trabalho, onde pessoas negras constroem equipes diversas, não têm impedido atitudes misóginas, agressivas, machistas e assediadoras ainda que esses se digam contra. Pelo contrário, trabalhar com esses e essas têm nos desafiado a tomar a decisão de não denunciar ou expor essas violências, porque nos deparamos com a dificuldade de classificar uma pessoa negra que apresenta essas atitudes contra outra pessoa negra.

Denunciar o machismo, o assédio e a misoginia de uma pessoa branca é simples, mas e quando essas ações são cometidas por pessoas semelhantes a você? Precisamos abordar as pressões internas causadas por eventos externos, principalmente em nossas mentes, e o critério racial não deve ser um fator para estabelecer limites. Devemos ter a coragem de lidar com o assédio moral de colegas ou parceiros de diferentes origens, e a cor da pele não pode isentá-los de denúncias. Quando mulheres negras, nos anos 80, decidiram deixar organizações mistas para construir seus próprios referenciais de projetos e ações sociais, trouxeram à tona o machismo presente em espaços e organizações onde homens negros são protagonistas ou líderes.

Elas abriram caminho para a construção de nossa autonomia. Se no passado, entendíamos que o racismo entre pessoas negras era carente de referências positivas sobre a negritude, nos tempos atuais essa não é mais uma realidade e portanto, esses devem e podem ser denunciados e constrangidos. Por isso, neste 20 de novembro, enquanto mulheres negras, devemos reconhecer e reverencias nossas habilidades e competências, seguindo o exemplo das feministas negras que vieram antes de nós.

Para isso, precisamos ter a coragem de romper com as formas silenciosas de agressão e micro agressões que nos levam à exaustão emocional e despersonalização de nossos valores, forças e conhecimentos técnicos destacando os desafios enfrentados pelas mulheres negras no ambiente de trabalho. Não podemos deixar de expor as complexidades das relações entre homens e mulheres negros e acima de tudo a necessidade de reconhecimento das capacidades femininas negras e suas lideranças positivas.


Luciane Reis

É publicitária pela UCSAL, Especialista em conteúdo educacional digital pela Faculdade de Educação da UFBA e Mestra pela Faculdade de Administração da UFBA. É fundadora do Mercafro, uma plataforma de curadoria educacional negra e estudante de Pedagogia pela Faculdade Estácio.


** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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