Concentração no campo bate recorde e 1% das propriedades rurais tem quase metade da área no Brasil

Pequenos proprietários detêm só 2,3% da terra e Índice de Gini do setor vai a 0,867

Por Pedro Capetti, Do O Globo

Imagem de um agricultor no campo
O Índice de Gini das propriedades, que mede a desigualdade do tamanho dos estabelecimentos, é o maior da série história: 0,867 (Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo)

A desigualdade no Brasil não aparece apenas na distribuição de renda, mas também em questões fundiárias. No país, 1% das propriedades agrícolas do país ocupa quase metade da área rural brasileira. Os dados são do Censo Agropecuário, divulgado nesta sexta-feira pelo IBGE, e se referem ao ano de 2017.

O Brasil tem 51.203 estabelecimentos com mais de mil hectares, que representavam 1% das 5.073.324 propriedades. Juntos, eles concentram 47,6% da área ocupada por todas as fazendas.Em 2006, último ano da pesquisa, essa participação era de 45%.

Já os 50% com estabelecimentos menores, com até 10 hectares, ocupavam 2,3% do território rural em 2017.

Em outro recorte sobre a desigualdade, o Índice de Gini dos estabelecimentos, que mede a desigualdade do tamanho das propriedades, também é o maior da série história, monitorada desde 1985: 0,867. Quanto mais próximo de 1, mais desigual.

Para o economista Rodolfo Hoffmann, da Esalq/USP, e estudioso da desigualdade de renda e no campo há mais de 40 anos, o resultado de desigualdade crescente é fruto da ausência de políticas que causassem mudanças no cenário.Ele lembra que a mecanização, em si, não causa, necessitariamente, aumento da desigualdade. Mas é comum que o processo de modernização ocorra de maneira diferenciada

— Não houve nenhum processo substancial de reforma agrária. Os assentamentos foram muito escassos dentro da imensidão do país — afirma.

Hoffman explica que os índices de Gini referentes à distribuição de riqueza (propriedade de bens) tendem a ser substancialmente maiores que aqueles referentes à distribuição de renda, uma vez que estão associados. Como a terra é uma das formas de riqueza, é de se esperar que, no Brasil, o Gini da distribuição da posse da terra seja substancialmente mais elevado que o índice da distribuição da renda.

Para Gustavo Ferroni, coordenador de programas de Oxfam Brasil, há disparidade no acesso a incentivos públicos, como a aquisição de maquinários agrícolas e isenções fiscais

— A desigualdade, quando falamos de concertação de patrimônio, está ligada à concentração de riqueza. É muita terra produtiva na mão de poucas pessoas, e muita gente nova (pequeno produtor) com renda vulnerável, que não conseguem competir. São processos ligados (de desigualdade). Não dá para dissociar — destaca.

O crescimento da desigualdade no tamanho dos estabelecimentos está espalhado em praticamente todas as regiões do país. Somente o Nordeste apresentou redução do índice de Gini, de 0,863 para 0,861, mas segue como a região mais desigual. Já o maior crescimento foi registrado na região Sul, considerada a menos desigual, de 0,76 para 0,78.

Considerando os estados, Santa Catarina segue com o menor Gini da distribuição das terras, com 0,705. É onde a desigualdade é menor, mas há tendência crescente desde 1975, quando era 0,659.

Uma das explicações é a diminuição dos impactos do sistema de colonização sistemática com propriedades familiares. Características da ocupação e da estrutura econômica de séculos passados afetam a distribuição da terra e também a distribuição da renda, bem como o desenvolvimento humano hoje.

Segundo Hoffmann, cerca de 17% da desigualdade total é devida às diferenças de tamanho territorial dos estados, como Minas Gerais e Rio de Janeiro, por exemplo.

— Fica claro, então, que apenas uma parte relativamente pequena da desigualdade da distribuição da posse da terra no País pode ser atribuída a essa variabilidade geográfica — afirma.

Um dos impactos dessa desigualdade na economia é o controle de preços por poucos agentes. Uma vez que, além da terra, o acesso à tecnologia e mecanização está concentrada nos maiores produtores, são eles que acabam ditando os preços e regras do mercado.

— Isso nos deixa mais dependente dos de poucos atores que controlam a formação do preço. Os preços ficam mais voláteis e há um controle maior de preços (por esses agentes) — explica

Apesar do número alarmante, a desigualdade pode ser ainda maior. Na metodologia do Censo Agropecuário, uma grande propriedade pode abrigar diferentes estabelecimentos agropecuários. Um arrendatário, por exemplo, não é dono da terra, mas beneficiário momentâneo de uma.

Outro fator é que não é identificado o proprietário da terra. Ou seja, um único dono pode estar por trás de vários estabelecimentos rurais.

Segundo a pesquisa, 77% dos estabelecimentos brasileiros foram classificados como de agricultura familiar. Somados, ocupavam uma área de 80,89 milhões de hectares, ou seja, 23% da área total dos estabelecimentos agropecuários.

Em valores de produção, eles foram responsáveis por 23% dos R$ 465,5 bilhões gerados pelos estabelecimentos em 2017.

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