Conferência Nacional de Comunicação: os caminhos até dezembro

Vencida a etapa de convocação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, o momento é de planejar os próximos passos dos setores progressistas da sociedade civil. Entre as tarefas imediatas estão a de organizar o acúmulo histórico dos movimentos que lutam pelo direito à comunicação e pela democratização do setor e pactuar o caminho comum a ser percorrido até dezembro.

Não há dúvidas de que a convocação da Conferência é, em si, um marco; mas é preciso tomá-la apenas como a primeira conquista. A Conferência vai inaugurar um espaço público de debate sobre os temas da comunicação, historicamente tratados a portas fechadas entre governo e empresariado. Nesse sentido, será o momento tanto de afirmar objetivos gerais para um sistema de comunicações no Brasil – em especial de defesa do direito à comunicação – quanto de apontar diretrizes para regulação e políticas públicas para o setor, estabelecendo referências para a construção de um novo modelo institucional para as comunicações no país.

Em um momento como esse, os setores progressistas da sociedade civil têm o papel de apresentar uma agenda e um conjunto de propostas para a Conferência que reflita essa luta pela transformação do modelo concentrado e excludente de comunicações no país, sem temer conflitos com aqueles que historicamente ajudaram a consolidar este modelo.

Além dos objetivos diretamente ligados ao cenário da comunicação, a Conferência será também uma oportunidade para ampliar o diálogo e a articulação dos movimentos atuantes no setor, a fim de fortalecer o conjunto do movimento de comunicação. Essa articulação não deve se restringir, contudo, aos movimentos que já têm atuação na área. O momento é de ampliação, e é importante que o conjunto da população brasileira seja envolvido nesse debate, tanto por meio de espaços organizados (como movimentos sociais e partidos políticos) quanto pela participação direta de cidadãos e cidadãs. A Conferência, nesse sentido, é também um espaço de sensibilização e formação para o tema.

Por onde caminhar

O espaço que organizou essa luta nos últimos dois anos – a Comissão Pró-Conferência Nacional de Comunicação, em conjunto com as comissões estaduais – segue sendo o locus privilegiado de diálogo e articulação política das entidades da sociedade civil. A ampliação, nos últimos meses, das comissões estaduais fortalece a articulação local em cada uma das 27 unidades da federação. Assim, essas comissões devem ser valorizadas, assumindo o protagonismo desse processo.

No tocante à organização oficial, os representantes da sociedade civil na Comissão Organizadora que se formará em conjunto com setores do governo e do empresariado devem assumir o compromisso de ser porta-voz, naquele espaço, do conjunto amplo de entidades que vêm participando dessa construção nos últimos dois anos.

Já em relação ao conteúdo, entendemos que as propostas apresentadas pelo setor progressista da sociedade civil na 1ª Conferência devem ser fruto do acúmulo histórico dos movimentos envolvidos na luta pela democratização da comunicação. Em especial, destacamos:

• As propostas elaboradas no bojo dos debates realizados pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação;
• No campo das concessões, aquelas elaboradas no âmbito da “Campanha por Democracia e Transparência nas Concessões de Rádio e TV” e no âmbito da subcomissão de outorgas da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, presidida pela deputada Luiza Erundina e relatada pela deputada Maria do Carmo Lara;
• No campo da radiodifusão comunitária, aquelas elaboradas pela entidade representativa do setor, Abraço, e por entidades de apoio às rádios, como a Amarc;
• No campo do controle social do conteúdo, aquelas defendidas pela Campanha pela Ética na TV e todas as organizações que a integram, como o conjunto do movimento dos psicólogos organizados no CFP e nos CRPs;
• No campo do fomento à produção nacional e independente, aquelas defendidas por entidades como ABPI-TV, Congresso Brasileiro de Cinema e Associação Brasileira de Documentaristas (ABD);
• No campo das TVs públicas, aquelas elaboradas no I e II Fórum de TVs Públicas, encampadas por ABTU, ABCCom, Abepec e Astral;
• No campo das rádios públicas, aquelas acumuladas historicamente pela Arpub;
• No campo do movimento estudantil, aquelas elaboradas historicamente pela ENECOS – Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social e pela UNE;
• No campo da educomunicação, aquelas elaboradas sobretudo pela Rede CEP e por entidades como o NCE-USP e o Instituto Paulo Freire;
• No campo da luta feminista, aquelas elaboradas por redes como a Marcha Mundial das Mulheres, a Articulação de Mulheres Brasileiras e a Articulação Mulher & Mídia, cujo foco de atuação é o controle social da imagem da mulher veiculada nos meios de comunicação;
• No campo da luta por igualdade étnica e racial, aquelas elaboradas pelo conjunto de entidades do movimento indígena e pelo movimento negro, através de organizações como o MNU, o CEERT e o Instituto de Mídia Étnica, da Bahia;
• No campo da luta pela liberdade de orientação sexual, aquelas tratadas pelo conjunto de entidades do movimento LGBTT;
• No campo da defesa dos direitos humanos, aquelas acumuladas pelas diversas organizações e redes do setor, em especial o FENDH e o MNDH;
• No campo da defesa contra a criminalização e a invisibilidade dos movimentos sociais, aquelas acumuladas por articulações como a Coordenação dos Movimentos Sociais (que reúne entidades como CUT e MST) e Assembléia Popular;
• No campo de defesa dos direitos das crianças e adolescentes, aquelas defendidas por entidades como o Instituto Alana e a Rede ANDI, que têm liderado movimentos amplos nessa área, além de espaços de produção e formação como a Rede de Jovens Comunicadores, organizada em torno do Projeto Revista Viração;
• No campo das propostas para os veículos alternativos e a mídia livre, aquelas elaboradas pelo Fórum de Mídia Livre;
• No campo da internet e da inclusão digital, aquelas elaboradas nas Oficinas de Inclusão Digital e pelos movimentos que se organizaram a partir da reação ao projeto de crimes digitais do Senador Azeredo;
• No campo da propriedade intelectual, aquelas defendidas pelo conjunto de movimentos e organizações que promovem o acesso à informação e à cultura, como o GPOPAI-USP, a FGV-RJ e o movimento Música Pra Baixar;
• No campo dos direitos trabalhistas, aquelas defendidas pelo conjunto dos sindicatos, em especial dos Radialistas e Jornalistas, e suas federações, Fitert e Fenaj;
• No campo das telecomunicações, aquelas defendidas por entidades de defesa do consumidor como Idec e Pró-Teste e pelos trabalhadores do setor, organizados na Fittel.

Além disso, é preciso aproveitar o acúmulo das instituições acadêmicas que acompanham essa luta há décadas e que passaram pelos principais momentos da história recente, como a Constituinte. Destaca-se aqui o Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília e experiências como o Observatório de Mídia Regional, da UFPE. Há que se considerar também o conjunto de propostas e elaborações do Ministério Público Federal, em especial do Grupo de Trabalho de Comunicação que se organiza em torno da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

De experiências internacionais, o Brasil deve beber na fonte da Argentina, que discute um novo projeto de lei de serviços audiovisuais; do Uruguai, que estabeleceu nos últimos anos importantes reformas em seu sistema de comunicação; do Equador, que adotou uma constituição avançada nesse tema e implementou uma comissão de auditoria das concessões de rádio e TV; da Venezuela, que vem buscando fortalecer seu sistema público de comunicação; da Bolívia e do Paraguai, que vêm buscando firmar novos marcos para o desenvolvimento da comunicação pública e comunitária; de países como França, Reino Unido e Estados Unidos, que estabelecem limites de propriedade para combater a concentração dos meios de comunicação; da Catalunha, que tem um órgão regulador que tem como missão garantir o pluralismo e a diversidade nos meios de comunicação; além do acúmulo de entidades de atuação internacional como Artigo 19, APC, Amarc, Aler e Campanha CRIS, entre outras experiências relevantes que podem inspirar propostas para avançar na definição de um novo modelo institucional sustentado na garantia do direito à comunicação.

Não há dúvidas de que os desafios são muitos, de que o tempo é curto e que o movimento social é amplo, mas esse processo de Conferência vai mostrar a capacidade da sociedade civil não empresarial em se organizar para defender a transformação do atual modelo de comunicações. Neste sentido, reforçamos a Comissão Nacional Pró-Conferência e as Comissões Estaduais como espaços privilegiados para a confluência de todos esses campos. Esperamos que esta seja apenas a primeira de muitas conferências e que ela represente o início do fortalecimento definitivo do movimento pelo direito à comunicação no Brasil.

Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Maio de 2009

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