Com o aval do Senado, nesta quinta (15), o Congresso Nacional aprovou a PEC da Anistia, que reduz a punição de partidos por multas oriundas do descumprimento de repasses mínimos para candidaturas de pessoas negras. E também diminui o montante de recursos destinados nas eleições a esse grupo social, que representa 55,5% da população, segundo o Censo 2022.
Poderia se chamar de PEC da Falsa Maioria Branca, pois evidencia que a preocupação com a pluralidade na política é apenas discurso de campanha eleitoral. E que “mudança” é, não raro, slogan de marqueteiro resgatado do limbo de dois em dois anos.
A proposta também cria um programa eterno de refinanciamento de dívidas e concede aos partidos e a seus institutos imunidade tributária. Ah, e dá perdão em casos de multas por conta de irregularidades nas prestações de contas. Medidas do tipo “coisa de mãe”. Neste caso, mãe de filho branco e criado no leite de pera.
No Senado, a proposta teve 51 votos favoráveis no primeiro turno e 54, no segundo – precisava de 49 dos 81 senadores. Já na Câmara, 344 parlamentares de diferentes colorações ideológicas chancelaram a ideia no primeiro turno, e 338, no segundo, no mês passado – sendo que eram precisos 308. O apoio à proposta mostra que o PT de Lula e o PL de Bolsonaro podem trabalhar juntos pelo (seu) bem comum.
Dos 513 deputados eleitos em 2022, 370 se declararam brancos, 107 pardos e 27 pretos (ou seja, 134 negros), 3 amarelos e 5 indígenas. O número de brancos cai e o de negros cresce a cada eleição, mas num ritmo de cágado.
Os defensores da emenda constitucional afirmam que ela traz a obrigatoriedade de os partidos repassarem, pelo menos, 30% dos recursos do fundo eleitoral para financiarem candidaturas de pessoas negras. Mas, primeiro, não há nada que garanta distribuição igualitária desse montante, ou seja, as cúpulas poderão destinar muito para poucos (normalmente quem já tem cargo) e pouco para muitos (os que tentam ser eleitos pela primeira vez).
Além disso, a PEC pode permitir uma redução nos valores de financiamento. Um entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta que o total destinado a negros deve ser proporcional à sua participação entre os total de candidatos. Em 2022, mais da metade foram negros, o que obrigaria a mais da metade dos recursos serem destinados a ele. Com a aprovação da PEC, caso destinem apenas 30%, os partidos estarão cumprindo as regras.
Após forte chiadeira da sociedade diante de propostas para enfraquecer a participação de mulheres no sistema político, essas ideias foram retiradas. Ficaram aquelas que tornam distante uma política que represente a cor da maioria dos dos brasileiros.
Como sempre digo aqui, o sistema partidário brasileiro funciona como um clubinho masculino e branco, que dificulta a entrada de novos integrantes. Ressalte-se que o parlamento não está desconectado do tecido social do país, uma vez que a proporção de negros nos conselhos de grandes empresas ou entre o total de cargos executivos também é bem menor que o de brancos. O problema não é só público, mas também privado que banhos de ESG e RSE não conseguem resolver.
A questão é que elegemos um presidente, 27 governadores, 81 senadores, 513 deputados federais, 1059 deputados estaduais e distritais, 5568 prefeitos e uns 58 mil vereadores em meio a uma população de 203 milhões. Nesse universo restrito, aumentar a participação de negros significa diminuir a de brancos.
E isso tem gerado obstáculos, principalmente na política local. Líderes partidários, na sua maioria, homens brancos, chegam ao ponto de atuar para que mulheres e negros participem do pleito, para angariar votos a outras candidaturas, mas não tenham tanta exposição e recursos a ponto de serem eleitos.
Como garantir que partidos políticos tragam a diversidade existente no país? Além de mulheres e negros, a população LGBT+ e os trabalhadores têm representação no Congresso muito inferior do que sua fatia na sociedade. E isso tem impacto direto na formulação de políticas públicas e na defesa de direitos. É impossível que um Congresso de homens, brancos, héteros, empresários, por mais boa vontade que tenham (e boa parte não tem) possa entender a realidade de outros grupos historicamente excluídos de sua cidadania e falar por eles.
Há aspectos que dizem respeito à vida e dignidade de grupos que não temos legitimidade para discutir e decidir.
Ao mesmo tempo, com algumas nobres exceções, as estruturas partidárias são autoritárias e pouco democráticas, com regras internas que mudam ao sabor do vento, favorecendo quem está em seu controle. Isso faz com que se pareçam mais com feudos do que com instâncias de debate e construção coletiva.
A Reforma Política discutiu, discutiu e acabou por facilitar – para o curto prazo – a reeleição de quem já está no poder, principalmente nos parlamentos. Com isso, perdemos uma boa oportunidade para melhorar nossa democracia e reduzir nosso machismo e racismo estruturais.