Coração de bananeira

FONTEECOA, por Bianca Santana
Bianca Santana - Foto: João Benz

Quando eu tinha nove anos de idade, minha avó avaliou que era tempo de acabar com minhas crises respiratórias. Para isso, precisava de um coração de bananeira. Um desafio e tanto no conjunto habitacional onde vivíamos, na periferia norte de São Paulo, e com a pouca mobilidade para a zona rural naquela fase da vida. Uma vizinha falou com a outra que falou com a outra e soubemos que na favela à beira da estrada, rodovia Fernão Dias, havia um quintal com bananeira. Saímos, minha avó e eu, cruzando os sete campos de futebol que separavam a Cohab da favela, em busca da árvore.

Lembro bem quando o dono do quintal veio até a porta ouvir o apelo de minha avó. Um senhor negro de pele clara, com bigode e barriga saliente, que prontamente pegou um facão para dar o coração da árvore — umbigo segundo alguns — para dona Polu. Fizemos o caminho de volta no cair do dia, e já era noite quando subimos as escadas de caquinhos amarelos até o apartamento 31A.

Minha avó cortou aquelas camadas de roxo e branco como se fosse uma cebola grande. Espalhou em um refratário. Cobriu com açúcar mascavo. E depois com um pano de prato. Não lembro por quanto tempo tomei o xarope. Mas nunca mais tive crises respiratórias.

Quando Lucas, meu filho mais velho, recebeu um diagnóstico de bronquiolite, pensava no xarope da vó Polu. Anos mais tarde, em um outono difícil para ele, me mexi para conseguir um coração de bananeira e fazer o preparado. Não foi milagroso, como a simpatia da minha avó. Mas ajudou. Então uma busca na internet resultou em muitas páginas e vídeos com versões da receita do xarope indicado para tratar problemas respiratórios, pulmonares, além de tosse e gripe. E quando visitei o mercado municipal de Manaus encontrei frascos do fitoterápico para comprar.

Não há tratamento precoce para covid, a ciência já disse e repetiu. Mas há possibilidades de amenizar sintomas, como o da falta de ar, com cuidados naturais, na tentativa de melhorar o bem-estar e evitar agravamentos da doença. A cartilha de cuidados domésticos de pessoas com sintomas de covid do projeto Agentes Populares de Saúde, da UNEafro, validado por pesquisadores da Fiocruz, apresenta alguns desses cuidados: proteger o pescoço do vento, tomar muita água, consumir limão, própolis, alho, cevadinha, chás de alcaçuz, anis estrelado, capim-limão, hortelã, guaco; vaporização; escalda-pés antes de dormir (desde que a pessoa não esteja grávida).

Há muitos relatos de como estas práticas ajudam. Evidentemente que combinados com isolamento social, máscara, higiene e vacina. Há saberes tradicionais a que recorrer neste momento. O Instituto Socioambiental registrou uma oficina com benzimentos, chás, banhos e defumações promovida durante a pandemia pela Associação dos Artesãos Indígenas de São Gabriel da Cachoeira. O programa Fala Egbé também tem um episódio sobre saberes ancestrais quilombolas chamado “Saberes tradicionais, ervas medicinais que tem ajudado nos efeitos do coronavirus”.

Aqui na Serra da Mantiqueira, vejo um bananal pela janela. Os vizinhos agricultores, donos do bananal, vendem a banana e jogam o coração fora. Estamos começando a conversar sobre eles.

 

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