Cotas têm o potencial de mudar o perfil da sociedade brasileira, afirma Nilma Lino Gomes

Nilma Lino Gomes é professora emérita da UFMG. (Foto: Emília Silberstein/UnB Agência)

A nova ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Nilma Lino Gomes, afirmou, em entrevista ao “Fala, Ministro”, que considera as políticas afirmativas – como a inclusão de cotas para o ingresso de negros em universidades federais e no serviço público – fundamentais para correção de desigualdades históricas no Brasil. Para a ministra essas políticas têm o potencial, de no médio e longo prazo, mudar o perfil da sociedade brasileira, tornando-a realmente justa e democrática.

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Além disso, a ministra também falou sobre a polêmica envolvendo o parecer que assinou, quando era integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE), sobre a obra “Caçadas de Pedrinho” do escritor infantil Monteiro Lobato. Confira abaixo.

Nilma Lino: “As pessoas leram muito mais manchetes por vários veículos e redes sociais. Criou-se a ideia que o parecer estava vetando a obra do Lobato.” Foto: RafaB – Gabinete Digital/PR

A senhora é uma defensora histórica de políticas afirmativas, criticadas por boa parte da sociedade. Qual a sua opinião sobre a importância dessas medidas para a promoção da justiça social no Brasil?

Eu diria que as políticas de ações afirmativas são políticas que ajudam qualquer sociedade que as implementa a fazer uma série de correção de desigualdades históricas. No caso dos negros e do Brasil, eu penso que elas são importantes para que possam colocar a população negra num lugar de visibilidade social, de visibilidade política, embora, muitas vezes, essas políticas sejam vistas pelo lado negativo, e não pelo lado da cidadania, do direito. Elas são importantes para que o Estado saia de um lugar de uma neutralidade estatal e assuma políticas de correção de injustiças históricas, contribuindo para a construção da justiça social.

Eu acho, que a médio e longo prazo, o potencial que essas políticas têm é de fazer uma mudança no próprio perfil da sociedade, no perfil, no caso, que a população negra tem na sociedade brasileira para que nós possamos ter a oportunidade de ver pessoas negras nos mais diversos espaços sociais por um direito e por uma intervenção do Estado de incidir com políticas na realidade social para garantir esses direitos […] para que a gente alcance uma sociedade que seja realmente democrática, equânime, igualitária e com justiça social.

O que a senhora tem a dizer sobre o seu parecer em relação à obra “Caçadas de Pedrinho” do escritor infantil Monteiro Lobato?

O parecer surgiu de uma denúncia que foi feita, à época, à Ouvidoria da Seppir. A Ouvidoria encaminhou a denúncia para diferentes órgãos como o Conselho do DF, o Ministério da Educação e também para o Conselho Nacional de Educação. O Conselho então se posicionou, através de um parecer, e eu fui a relatora. Esse parecer o que ele faz é dar orientações, ele faz contextualizações para o sistema de ensino e para as escolas em relação não só a essa obra, mas em relação a obras literárias cujos estudos críticos hoje mostram a presença de estereótipos raciais. O que nós fizemos foi orientar as editoras que inserissem uma nota explicativa nos livros falando sobre a questão dos estereótipos raciais na obra do Lobato, assim como em outras obras literárias falando do contexto hoje no Brasil, da superação do racismo, enfim, como um ato educativo.

O que aconteceu, à época, é que esse parecer foi mal interpretado por vários setores da mídia, dos setores literários, pela sociedade civil. As pessoas não leram o parecer, leram muito mais manchetes espalhadas por vários veículos midiáticos e também por conversas nas redes sociais e criou-se a ideia que o parecer estava vetando a obra do Lobato, de que o parecer estava mandando tirar livros das bibliotecas, inverdades foram criadas. Isso virou uma discussão em nível nacional, que eu acho inclusive que é uma discussão formadora e educativa. Esse parecer então foi reexaminado, a pedido do MEC. No reexame, nós retiramos o que estava escrito como nota explicativa que estava dando margem para muitas interpretações equivocadas, e colocamos aquilo que o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) já orienta as editoras para a publicação de livros, que houvesse uma contextualização do autor e da obra sobre a questão dos estereótipos raciais na literatura e que isso fosse incluído nas novas edições do livro.

Além dessa contextualização, o parecer prevê que a formação do professor inclua a discussão dos estereótipos raciais na literatura e das questões ligadas ao racismo. Porque o professor é o grande mediador na hora da criança trabalhar em sala de aula com livro, com uma obra literária. Ele faz uma mediação. E nessa mediação, esse professor enquanto formador e educador, ele tem que ter subsídio para poder orientar essa criança. Para explicar às crianças que hoje nós estamos em outros tempos. Para que o professor consiga conduzir o debate para que não se criem situações de constrangimento para as crianças negras dentro da escola, que aquilo que está numa personagem não possa se transformar em apelidos pejorativos, por exemplo, para crianças negras dentro da escola. Nós estamos falando de livros que são escolhidos didaticamente, pedagogicamente, para alfabetização e para contribuir numa formação escolar, que as crianças vão ter acesso dentro das escolas. Nós estamos falando de uma dimensão pública da literatura. Essa contextualização é importante, evidentemente, sem ferir o caráter literário da obra.

Como será sua gestão à frente da Seppir?

A Seppir já tem 11 anos de funcionamento e uma série de trabalhos já iniciados das gestões que vieram antes de mim. Então, na minha gestão, o que eu tenho chamado atenção é de dar continuidade ao trabalho da Seppir em quatro grandes eixos que esta Secretaria já desenvolve vendo aquilo que nós já construímos, aquilo que precisamos avançar e trazendo olhares novos: o eixo das ações afirmativas, da questão quilombola e dos povos de comunidades tradicionais, da nossa juventude – com enfoque na juventude negra – e também na internacionalização e aí pensando na internacionalização articulando América Latina e região e também África, com foco também nos países africanos de língua portuguesa, pelo nosso diálogo, que nos aproxima pela questão da própria língua etc.

Além disso, o diálogo com os outros ministérios, porque a política de promoção da igualdade racial não é algo exclusivo da Seppir, a política de promoção da igualdade racial é de todos nós. A superação do racismo, a construção de oportunidades iguais, essa é uma política e uma ação cidadã que envolve toda a sociedade brasileira.

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