Crianças e adolescentes negras: o direito à educação, infância e juventude

O projeto Crianças e adolescentes negras: o direito à educação, infância e juventude, contemplado no edital 2020 da Brazil Foundation, é realizado por Geledés – Instituto da Mulher Negra e teve início em julho deste ano. Com o objetivo de combater as desigualdades educacionais, constituiremos uma rede de organizações e ativistas parceiras e parceiros para o desenvolvimento de pesquisa, incidência política e percursos formativos. As ações têm como foco os direitos das crianças e adolescentes negras e negros, com especial atenção às meninas negras e à educação.

A pandemia da COVID-19 impôs uma nova dinâmica social ao trazer a necessidade do isolamento para evitar a rápida proliferação do vírus. Por isso, as aulas foram suspensas em todo o território nacional, o que impactou a vida de milhares de estudantes de diferentes formas. A falta de acesso diário ao espaço físico da escola, além de interferir sobre o processo pedagógico e a interação da comunidade escolar (alunas e alunos, gestão, professoras e professores etc.), exigiu uma rápida adaptação ao ensino remoto/virtual, com reflexos na alimentação, higienização, segurança e na informação de muitos estudantes. A rotina escolar é responsável por parte considerável das alimentações diárias de crianças e adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidade social, assim como o acompanhamento cotidiano da instituição de ensino contribui para evidenciar as formas de violação de direitos vivenciadas por estudantes e, assim, possibilita o acesso às outras instituições da Rede de Proteção. Neste sentido, a necessidade de fechamento do ambiente físico da escola precisaria ser acompanhada de políticas públicas estratégicas para o acompanhamento de crianças e adolescentes.

Além de impactar a interação cotidiana entre profissionais da educação e estudantes, o fechamento das escolas provocou um rompimento com um espaço de afetividade e sociabilidade de crianças e adolescentes. Este fenômeno pode agravar um problema que, como sabemos, atinge majoritariamente as crianças e os adolescentes mais vulnerabilizados: a evasão escolar. De acordo com o “Anuário Brasileiro da Educação Básica” publicado em 2019, antes da pandemia apenas 32% de crianças negras de 0 a 3 anos estavam matriculadas em creche, contra 39% das brancas. No Ensino Fundamental, embora as taxas de matrícula sejam equivalentes para negros (97,7%) e brancos (98,3%), no 5 º ano apenas 51% dos negros apresentam proficiência em língua portuguesa, enquanto para os brancos este indicador é de 70%. No Ensino Médio as disparidades de frequência escolar voltam a aparecer: a) em 2018 apenas 64,3% dos adolescentes negros de 15 a 17 anos estavam matriculados no Ensino Médio, enquanto que 75,4% dos brancos do mesmo grupo de idade frequentavam este nível de ensino; b) apenas 55% dos jovens negros de até 19 anos haviam concluído o Ensino Médio, enquanto que 73,7% dos brancos na mesma faixa etária tinham finalizado este nível de ensino.

Por outro lado, o “Mapa do Trabalho Infantil” publicado em 2017 pelo Ministério Público do Trabalho revela que a exploração da mão de obra infantil tem maior incidência na vida de pessoas negras. As crianças negras representam 62,7% das vítimas do trabalho infantil e, quando desagregamos por categorias de trabalho, são 73,5% no trabalho doméstico, área que também concentra 94% de meninas.

O estudo “A Criança e o Adolescente nos ODS: Marco zero dos principais indicadores brasileiros”, realizado pela Fundação Abrinq e publicado em 2019, destaca que: a) quanto maior a faixa de rendimento familiar, é também maior as taxas de frequência escolar, o que impacta sobre o desempenho das crianças e adolescentes mais pobres; b) as meninas em idade escolar são mais direcionadas ao trabalho doméstico, enquanto que os meninos trabalham na produção para terceiros e para o próprio consumo; c) há disparidades raciais no acesso à educação infantil que vai se agravando nos próximos níveis de ensino e, também de acordo com a rede (pública ou privada), o que significa que as desigualdades raciais “se cristalizam ao longo das etapas da Educação Básica”; d) crianças e adolescentes que não estão ocupados no mundo de trabalho têm maiores taxas de escolarização; e) jovens negros estão 4 vezes mais expostos à morte violenta do que jovens brancos; e f) crianças e adolescentes meninas são a maioria das vítimas de violência, abuso e exploração sexual. Portanto a  pesquisa demonstra que a privação de direitos e as desigualdades raciais e de gênero têm início ainda na fase da infância e se refletem de forma diferente sobre a trajetória de meninas e meninos, negros e brancos; em períodos de crise e austeridade elas costumam aumentar e, neste momento, é necessário um acompanhamento da sociedade civil com o objetivo de evitar um aprofundamento das desigualdades.

O projeto Crianças e adolescentes negras: o direito à educação, infância e juventude, buscará entender os impactos do isolamento social e o afastamento da escola na vida de estudantes do Ensino Fundamental e Médio, e os problemas relacionados ao acesso à educação e garantia de direitos.

A primeira etapa é a realização da pesquisa “Infância e direitos – a situação das meninas negras, que trará dados quantitativos e qualitativos a ser realizada com atores da sociedade civil, profissionais da educação e familiares, que levantará informações sobre: a) as orientações recebidas das unidades educacionais sobre a pandemia, o isolamento e as atividades pedagógicas, b) o modelo de ensino remoto mais utilizado, c) as dificuldades enfrentadas pelos segmentos e as soluções encontradas, d) os efeitos da pandemia na vida dos(das) estudantes (físicos, cognitivos e socioemocionais), e) os impactos financeiros e socioemocionais nas famílias, f) os retrocessos no processo de ensino-aprendizagem e g) as propostas para garantir a continuidade do percurso escolar de crianças e adolescentes.

As informações coletadas auxiliarão no dimensionamento do problema, na construção de ações voltadas para a garantia e a manutenção dos direitos educativos e, também, exigir o comprometimento do poder público, de entidades da sociedade civil e da população em geral com a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes.

Para a segunda etapa, pós-pandemia, serão realizadas oficinas formativas com foco nas principais recomendações da pesquisa, que serão voltadas para profissionais da educação, familiares, integrantes de organizações da sociedade civil que atuam pelos direitos das crianças e adolescentes e demais públicos interessados, com o objetivo de posicionar e dar centralidade às questões racial e de gênero nas reflexões, elaboração e avaliação de políticas públicas voltadas à  infância e à adolescência.

Nosso objetivo é mobilizar a discussão em torno dos direitos das crianças e adolescentes negras, em particular a situação das meninas negras, tendo em vista que estamos em plena vigência de duas importantes agendas globais que foram assumidas pelo Brasil enquanto Estado-membro das Nações Unidas, voltadas para a igualdade e a equidade:

Década Internacional de Afrodescendentes 2015-2024, assentada nos princípios de reconhecimento, justiça e desenvolvimento das populações afrodescendentes ao redor do mundo, e que recomenda aos Estados que integrem uma perspectiva de gênero na criação e monitoramento das políticas públicas, levando em consideração as necessidades e realidades de mulheres e meninas afrodescendentes para superar as desigualdades persistentes.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estruturado a partir de 17 objetivos e 169 metas que se inter-relacionam e devem ser realizados no período 2015-2030. Este marco internacional busca a concretização da igualdade e liberdade, a erradicação da pobreza e o desenvolvimento econômico e social de todas as pessoas, além da proteção ambiental de forma a possibilitar um planeta saudável para as gerações presentes e futuras. Destacamos o ODS 4 – Educação de Qualidade, o ODS 5 – Igualdade de Gênero e o ODS 10 – Redução das Desigualdades que apresentam um conjunto de metas que possibilitam que ninguém fique para trás.

Buscamos destacar e promover o reconhecimento dessas agendas como importantes plataformas dos direitos para a redução das desigualdades de gênero, raça e geracional, a partir do diálogo entre sociedade civil, governos, setor corporativo e terceiro setor.

Para Geledés, o debate sobre as infâncias precisa assumir a questão racial como uma prioridade, como forma de desconstruir a naturalização e a posição das crianças e adolescentes negras em situações de extrema vulnerabilidade.

#BrazilFoundation #BFapoio2020

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