Da prisão ao casamento: as relações homoafetivas em nove países das Américas.

Parada do Orgulho LGBT em Quito, Equador Foto: Patricio Realpe / LatinContent/Getty Images

Recém-aprovado no Equador, casamento entre pessoas do mesmo sexo é permitido na Costa Rica, Argentina, Brasil, Colômbia e Uruguai

EQUADOR — SEM O OBSTÁCULO DE CORREA, SUPREMO APROVA CASAMENTO HOMOAFETIVO

Parada do Orgulho LGBT em Quito, Equador Foto: Patricio Realpe / LatinContent/Getty Images

Há duas semanas, o Tribunal Supremo de Justiça do Equador autorizou a realização de casamentos entre pessoas do mesmo sexo. A decisão — por 5 votos a favor e 1 contra — foi vinculante e obrigatória. Isto é, as autoridades dos registros civis terão de acatar a decisão do Supremo e realizar casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

O Equador tem um Estado laico, mas a política tem forte influência da Igreja Católica e existe um crescente poder dos evangélicos. Esses grupos, após a decisão do Supremo, começaram a exigir a destituição dos juízes envolvidos na aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo e, assim, reverter a norma. No entanto, os juízes tiveram o respaldo do presidente da República, Lenín Moreno, que sustentou que o Poder Judiciário precisava ser respeitado. Moreno também declarou que a autorização para os casamentos homossexuais era um sinal de que o Equador é um país tolerante e que respeito a diversidade.

A aprovação do casamento gay é mais um capítulo na briga entre Moreno e seu ex-padrinho político, o ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), já que Correa, embora tenha autorizado em 2015 o registro das uniões de fato, declara-se categoricamente contra o casamento homossexual. Segundo o bolivariano ex-presidente, o casamento só pode acontecer entre um homem e uma mulher. Correa — que se define como um “cristão-social” — era contra a adoção de crianças por parte de casais do mesmo sexo. Ele afirma que as crianças devem ser criadas dentro do que chamou de “família tradicional”.

URUGUAI, O PIONEIRO LATINO-AMERICANO

Em 2007 o low profile — mas sempre vanguardista — Uruguai transformou-se no primeiro Estado latino-americano a contar com uma lei de união civil entre pessoas do mesmo sexo em todo seu território. Em 2013 foi um passo além e o parlamento aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Em 2009 o parlamento autorizou a adoção de crianças por parte de casais homossexuais. A comunidade gay uruguaia também foi beneficiada em 2010 com o fim das restrições a sua entrada nas Forças Armadas.

ARGENTINA, O DÉCIMO PAÍS A CONTAR COM LEI DE CASAMENTO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO

Em 1946, o poderoso general Domingo Mercante, governador peronista da província de Buenos Aires, proibiu por decreto que os eleitores votassem em candidatos homossexuais. O decreto só foi revogado em meados da década de 80, nos primeiros anos da volta à democracia.

Nos anos 90 a postura machista da sociedade começou a mudar gradualmente. Mas, a crise econômica e política de 2001 mudou de forma substancial os paradigmas sociais, entre eles os velhos preconceitos contra homossexuais. Em 2010, o projeto do Partido Socialista de casamento entre pessoas do mesmo sexo foi levado para debate e votação no plenário. A Igreja Católica argentina se mobilizou para impedir sua aprovação. O lado sui generis dessa oposição clerical é que Igreja, além de se opor ao casamento homossexual, também não reconhecia o casamento civil entre pessoas de sexo diferente, embora essa lei tivesse sido aprovada no Parlamento argentino no ano 1888. Para a Igreja, casamento só vale ser for entre pessoas “heterossexuais” e com as bênçãos celestiais.

Parada LGBT em Buenos Aires, 2018 Foto: NurPhoto / NurPhoto via Getty Images

No entanto, as pressões clericais não tiveram efeito. O parlamento aprovou a lei, tornando a Argentina no primeiro país da América Latina e o décimo em todo o mundo a permitir o casamento homossexual em todo o território do país. Buenos Aires transformou-se em uma cidade gay friendly, que, segundo os analistas de turismo, desbancou o Rio de Janeiro como a Meca da comunidade gay ao sul do Equador. A cidade conta, todos os anos, com o Queer Tango Festival, evento consolidado dentro do circuito cultural e que a cada ano escandaliza menos os tangueiros ortodoxos. Essa é uma marca que também está no futebol: Buenos Aires foi a primeira sede latino-americana da Copa do Mundo Gay, realizada em 2006. A vencedora foi a Argentina (graças ao gol de um jogador brasileiro que integrava a seleção argentina).

COSTA RICA E A ELEIÇÃO POLARIZADA PELO CASAMENTO GAY

Em abril do ano passado, em meio a um cenário polarizado raras vezes visto na tradicionalmente pacata Costa Rica, os 3,3 milhões de eleitores foram às urnas para definir seu novo presidente. O segundo turno confrontou o governista Carlos Alvarado e o pastor evangélico Fabrício Alvarado. Mas, pela primeira vez na história de um país no mundo o assunto principal da disputa eleitoral foram as posições a favor e contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

A polêmica começou quando — em plena campanha eleitoral — a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) determinou, no dia 9 de janeiro, que a Costa Rica e outros 22 países da região deveriam reconhecer os casamentos de pessoas do mesmo sexo. O candidato governista respaldou a decisão, enquanto o pastor declarou ser contra e anunciou que retiraria o país da Corte Interamericana (que tem sede em San José, a capital da Costa Rica). A Costa Rica é um dos países com menores graus de corrupção do continente e famoso por seu respeito pelos Direitos Humanos, e sempre havia acatado as decisões da Corte.

O pastor Alvarado, de 43 anos, fez campanha contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo e contra a inseminação artificial, além de declarar-se contrário às aulas de educação sexual nas escolas do ensino médio. Sua mulher, Laura Moscoa, era apresentada como uma profeta e afirmava que tinha poderes para curar pessoas (e também declarou que um dia Deus falou com ela na cozinha de sua casa).

O pastor Alvarado pedia o voto para defender o que denominava de “valores cristãos” contra forças que classificava de “satânicas”. Já o governista Alvarado pedia o voto para deter a ameaça do fundamentalismo religioso. O governista Carlos Alvarado, de 38 anos, cantor de rock, cientista político e ex-ministro do Trabalho, derrotou o pastor Fabrício Alvarado, obtendo 60,66% dos votos. O pastor ficou com 39,33%.

MÉXICO — CASAMENTO HOMOAFETIVO SÓ EM ALGUNS ESTADOS

No México, ao longo dos últimos anos, o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi aprovado gradualmente em alguns estados do país (e não de forma federal). O novo presidente, López Obrador, deixou claro que se opõe ao casamento gay. Portanto, em seu mandato de cinco anos é difícil vislumbrar um panorama de aprovação de uma lei nacional.

Além disso, nos últimos anos a perda drástica e acelerada de poder do grupo ultracatólico mexicano Legionários de Cristo (devido a escândalos de corrupção e pedofilia) abriu um vácuo neoconservador que foi rapidamente aproveitado pelo Yunque, organização que participou ativamente das mais variadas mobilizações contra projetos de casamento entre pessoas do mesmo sexo e legalização do aborto. Essa saída do Yunque da clandestinidade se deveria ao fim da convivência pacífica da Igreja Católica no México com um governo, nesse caso, do ex-presidente Enrique Peña Nieto, que é de direita, mas que tentou aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

A fachada mais visível do Yunque é a Frente Nacional pela Familia, que, de modo transversal, conta com parlamentares aliados nos principais partidos políticos. Na campanha contra o projeto de casamento entre pessoas do mesmo sexo a Frente Nacional emitiu comunicados afirmando que “homens poderão entrar no banheiro das mulheres” e que as crianças “poderão trocar de sexo sem autorização dos pais”, entre outras informações falsas, meras fake news. A Frente Nacional afirma que os projetos de casamento gay e aborto são uma manobra da ONU para reduzir a população mexicana e assim tomar conta as matérias-primas do país.

BOLÍVIA — ‘DESVIOS’ E FRANGO

O presidente Evo Morales, que neste momento é o líder que está há mais tempo no poder na América do Sul (ele tomou posse em 2006), volta e meia dedica tempo a falar sobre o sexo de terceiros. Foi o caso em 2010, quando, durante um comício em uma cidade do interior, do alto do palanque, Morales deu uma de biólogo, pontificando que o suposto crescimento do número de homens gays no mundo, devia-se à carne de frango transgênica. Na sequência o presidente sustentou que a influência galinácea na opção sexual dos homens estava “comprovada pela ciência”. Para arrematar, como se fosse um pastor pregando para seus fiéis em um templo sobre os “perigos satânicos”, Morales classificou a homossexualidade como “desvio”. Em seguida, fez questão de deixar claro que era heterossexual. O argumento dele foi explicar que evita comer frangos de granja.,

Anos depois gerou nova polêmica sobre a homossexualidade. Durante um comício, ao ver que sua ministra da Saúde, Ariana Campero, não estava supostamente prestando atenção a ele e a seu discurso, interrompeu a fala para dirigir-se a ela: “Não quero pensar que você é lésbica, Ariana!”. Ou seja, Morales deu uma carraspana na ministra, dando a entender que ele era um sex symbol e merecia ser observado sem parar. Os ministros riram da ministra. Campero esboçou um sorriso amarelo. As declarações de Morales tiveram repercussão negativa em todo o mundo. Morales tentou colocar panos quentes: “Sou um feminista que conta piadas machistas…”.

O presidente Evo Morales em Uyuni, Bolívia, 2015 Foto: Dean Mouhtaropoulos / Getty Images

Meses depois, obcecado com o mundo gay, voltou ao assunto: “Não entendo como mulheres podem se casar com mulheres e homens com homens… sou meio conservador”.

Seu governo conta com maioria para aprovar uma lei de casamento entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, obviamente, Morales é contra uma lei do tipo.

VENEZUELA E O HOMOFÓBICO MADURO

Nicolás Maduro e os integrantes do regime chavista não escondem sua homofobia sequer nos discursos públicos. Nas eleições de 2013, Maduro e aliados ironizavam sobre o estado civil de solteiro do então candidato da oposição, Enrique Capriles, afirmando que era gay. “Capriloca” (Caprilouca) é a forma como ele se refere a Capriles. “Sou heterossexual, sou casado com Cilia Flores”, ilustrou Maduro.

O chavismo, apesar de ter tido maioria parlamentar na maior parte do tempo no qual está no poder (desde 1999) sempre se recusou a debater qualquer espécie de projeto de lei sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Nos últimos dois anos está em andamento uma assembleia constituinte, 100% chavista, com o objetivo de formular uma nova Carta Magna. No entanto, não contemplaram por enquanto a inclusão do casamento gay e a adoção de crianças por parte de casais homossexuais.

Maduro, há poucos anos, para tentar rebater as críticas sobre a homofobia, posou para fotos ao lado de uma bandeira do arco-íris. No entanto, as organizações LGTBI do país o criticaram por sua hipocrisia. Segundo o Observatório de Pessoas Trans Assassinadas, com sede em Viena, na Venezuela ocorreram 109 homicídios de pessoas LGTBI por homofobia entre janeiro de 2009 e maio de 2017. Dessa forma, o país governado por Maduro ficou em terceiro lugar no pódio desses crimes na América Latina, atrás do Brasil e do México. Segundo a ONG, um dos motivos para que a Venezuela esteja nessa posição é que as altas esferas do poder costumam utilizar termos pejorativos que fazem alusão à orientação sexual para insultar opositores políticos.

CUBA E A NOVA CARTA MAGNA QUE NÃO LEGALIZA CASAMENTO HOMOSSEXUAL

A Revolução Cubana tem um longo histórico de ataques aos homossexuais. Nos anos 60 os homossexuais eram considerados um símbolo da decadência capitalista e milhares deles foram enviados na época a campos de trabalhos forçados por ordem do ditador Fidel Castro (que considerava que o rock era um gênero musical “afeminado”).

Nos anos 80 houve uma abertura muito gradual. E só em 2010 Fidel Castro admitiu que havia cometido uma injustiça com a comunidade homossexual. Meses atrás surgiu a expectativa de que a nova Constituição cubana incluiria o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas, com a crescente aproximação do regime com a Igreja Católica, a ditadura cubana optou por excluir o casamento gay da nova Carta Magna.

Marcha contra a homofobia em Havana, Cuba Foto: Ernesto Mastrascusa / LatinContent/Getty Images

Em maio passado organizações da comunidade LGTB da ilha caribenha haviam solicitado autorização para a realização da denominada “Conga Cubana contra a Homofobia e a Transfobia”, que há vários anos estava sendo permitida, já que o regime nos últimos tempos estava tentando mostrar que havia mudado na posição fortemente homofóbica que marcou a ditadura cubana.

No entanto, o regime suspendeu a autorização. Indignados, integrantes da comunidade LGTB, desafiando a ditadura, se reuniram para fazer a “Conga Cubana”. No entanto, os manifestantes não haviam conseguido avançar nem quatro quarteirões quando a polícia reprimiu a marcha, prendendo vários dos manifestantes. As autoridades argumentaram que a manifestação foi suspensa neste ano pelo que classificou de “novas tensões no contexto internacional e regional”. No entanto, a ditadura cubana nunca explicou quais eram as questões geopolíticas internacionais que impediam a marcha gay em Havana.

GUIANA, O PAÍS QUE PUNE HOMOSSEXUALIDADE COM PRISÃO PERPÉTUA

A Guiana, país de baixo ibope na América do Sul (que muitas vezes é confundido com a Guiana Francesa), tem várias marcas para pleitear lugares no Guiness Book. Uma delas é o fato de ser o único país das Américas onde a homossexualidade é oficialmente considerada crime, com penas de até prisão perpétua.

Mais especificamente, a homossexualidade é proibida não somente em público mas também dentro da própria casa da pessoa. Além disso, o país possui uma legislação que proíbe que transexuais possam se vestir com roupas de acordo com o gênero com o qual se sentem identificados, uma lei que é da época da colônia britânica.

Casais de pessoas do mesmo sexo não podem adotar crianças e não podem se casar. Além disso, homossexuais não podem doar sangue. O cenário na Guiana é similar ao de vários países da África e do Oriente Médio.

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