Dado racial em documento trabalhista é passo no combate a desigualdades

Coleta e tratamento desse dado são reivindicações antigas do movimento negro

FONTEFolha de São Paulo, por Cida Bento
Retrato da psicóloga Cida Bento, que é diretora-executiva do Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)

Em 20 de abril de 2023, o governo federal sancionou lei que altera o Estatuto da Igualdade Racial para obrigar empregadores a incluir campo para identificação étnico-racial em documentos e registros trabalhistas, com utilização do critério de autoclassificação.

A coleta e o tratamento desse dado são reivindicações do movimento negro já de muito tempo, e no campo do trabalho isso se evidencia na obrigatoriedade da colocação do dado cor/raça no Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (Rais/Caged), alcançada na década de 1990 por ação dos movimentos negro e sindical, que permitiram conhecer a condição de trabalho da população negra.

Igualmente foi possível naquela época fazer um corte nas políticas do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), do Ministério do Trabalho, introduzindo, entre outras, uma ação afirmativa para a formação de trabalhadores e trabalhadoras negras.

Nos planos nacionais de direitos humanos construídos no governo Fernando Henrique Cardoso, a obrigatoriedade desse dado já estava presente, mas o ápice dos debates se deu nas decisões da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, que ocorreu em Durban, África do Sul, em 2001, com robusta participação do movimento negro brasileiro.

Território de disputa num país majoritariamente negro e profundamente desigual, muitos segmentos têm interesse em ocultar a informação sobre cor/raça, seja para manter privilégios para um determinado grupo, seja para impedir a criação de políticas públicas antirracistas.

Foram as estatísticas de sexo, cor/raça e local de moradia produzidas pelo IBGE que revelaram, por exemplo, que, durante a pandemia, a população negra foi a mais afetada pelo desemprego, a que mais foi a óbito pela Covid-19 e a que menos pôde se resguardar em distanciamento, porque é majoritária nos serviços essenciais das cidades.

De outro lado, inúmeras iniciativas de instituições públicas e privadas revelam que, quando informada adequadamente sobre a importância do dado cor/raça para enfrentar as desigualdades, a população responde positivamente.

Assim é que uma boa campanha de divulgação sobre raça/cor nos cadastros evita que situações surgidas na coleta do dado, nascidas do preconceito, se instalem e impeçam que essa informação seja incluída não mais como variável, mas como invariante, na descrição de uma população de usuários de determinados serviços oferecidos por instituições públicas, privadas ou da sociedade civil organizada.

Dessa forma, uma importante lei como essa necessita de um plano de trabalho para sua implementação, considerando aí campanha de conscientização e informação, definição de passos e metas a serem realizados, tratamento dos dados e monitoramento periódico para observar se as mudanças na condição de desigualdade estão ocorrendo.

O dado cor/raça é imprescindível para a realização de censos em instituições e, quando feitos com a metodologia correta, aferem a demografia interna das organizações e permitem analisar a proporcionalidade em todos os níveis hierárquicos, envolvendo também pessoas LGBTQIAP+, pessoas com deficiência, mulheres, pessoas egressas do sistema prisional, pessoas refugiadas, possibilitando uma gestão institucional estratégica da equidade racial, com suas intersecções.

É nesse contexto que a colocação e o tratamento desse dado nos cadastros públicos e privados é um passo fundamental para a construção de políticas que enfrentem as desigualdades e também um marco precioso na construção de um país mais democrático, capaz de reconhecer e valorizar toda a riqueza de sua diversidade.

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