DCE da UnB publica nota em repúdio à ação do DEM

Fonte: Consultor Jurídico –

Por Filipe Coutinho

O Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Brasília classificou como “antidemocrática” a ação apresentada pelo partido Democratas, que recorreu ao Supremo Tribunal Federal para acabar com o sistema de cotas raciais nas universidades públicas. Em nota de repúdio, o DCE da UnB chamou o partido de “conservador” e afirmou que a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental é contraditória. “Se contradiz ao colocar nas considerações iniciais que não quer discutir a existência de racismo e afirma pouco depois que no Brasil ‘ninguém é excluído pelo simples fato de ser negro’ (p. 27), ou seja, categoricamente a advogada afirma que não existe racismo no país”.

 

Na ADPF 186, o DEM pede o fim das cotas raciais nas universidades e, para isso, sugere a análise do programa da UnB como paradigma. Em caráter liminar, o DEM pede ainda a suspensão da matrícula do vestibular da universidade. Segundo o Diretório Central, as cotas democratizam o acesso ao ensino superior no país. “A universidade ainda é um dos espaços predominados por brancos. As cotas vêm para romper com esse arranjo, democratizando a universidade. Após a implementação do sistema de cotas, a luta contra o racismo se intensificou em todos os espaços da universidade”, diz o texto.

 

O ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, pediu os pareceres da Advocacia-Geral da União e Procuradoria-Geral da República, que deverão apresentá-los na próxima semana. Só depois Gilmar Mendes se manifestará sobre a ADPF.

 

Confira a nota do DCE da UnB:


Nota de Repúdio à Ação do Democratas contra o sistema de cotas da UnB

 

O Diretório Central dos Estudantes Honestino Guimarães da Universidade de Brasília vem por meio desta repudiar a ação promovida pelo Democratas contra o sistema de cotas raciais da Universidade de Brasília. Nessa segunda-feira (20/7) o partido, por meio de sua advogada voluntária Roberta Kaufmann, impetrou uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), demandando a suspensão liminar do sistema de cotas raciais da UnB e do resultado do vestibular do 2˚/2009. Essa medida vem de forma antidemocrática querer acabar com uma política pioneira da UnB de democratização do espaço universitário.

 

A ação movida pelo DEM questiona a UnB por “institucionalizar o racismo” e por dar as bases de um “Estado racializado”. Toda a argumentação desenvolvida pela advogada leva a compreensão de que o problema do racismo não existe no país – seja em função da miscigenação no país, seja pelo argumento biológico de que não existem raças – e que, as políticas de ação afirmativas são problemáticas quando têm o recorte racial. Mais ainda, ela afirma que esse tipo de política cria o racismo. Em toda a ADPF, a advogada tenta mudar o foco da argumentação, colocando que em termos biológicos não existem raças e que, portanto, não pode haver racismo no país. Ademais, ela descreve um país muito diferente do Brasil, em que há uma sociedade plural e plena. Ela se contradiz ao colocar nas considerações iniciais sobre o mérito da questão que ela não quer discutir a existência de racismo, preconceito ou discriminação no Brasil, e afirma pouco depois que no Brasil “ninguém é excluído pelo simples fato de ser negro” (p. 27), ou seja, categoricamente a advogada afirma que não existe racismo no país.

 

É muito fácil se refugiar em argumentos pautados na genética humana para afirmar que somos todos iguais, que não existem raças, quando na verdade o racismo brasileiro é fenotípico e parte marcante da nossa sociedade. Isso quer dizer que, mesmo velado, o racismo brasileiro se expressa nos estereótipos sociais, nas brincadeiras que muitos fazem e nas ações de poder e segregação.

 

Diferentemente do que afirma a advogada, o quadro do Brasil é o de uma grande desigualdade racial. É notável a baixa representatividade dos negros em espaços de poder no país, assim como nas universidades. Se poucos são os que têm acesso à educação superior, menos ainda são os negros que chegam à universidade, que mal chegam a ser 2% dessa comunidade. Em 2003 a UnB tomou uma decisão muito importante nesse sentido. O CEPE (Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão) aprovou o sistema de cotas, que reserva 20% de suas vagas a estudantes que se declarem negros e afro-descendentes. Essa política vem, acima de tudo, para mudar a realidade das universidades, quebrar o monocromatismo branco e escurecê-las.

Foi com essa política que a UnB começou a mudar. Com o sistema de cotas, mais negros começaram a entrar e a influenciar os rumos da universidade, contribuindo para uma formação social mais plural e plena da universidade. Foi com o sistema de cotas que se criou uma real possibilidade de empoderamento de uma grande camada populacional que historicamente é discriminada. A universidade ainda é um dos espaços predominados por brancos. As cotas vêm para romper com esse arranjo, democratizando a universidade.

 

A nossa experiência na UnB é a do caminho contrário ao do “racismo institucionalizado”. Após a implementação do sistema de cotas a luta contra o racismo se intensificou em todos os espaços da universidade, sendo que os vários movimentos sociais que se articularam desde então sempre contribuíram em muito para uma maior proximidade da universidade com a sociedade e para a minimização da segregação social. A política de cotas é um marco na UnB. Ela sinaliza a institucionalização do processo da luta pela igualdade racial no nosso país.

 

Em vários momentos os críticos ao sistema de cotas questionam a igualdade, defendida na constituição federal, mas temos que questionar como é possível falar de igualdade quando brancos e negros partem de pontos tão distintos em nossa sociedade? Que igualdade é essa em que há um claro predomínio branco em espaços de poder? Por fim, que igualdade é essa em que, pela cor da pele alguém é julgado?

 

Para que possamos concretizar o preceito constituinte de igualdade é central avançar em políticas públicas. As ações afirmativas são instrumentos com o claro objetivo de mudar uma realidade e afirmar a presença de um grupo socialmente minoritário. Não se trata de culpar os brancos pela escravidão, como a advogada leva a crer, mas sim o de reforçar o negro como parte integrante e ativa de nossa sociedade.

 

É por entender o papel democratizante que as cotas possuem que o DCE da UnB vem em sua defesa e manifesta seu repúdio ao Democratas. A formulação e a implementação de políticas de ação afirmativa são centrais para a consolidação democrática do país e, exatamente por isso que sempre serão alvo de ações de grupos – e partidos – conservadores que não querem o empoderamento popular. É papel da universidade formular, constantemente, políticas que visem soluções para os problemas de nossa sociedade. Esse papel tem que ser garantido por toda a sociedade e a única forma de garantir que isso não se encerre é com luta! Por isso o DCE conclama todos os movimentos sociais a se manifestarem e a se engajarem na luta em defesa de uma sociedade mais justa, plural e democrática! Somente com uma ampla articulação que será possível a vitória!

 

Brasília, 24 de Julho de 2009
Diretório Central dos Estudantes Honestino Guimarães da UnB
Gestão Pra Fazer Diferente

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