De licença-maternidade e em meio à pandemia, ela decidiu impulsionar os negócios de mulheres negras

FONTEPor Carla Nascimento, do O Globo
(Foto: Reprodução/ Negras Plurais)

Quando Caroline Moreira, de 35 anos, se movimenta, pelo menos duas mil profissionais negras de sua rede de contatos se movimentam com ela. E a empresária, que se tornou referência quando o assunto é impulsionar o empreendedorismo negro, decidiu que não podia parar sua luta antirracista por protagonismo negro nem durante a licença-maternidade. Por isso, nos últimos seis meses, idade da pequena Luna, a CEO da Negras Plurais decidiu continuar o processo de criação do primeiro aplicativo de oferta de produtos e serviços de mulheres pretas da América Latina e, diante da pandemia, acelerou o passo.

Quando olho para os meus filhos – além de Luna, ela tem Miguel, de 7 anos -, sinto culpa por não estar me dedicando tanto quanto gostaria, mas acredito que a luta antirracista é mais urgente agora porque estou trabalhando para construir um mundo para eles. Acredito que eles vão entender o que estava fazendo enquanto estava ausente – diz ela.

“Dê um match nas Negras Plurais”, que está em fase de financiamento coletivo na plataforma Benfeitoria, quer dar escala à divulgação que Caroline já fazia com os contatos de profissionais negros que reuniu nos últimos cinco anos. O plano é conectar empreendedoras e prestadoras de serviços negras a compradores e contratantes em potencial de todo o país, tornando os negócios visíveis, independentes e com possibilidades de gerar contratos internacionalmente.

Para além de criar oportunidades, no entanto, a empreendedora aponta a importância de estender o ativismo antirracista, que já toma conta das redes sociais, a ações no mundo real:

– É preciso ação, olhar o racismo como estrutura e fazer parte dessa mudança, e é por isso que criamos um financiamento coletivo. É importante consumir produtos e serviços para que mulheres negras sustentem suas famílias, porque não fazemos questão de ganhar cesta básica, queremos o resgate da nossa dignidade por meio do nosso trabalho. O assistencialismo é importante em situações de emergência, mas mais importante é termos opção, é termos a caneta na mão – diz a empresária, que alerta:

– A gente usa todas as tecnologias de pessoas brancas, como Ifood, Spotify, Mercado Livre. Temos que trazer dinheiro também para a comunidade negra, e vamos fazer isso com o aplicativo, que vai abrir portas para terapeutas, advogadas e arquitetas, produtoras culturais, entre outras. Vamos ter mulheres negras em todas as áreas – afirma a empresária, que vive em Porto Alegre.

Além de ser uma alternativa à venda de produtos nas ruas, que deixou muitas empreendedoras informais em situação de extrema vulnerabilidade em tempos de pandemia, o aplicativo tem a missão de ajudar a preencher vácuos de acesso e oportunidades criados pelo racismo estrutural também depois que a crise passar.

É uma atitude de emancipação, já que 72% das mulheres negras atuam no mercado informal. Vamos poder fazer um giro econômico durante a pandemia e também pós-pandemia, acreditando que a gente vai poder fazer com que o dinheiro também possa chegar às mãos de pessoas negras – diz.

Luta por protagonismo negro nasceu após o filho sofrer racismo

Caroline estava para se formar em Contabilidade quando seu filho mais velho, Miguel, sofreu racismo em um parquinho em Porto Alegre. O garotinho, que tinha 2 anos, foi chamado de feio por uma criança, que chegou a mencionar a cor de sua pele.

– A minha ficha só caiu quando uma amiga me disse: “Isso é racismo”. Comecei a pensar em como podia continuar trabalhando com contabilidade com meu filho vivendo nesse mundo racista. Mudei a minha vida inteira para promover essa luta e, por fim, entendi que se queria ver transformação, deveria trabalhar para que as pessoas pretas tivessem oportunidade – afirma ela, revelando ainda que o menino sofre com discriminação desde o dia em que nasceu.

– O parto foi em uma maternidade de classe média alta em Porto Alegre, onde nunca tinham visto um bebê negro retinto. Funcionários ignoravam a minha privacidade e iam ao meu quarto ver a criança preta que tinha nascido. Precisamos poder ocupar todos os espaços e mostrar que não gestamos apenas filhos, mas projetos, sonhos, planos. “Somos matrigestores” – afirma ela, em referência à filósofa Katiúscia Ribeiro.

-+=
Sair da versão mobile