Deises e Leilanes: abandonadas sem vale-táxi e SAMU-cegonha, por Fátima Oliveira

(Foto: João Godinho)

É cruel a assistência ao parto em muitos recantos do país. Não me calo para não ser cúmplice. Registrei em “O parto roubado é um conceito político de resistência: assistir ao parto exige competência técnica, humanística e ética. Vale para obstetras, obstetrizes e parteiras tradicionais, igualmente” – sobre a cesárea por ordem judicial de Adelir Carmen Lemos de Góes, de Torres (RS), marco inaugural da judicialização da atenção obstétrica e neonatal, sobre a qual o Ministério da Saúde (MS) tem feito solene silêncio. “E La Nave Va…”, um filme de Fellini.

Se a judicialização da atenção obstétrica e neonatal é coisa nova, as velhas estão firmes em tempo de Rede Cegonha – lembram? Escrevi em 12.4.2011: “Em 28 de março passado, a presidente Dilma Rousseff lançou, em BH, o Rede Cegonha, uma customização, sem os devidos créditos, de ações bem-sucedidas e em curso, como o Pacto Nacional de Redução da Morte Materna e Neonatal (2005), área de relevância da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM, 2003). De novidade, a agregação de ações sociais para grávidas, parturientes, puérperas e filhos de até 2 anos, como vale-táxi e Samu-cegonha; e a guinada ao conceito superado de saúde materno-infantil.
Mulher é mulher, e criança é criança; exigem abordagem autônoma e integral na atenção à saúde. (…) Sem arrodeios, o Rede Cegonha retalha a diretriz do Ministério da Saúde para a saúde da mulher (PNAISM), com viés conservador, a saúde materno-infantil” (O TEMPO).

Compartilho algumas manchetes dolorosas de 2014 de mulheres sem vale-táxi e sem Samu-cegonha (alguém já viu? Eu, não!): “Família acusa hospital de demora em parto; mulher perdeu bebê” (25.1.2014)/ “Família acusa maternidade de recusar parto: ‘mandaram fechar as pernas’” (4.2.2014)/ “Homem não consegue atendimento e faz parto da mulher em casa na Bahia (17.2.2014)/ “MS pede apuração de casos de grávidas que deram à luz na calçada” (22.04.2014)/ “Mulher dá à luz em recepção de hospital na Bahia, e bebê morre em Santo Antônio de Jesus” (26.4.2014).

São situações em que o ministro da Saúde e a ministra da Mulher, pelo menos, deveriam ter ocupado rede nacional de rádio e TV chamando os prefeitos à responsabilidade! É assim que se educa um povo e se cria uma nova mentalidade! Até agora, a voz do governo é uma nota, frágil e panfletária: “O Ministério da Saúde repudia, veementemente, os episódios de duas mulheres – uma no município do Rio de Janeiro e a outra na cidade de Santo Amaro da Purificação, na Bahia –, que deram à luz sem as condições mínimas para a realização de procedimentos relacionados ao parto, conforme retratou a imprensa”.

O Ministério da Saúde acionou, na segunda-feira (21), equipes locais do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) para apurar as ocorrências, em conjunto com os gestores locais de saúde, a fim de identificar e responsabilizar possíveis casos de negligência no atendimento ou omissão de socorro por serviços e profissionais de saúde. O Ministério da Saúde informa que, somente em 2013, financiou a realização de 1,9 milhão de partos na rede pública. Para os partos no SUS, o ministério preconiza condições adequadas de infraestrutura, atendimento humanizado e respeito à saúde e dignidade das mulheres e dos bebês” (Viomundo, 22.4.2014).

Enquanto o MS não descobrir que há uma diferença brutal entre o preconizar e a vida concreta, as mulheres continuarão desamparadas na hora do parto.

 

 

 

Fonte: O Tempo

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