Delegado vítima de racismo no AC recebe apoio da OAB: ‘Postura deve ser investigada com todo rigor’

Delegado Samuel Mendes tentou atender o idoso, que tinha ido prestar queixa contra a vizinha, e foi vítima de racismo na terça-feira (3) em Rio Branco. 'O episódio que envolveu o delegado negro reforça o racismo estrutural enraizado em nossa sociedade através dos séculos', diz nota.

FONTEPor Aline Nascimento, do g1
Delegado Samuel Mendes foi vítima de racismo na manhã de terça-feira (3) (Foto: Arquivo pessoal)

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Acre (OAB-AC), por meio das Comissões de Igualdade Racial e Direitos Humanos, emitiu uma nota de repúdio contra o racismo sofrido pelo delegado Samuel Mendes, em Rio Branco, quando idoso de 69 anos se recusou a ser atendido por Mendes afirmando que queria ser atendido “por um delegado branco”. O caso aconteceu na terça-feira (3) e o idoso recebeu voz de prisão por injúria racial.

“Lamentamos ainda mais que o racismo sofrido pelo Delegado de Polícia Civil do Estado do Acre Samuel Mendes, titular da 2ª Regional de Polícia, tenha ocorrido em seu local de trabalho e por alguém que buscava guarita policial. Frases e comentários de cunho racista, a recusa em ser atendido por pessoas pretas, ironias e racismo recreativo são profundamente lamentáveis e não devem ser mais tolerados e naturalizados. A sociedade precisa e deve avançar para uma reflexão profunda no combate ao racismo e à todas as formas de discriminação. O episódio que envolveu o delegado negro reforça o racismo estrutural enraizado em nossa sociedade através dos séculos. A postura do cidadão deve ser investigada com todo rigor. Não podemos aceitar que o racismo seja algo corriqueiro e tolerado em nossa sociedade atual”, destaca a nota.

Idoso pediu que fosse atendido por um delegado branco e recebeu voz de prisão por racismo (Foto: Asscom/Polícia Civil)

O caso

Samuel Mendes é titular da 2ª Regional, que fica no Conjunto Habitacional Cidade do Povo, e é delegado há 11 anos no Acre. Já na Segurança Pública, Mendes atua há 19 anos, entre serviços prestados nas polícias Militar e Civil do estado.

O idoso foi até a unidade registrar uma ocorrência contra uma vizinha. Ele passou pela triagem feita por uma policial civil e foi informado de que um delegado iria ouvi-lo sobre a situação registrada. Mendes foi informado pela servidora sobre o atendimento, foi até o idoso e se apresentou como o delegado.

“Pedi para ele me acompanhar e, quando foi para entrar no gabinete, ele parou, olhou para dentro, e perguntou: ‘mas, cadê o delegado?’. Eu falei que era o delegado e iria prestar o atendimento. Ele disse: ‘não, quero um delegado branco’. Falei que eu era o delegado que fazia o atendimento ali, mas ele repetiu: ‘não, quero ser atendido por um delegado branco’. Não entrou no gabinete e ficou parado na porta”, contou Mendes ao g1.

O delegado explicou que, nessa hora, chamou um colega de profissão que também atende na unidade, levou o idoso até a sala dele e disse que ele queria ser atendido por um delegado branco. Nesse momento, o homem tentou reverter a história.

“Ele disse que não era bem assim, que não quis me destratar e nem desconsiderar ninguém, que é até evangélico e não destrata nenhuma pessoa. Eu saí por alguns minutos da sala e depois fizemos todos os procedimentos”, afirmou.

Incrédulo com o que tinha ouvido, o delegado disse que ainda perguntou se o idoso tinha ido à delegacia alguma outra vez por acreditar que ele tinha alguma referência de outro delegado e queria ser atendido por esse profissional.

“Ele falou que nunca foi na delegacia, nem nada nesse sentido. Eu achava que ele tinha visto algum outro delegado, tinha sido atendido por ele. Mas, sou titular há quase um ano e os atendimentos iniciais são sempre comigo”, destacou.

Sem ação

Após alguns minutos, Mendes voltou até a sala onde o idoso estava e deu voz de prisão por racismo. Novamente, o homem tentou fugir da situação e alegou que não lembrava o que tinha falado. “Perguntaram o que ele tinha falado e disse que não lembrava mais. Foi feita a condução dele para a Defla [Delegacia de Flagrantes] e ele foi atuado na lei de racismo, artigo 20”, complementou.

O delegado relatou que, mesmo com tanto tempo atuando na Segurança Pública, ele nunca tinha passado por uma situação dessa.

“É algo que pega de surpresa, ainda mais nesses tempos atuais que as pessoas cada vez mais estão informadas. A tendência é diminuir e de forma tão implícita. Fiquei sem ação, depois fui alinhar as ideias”, lamentou.

O idoso dever passar por uma audiência de custódia ainda nesta quarta-feira (4). O nome dele não foi divulgado e, por isso, a reportagem não conseguiu contato com a defesa.

-+=
Sair da versão mobile