Denúncias de racismo mais do que dobram no RS em 2022

Foram 47 denúncias desde o início do ano, 135% a mais do que as 20 do mesmo período do ano passado, segundo dados da SSP. Na delegacia especializada, foram registradas 435 ocorrências desde sua inauguração, e 82 pessoas foram indiciadas.

FONTEG1, por Cristiano Dalcin
Portal Geledés

As denúncias por racismo ou injúria racial no Rio Grande do Sul mais do que dobraram nos cinco primeiros meses de 2022. Foram 47 denúncias desde o início do ano, 135% a mais do que as 20 do mesmo período do ano passado, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública do estado (SSP-RS).

Na Capital, os casos são concentrados pela Delegacia de Combate à Intolerância, inaugurada há um ano e meio. De acordo com a Polícia Civil, a maioria acontece no ambiente de trabalho e em locais de convivência, como condomínios. Pessoas próximas às vítimas costumam ser as denunciantes.

“A existência da delegacia em si, principalmente aqui em Porto Alegre, fez com que as vítimas se sentissem mais encorajadas a denunciar. Aqui é um espaço de empoderamento das vítimas, em que elas chegam, se sentem acolhidas e se sentem à vontade para contar a história delas. A gente tem a injuria qualificada, que atinge a honra subjetiva da vítima, e a gente tem o racismo, que atinge a coletividade, e é importante que nós, pessoas brancas, também levantemos essa bandeira”, destaca a delegada Andréa Mattos.

Desde a criação da delegacia especializada, foram registradas 435 ocorrências desta natureza, e 82 pessoas foram indiciadas por algum crime.

“A pena não é muito alta. Tanto da injúria quanto do racismo, vai até três anos. Se for racismo qualificado, vai até cinco. É difícil dar em prisão quando a gente só coloca esses crimes. A gente consegue a prisão quando existe a conjunção de mais crimes. A pena realmente é uma pena baixa, mas existe a responsabilização criminal, e isso é importante”, observa a delegada.

De estudantes a ídolos do futebol

Em maio, dois casos foram investigados. Edenílson, volante do Inter, denunciou Rafael Ramos, do Corinthians, por injúria racial durante uma partida pelo Brasileirão. O corintiano foi preso em flagrante, ainda no estádio Beira-Rio, mas foi liberado após pagar fiança. O inquérito segue aberto.

Em Santa Maria, na Região Central, uma aluna da UFSM foi indiciada pelo crime de racismo depois de publicar ofensas a estudantes negros nas redes sociais.

“O estado brasileiro foi moldado a partir do racismo e esse racismo estrutura os nossos pensamentos. O racismo estrutural vai dizer que o conceito de humano e de humanidade é feito a partir de uma perspectiva racista”,

define Gleidson Martins Dias, ativista do Movimento Negro Unificado.

‘Acontece diariamente’

A assistente social Valquíria Fortunato trabalhou um ano e meio em uma república de idosos onde tinha vários colegas negros. Segundo ela, durante sete meses, foi chefiada por uma coordenadora que proferia palavras e frases racistas.

“Se tu chegar atrasada, eu te dou chibatada. Se tu fizer tal coisa, eu te dou chibatada. Ao longo desses meses, teve uma situação em que ela perguntou se ela podia me chamar de neguinha, e eu disse para ela: ‘Não, fulana, eu sou assistente social, eu quero que tu me chame pelo meu nome, eu sou assistente social aqui do espaço, esse tipo de trato comigo, não’. Depois, ela me chamou de macaca velha. No início de março, no final do expediente, às 17h, eu me despedi dela. Olhei pra ela: ‘Tchau!’. Ela olhou pra mim e disse: ‘Então eu vou te dar tua carta de alforria'”, recorda.

Após aguentar tanto tempo calada, Valquíria decidiu reclamar com a diretora da instituição.

“Eu tive que explicar para ela que chibatada, carta de alforria, chamar de maca velha, chamar de neguinha, de criado-mudo, que essas palavras não se utilizam mais hoje e que era muito difícil pra mim enquanto assistente social ter que falar pra minha colega: ‘Cuida o que tu fala antes porque isso me fere, fere outros colegas”, afirma.

Depois disso, contudo, foi demitida. Mas registrou o caso na polícia.

“Tenham força de procurar as redes de apoio, que sempre vai ter alguém do lado que vai estender a mão, e ir na delegacia fazer boletim de ocorrência. Porque isso acontece diariamente. Isso tem que gerar número, isso tem que ser visto”, pede Valquíria.

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