Depois de um carnaval quente, é hora de pensar em adaptação climática

“O dia em que o morro descer e não for carnaval ninguém vai ficar pra assistir o desfile final” (Wilson das Neves)

FONTEGênero e Número, por Mariana Belmont
Mariana Belmont - (Foto: Julia Rodrigues/ÉPOCA)

Escrevo esta coluna, atrasada, em uma terça-feira de carnaval. A temperatura da cidade de São Paulo bate 33°C, mas lá fora, longe do meu ventilador, deve estar uma sensação gostosa de 40°C.

Não brinquei carnaval e acho que não faço isso há uns 8 anos, depois que saquei que eu ia “porque todo mundo vai” e que eu não gosto. Prefiro saborear os desfiles das escolas de samba pela televisão e os comentários maravilhosos dos amigos especialistas no X (antigo Twitter). Me libertei de limpar purpurina e passar perrengue.

Mas eu acho o carnaval bonito, intenso, forte e um sinal de que podemos ser livres e menos cobertos de pudores, mas escolhemos só um período do ano para fazer isso nas ruas.

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Escrevo depois de um mês agitado para a discussão sobre racismo ambiental, enquanto intelectuais, do alto do seu apartamento com ar condicionado, publicaram análises sobre o termo em grandes jornais, tão profundas como um prato de sobremesa.

“Me parece que inventaram isso aí, eles sempre inventam algo sobre racismo, esses identitários”.

O privilégio de dizer o que quiser, escrever o que quiser sem estudar, sem pisar no chão de terra, sem conhecer experiências locais da população negra e indígena do Brasil é das coisas que mais me assustam. Normal, é o Brasil colonizado e muita gente tem orgulho disso. Mas ainda me choca.

Atacaram Anielle, foram até um post meu proferir tantos xingamentos a meu respeito, que o foco no termo mesmo saiu do rumo. Thiago Amparo escreveu mais uma coluna sobre o tema, depois uns três fios importantes sobre isso no X (antigo Twitter). Eu admiro demais a persistência do Thiago em informar e trazer os fatos, isso é tão importante. Vários pesquisadores negros que estudam racismo ambiental, lideranças do movimento negro que viveram Eco 92 e os mais jovens deram entrevistas longas, fizeram vídeos.

Mas o que percebi é que a história não basta para a branquitude, sobretudo para os homens brancos. Eles querem ser o foco da discordância, da contraposição sem fundamento. Aparecer, independente do tema.

Enquanto isso, milhares de pessoas negras morrem e são levadas pelas chuvas. Indígenas ficam doentes pela contaminação da água que o garimpo ilegal está destruindo na Amazônia. Quilombolas sem titulação são assassinados a tiros dentro de casa. Aumenta o número de pessoas que adoecem e morrem com dengue.

A lista é enorme, os dados estão aí. Só não vê quem é racista.

O ano de 2023 foi fundamental para reconhecer que as alterações climáticas são sexistas e racistas – e que as soluções climáticas não podem reforçar as desigualdades sociais em termos de raça e gênero. O impacto da crise climática não é o mesmo para todos.

A população negra – em especial mulheres e crianças negras – enfrenta os piores efeitos, apesar de não ser a principal causadora da crise. As práticas discriminatórias baseadas em raça e gênero, as normas socioculturais, os mitos e as leis criam impactos desproporcionais da crise climática nas mulheres e crianças em toda a sua diversidade, uma vez que são excluídas dos recursos necessários para a adaptação e são mais vulneráveis a perdas e danos.

Os defensores da terra, das florestas e dos direitos humanos têm lutado contra as atividades extrativas que causam a crise climática que pressiona os territórios, acaba com florestas, polui e contamina o meio ambiente, quebra relações das comunidades e leva ao deslocamento. Essas atividades são as responsáveis pelas violações sistemáticas dos direitos das mulheres negras, quilombolas, rurais e indígenas.

Agora que o carnaval acabou, queremos saber se teremos um plano de adaptação, se as experiências locais serão respeitadas e se a população negra estará de fato no centro da busca por soluções. A sociedade quer saber, quer participar e quer estar presente e perto dos processos.

Um calor surreal, pessoas morrendo, uma senhora tomando seu café debaixo d’água. Não pode abandonar o que conseguiu com tanto suor. Vamos pensar na vida das pessoas agora ou só ano que vem?


Mariana Belmont é jornalista, nascida em Parelheiros (extremo sul da cidade de São Paulo), trabalha com articulação e comunicação para políticas públicas. Atuou em cargos no governo sobre questões ambientais e de habitação na Prefeitura da cidade de São Paulo. Trabalhou como coordenadora de comunicação e articulação do Mosaico Bocaina de Áreas Protegidas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Foi Superintendente de Programas e Diretora de Clima e Cidade no Instituto de Referência Negra Peregum. Foi colunista do UOL e agora escreve mensalmente para a Gênero e Número. Também é ativista, parte de movimentos ambientalistas e periféricos. Recentemente foi editora convidada da Revista “Diálogos Socioambientais: Racismo Ambiental” da Universidade Federal do ABCD. É organizadora do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil” (Oralituras, 2023). Atualmente é Assessora sobre Clima e Racismo Ambiental de Geledés – Instituto da Mulher Negra.

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