Desigualdade social, o maior problema do Brasil

Para especialistas, pandemia e governo Bolsonaro somente acentuaram histórica desigualdade brasileira, com aumento exponencial da fome. Melhorar distribuição de renda é tarefa urgente para próximo governo, afirmam.

FONTEPor Edison Veiga, do DW
Pessoas vão até o Mercadão Municipal para pegar restos de alimentos que iriam para o lixo (Foto: Danilo Verpa/ Folhapress)

Com um ano eleitoral pela frente, os mais graves problemas brasileiros precisam ser colocados em debate. Especialistas ouvidos pela DW Brasil apontaram a histórica desigualdade social, a volta ao mapa da fome e a educação precária como pilares fundamentais que precisam ser atacados com políticas públicas e propostas sérias.

“O maior problema do Brasil hoje é o aumento exponencial de pessoas passando fome e de pessoas em situação de insegurança alimentar”, afirma a cientista política Camila Rocha, autora do livro Menos Marx, Mais Mises: O Liberalismo e a Nova Direita no Brasil. De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, 55% da população brasileira vive em situação de insegurança alimentar.

“Isso ocorreu por uma combinação da retração econômica, permeada pelo aumento dos preços de alimentos básicos e gás de cozinha, com a inabilidade de combater a pandemia entre pessoas em situação de vulnerabilidade social”, diz Rocha.

Ela defende que as soluções possíveis são a ampliação de programas de transferência de renda e aumento de benefícios. “Porém, isso necessariamente precisa ser acompanhado de uma retomada do crescimento econômico”, enfatiza. “Do contrário, tais medidas podem ficar comprometidas a médio prazo.”

O historiador Marco Antonio Villa, professor da Universidade Federal de São Carlos e autor de Um País Chamado Brasil, concorda com o ponto de que a fome “voltou a ser um gravíssimo problema nacional”. “Milhões estão literalmente passando fome”, diz.

“Sucintamente, é a péssima distribuição de renda que aprofunda a desigualdade social”, contextualiza ele, que entende como “tarefa primeira, para ontem” a necessidade de que o próximo governante eleito “coloque o dedo na péssima distribuição de renda que gera essa terrível desigualdade social e, por consequência, a fome”.

“Este foi o Natal da fome, tristemente. Parece a comemoração, entre aspas, dos três anos do governo [do presidente Jair] Bolsonaro”, comenta Villa.

“Desigualdade imoral”

Para o historiador Marcelo Cheche Galves, professor da Universidade Estadual do Maranhão, a desigualdade social brasileira sempre foi imoral “e se tornou mais imoral ainda em um ambiente de pandemia sob um governo de extrema direita”. “[O problema] é a base de outras questões”, explica.

“A pobreza é um componente de qualquer país capitalista. A questão são os níveis de pobreza minimamente aceitáveis”, argumenta. “De que maneira governos que se sucedem assumem ou não compromissos mínimos no combate a essa desigualdade?”

Galves afirma que tal esforço depende de “políticas públicas permanentes” e estas foram “brutalmente interrompidas” pela atual gestão. Como a fome não espera, ele cobra uma “retomada imediata e a ampliação dessas políticas públicas de redistribuição de renda”. “Sem malabarismos financeiros para turbinar orçamento em ano eleitoral. Precisamos de política social séria e permanente”, enfatiza.

O jornalista, economista e cientista político Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), vê a “questão social de pobreza e crescimento da fome” dentro de um contexto de de “crise política e descrença nas instituições”.

“Isso dá margem a uma série de violências e também a discursos populistas”, comenta. “E 2022 vai ser decisivo porque veremos como vamos lidar com isso. A população vai votar com todos esses riscos institucionais que Bolsonaro representa. Vamos ver se a escolha será pela civilidade ou pela barbárie.”

O sociólogo e cientista político Rodrigo Prando, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie contextualiza as mazelas brasileiras a partir da própria formação histórica do país. “Economicamente, [o país foi construído por] essa estrutura social de grandes propriedades de terra, escravidão e monocultura voltada para a exportação”, enumera. “Em termos econômicos, isso fez com que o Brasil se tornasse um país pobre, extremamente desigual.”

Além disso, por conta do passado colonial e pré-republicano, o país teve um capitalismo tardio, industrializando-se no século 20. “Assim, a sociedade brasileira se desenvolveu ao longo do século 20. E não houve distribuição de renda: a concentração continuou nas mão de uma elite”, pontua.

“Resultado: o Brasil ainda apresenta extrema pobreza em algumas regiões e uma desigualdade enorme. Em uma pista de corrida, a esfera econômica avançou, mas a cultura e a educação não se desenvolveram na mesma velocidade”, diz ele.

“Educação precária sustenta círculo vicioso”

Nesse sentido, a educação precária perpetua um sistema deficitário. “A pandemia não mostrou nada de novo, apenas agudizou a situação, os problemas que temos ao longo do tempo”, comenta Prando. “As crianças pobres das escolas públicas foram mais prejudicadas do que as crianças ricas das particulares, as regiões Norte e Nordeste tiveram crescimento menor do que o Sudeste, os negros foram mais atingidos pela covid e morreram mais. Isso explicitou uma estrutura social bastante desigual.”

Para o pesquisador David Nemer, professor da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, e autor do livro Tecnologia do Oprimido: Desigualdade e o Mundano Digital nas Favelas do Brasil, os problemas do Brasil atual têm como base o acesso à educação.

“Infelizmente, temos uma educação, a pública e até mesmo a particular, muito precarizada”, diz ele. “E hoje as soluções apresentadas pelo governo para resolver esse problema são péssimas. O governo [federal] pensa em militarizar a educação, o que é inconcebível. Outra agenda que os bolsonaristas e parte do Congresso tentam o tempo todo passar é a do homeschooling [ensino domiciliar].”

Nemer avalia que isso é uma maneira “de o governo retirar verba das escolas públicas”, delegando às famílias a responsabilidade financeira do ensino. “E isso é obrigação do Estado, não adianta”, acrescenta.

Um terceiro movimento que ele vê é o da “evangelização da educação” — nesse sentido, vale ressaltar que o atual ministro da Educação, Milton Ribeiro, é pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil. “A educação tem de ser para pensamento livre, crítico o tempo todo, não imposto”, defende Nemer. “Mas são essas as soluções que este governo pensa”, diz o pesquisador.

E ao trazer a educação para o centro do debate, ele frisa que o acesso ao ensino é a ponta de um iceberg. “A maioria que estuda em escola pública não tem segurança alimentar, não tem segurança física, vive em área de risco e o Estado o tempo todo negligencia essas pessoas”, afirma. “A educação precária sustenta o círculo vicioso da desigualdade social.”

Corrupção sistêmica

O filósofo Luiz Felipe Pondé, diretor do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor da Fundação Armando Álvares Penteado, prefere escolher a própria “política brasileira” como o maior problema do país — citando “as duas mais prováveis opções que teremos para 2022”.

“Uma é Bolsonaro, que se revelou uma catástrofe. Outra é o retorno do PT [Partido dos Trabalhadores, do ex-presidente Lula da Silva], que é muito responsável pelo buraco em que a gente está, uma verdadeira gangue que provavelmente vai voltar ao poder porque a outra opção se revelou pior do que ela.”

Pondé classifica essa situação como “um problema agudo” e diz que a corrupção “é sistêmica e envolve todos os Poderes”. “Solução para isso? Talvez daqui a mil anos”, afirma.

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