Dez grandes intelectuais brasileiras

FONTELonga História, por Ana Flávia Gerhardt
Imagem: iStock

No Dia Internacional da Mulher de 2021, vivemos tempos de pouca fé no potencial criatividade e ousadia do nosso povo. Por isso, vale a pena falar de mulheres superpoderosas na pesquisa e no pensamento deste imenso país. Essas intelectuais brasileiras semeiam a crença de que dias melhores virão.

O único problema desta lista é que nela só cabem dez mulheres admiráveis. Escolhi-as com um pouco de dor no coração, por ter excluído muitas outras intelectuais brasileiras que me dão orgulho de ter nascido aqui.

Orgulhe-se também conhecendo um pouquinho sobre essas mulheres.

Rosiska Darcy de Oliveira (1944-)

Jornalista desde a década de 1960, Rosiska Darcy de Oliveira partiu exilada para a Europa com o marido diplomata em 1969. De lá, iniciou uma campanha de denúncia da tortura por parte do regime militar no Brasil. Ao retornar, foi interrogada pelos militares, e acabou retornando à Europa. Quem influenciou Oliveira a escrever sobre Educação foi Paulo Freire, que ela conheceu em Genebra. Mas, ao mesmo tempo, ela começou a estudar e escrever sobre feminismo, doutorando-se no tema. De volta ao Brasil, em 1983, Oliveira trabalhou com Darcy Ribeiro durante sua gestão como governador do Rio de Janeiro.

Rosiska Darcy de Oliveira: tema de documentário  Lucas Landau/CLAUDIA

Doze anos mais tarde, em 1995, Oliveira tornou-se presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Foi o primeiro movimento para sua participação em diversos Conselhos e órgãos internacionais pela igualdade de gênero. Em 2019, Bianca Comparato dirigiu o documentário Elogio da liberdade, que divulga as ideias dessa brasileira maravilhosa:

Antonieta de Barros (1901-1952)

Descendente de pessoas escravizadas, Antonieta de Barros nasceu em Florianópolis. Iniciou sua carreira como professora, mas também foi jornalista. Exerceu cargo político como deputada estadual por dois mandatos. Viveu em um tempo em que mulheres casadas eram impedidas de trabalhar para não influenciarem ideologicamente os filhos. Mas, em sua atividade jornalística e política, defendeu uma educação emancipadora. Buscou ampliar espaços educacionais e profissionais para todas as pessoas, e não apenas as mulheres. Antonieta de Barros rompeu barreiras de raça e gênero na conservadora Santa Catarina.

Antonieta de Barros (1901-1952), primeira mulher negra eleita deputada no país, em Santa Catarina, em 1934 – Udesc/Divulgação

Até o século 21, permaneceu como a única pessoa negra a assumir um mandato estadual em Santa Catarina. Como deputada, participou da Assembleia Constituinte de 1935, e é dela a proposta da criação do Dia do Professor. O documentário abaixo conta a história de Antonieta de Barros inserida no momento histórico e social do Sul do Brasil, marcado pela desigualdade que salienta ainda mais sua coragem civil e moral:

Margareth Dalcolmo (1955-)

Essa grande pesquisadora em saúde pública formou-se em Medicina no Espírito Santo, seu estado natal, e defendeu seu Doutorado na Escola Paulista de Medicina. Já nesse tempo, a medicina social ganhava seu interesse: sua Tese versou sobre tuberculose, doença diretamente ligada ao tabagismo. Além de pesquisadora da Fiocruz, Dalcolmo é professora da PUC-Rio desde 2002. Entre outras razões, sua presença em inúmeras entrevistas e debates sobre a covid-19 se deve ao seu interesse em popularizar o conhecimento científico.

Margareth Dalcolmo – Foto: Márcio Alves/Agência O Globo

As histórias de vida acontecem por caminhos inusitados. A literatura impulsionou a mudança de vida de Margareth Dalcolmo rumo para se tornar uma das grandes personalidades brasileiras. Na juventude, o projeto de tornar-se diplomata, profissão na época ligada ao governo dos militares, já havia sido abandonado. A Medicina se apresentou como caminho por obra da leitura de Leon TolstóiA Montanha Mágica, de Thomas Mann, proporcionou o encaminhamento final para a pneumologia. Escritores estrangeiros ajudaram a forjar essa grande cientista, mas quem ganhou foi o povo brasileiro.

Rose Marie Muraro

(1930-2014)

Rose Marie Muraro era uma pessoa de grande versatilidade intelectual. Estudou Física e Economia, mas se notabilizou como uma das intelectuais brasileiras pioneiras do feminismo e no seu trabalho na Editora Vozes. Conviveu na Vozes com o clero progressista das décadas de sessenta e setenta: Dom Hélder CâmaraLeonardo BoffFrei Tito. Mas a virada conservadora da Igreja interrompeu seu trabalho na Editora. O motivo: a publicação da obra intitulada Por uma erótica cristã.

Intelectual lutava pela igualdade de direitos para as mulheres – Foto: CARLO WREDE/AJB

Mas o trabalho interrompido bruscamente não paralisou sua obra como intelectual e escritora feminista. Além das dezenas de livros que escreveu, é seu, por exemplo, o imperdível prefácio da edição brasileira do Martelo das Feiticeiras, tratado de tortura escrito por inquisidores na Idade Média. Fora da Vozes, fundou a Editora Rosa dos Tempos,  composta apenas por mulheres. Após o fim da ditadura militar, o reconhecimento por seu trabalho como editora e intelectual feminista se espalhou pelo mundo.

Nilma Lino Gomes (1961-)

Nilma Lino Gomes é a primeira mulher negra Reitora de Universidade Federal – a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), em 2013. Dois anos depois, foi escolhida para assumir o recém-criado Ministério das Mulheres, da igualdade Racial e dos Direitos Humanos. A pessoa perfeita no lugar certo. Se hoje houvesse espaço na política brasileira para suas ideias e ações, certamente muitas políticas públicas teriam sua assinatura.

Nilma Lino Gomes – Reprodução/Facebook

Gomes é Mestre em Educação e Doutora em Antropologia Social, mas sempre com ênfase na discussão racial no Brasil. É autora de obras acadêmicas sobre Educação numa perspectiva de desenvolvimento com igualdade e justiça social. No início da década de 2010, na Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, abordou o racismo presente no livro As caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. Também propôs formas de contornar o uso de obras racistas nas escolas. Sua iniciativa tem gerado debates e propostas editoriais até hoje.

Carolina Maria de Jesus (1914-1977)

Essa extraordinária escritora acaba de receber o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mesmo tendo estado apenas dois anos na escola. Essa informação já é suficiente para termos ideia da grandeza desta mulher. Mas é preciso saber mais sobre a autora de Quarto de Despejo, que é a expressão de sua vida como mulher negra e pobre num país estruturalmente racista, machista e elitizado como é o Brasil.

Carolina Maria de Jesus à margem do Rio Tietê e, ao fundo, a Comunidade do Canindé — Foto: Audálio Dantas, 1960

O papel que recolhia pelas ruas de São Paulo era sua fonte do conhecimento e inspiração. Em 1941, publicou o primeiro de muitos poemas na antiga Folha da Manhã. Em 1958, seu diário, em cadernos, chegou ao jornalista Audálio Dantas, que o editou no livro Quarto de Despejo. O sucesso foi imediato, e o livro ganhou tradução para mais de dez línguas. A ditadura militar trouxe o desinteresse pela literatura dos grupos sociais menos favorecidos, e Carolina caiu no ostracismo. Mas a redemocratização favoreceu o resgate de sua obra entre as grandes intelectuais brasileiras, como se pode ver neste vídeo e nesta produção da Rede Globo.

Sueli Carneiro (1950-)

Filósofa e escritora, Sueli Carneiro é fundadora do Geledés – Instituto da mulher negra, um dos mais importantes espaços do ativismo feminista negro no Brasil. Exemplo acabado de intelectual orgânica, Carneiro mostra como liderar movimentos sociais e lutar pela presença e agenciamento das pessoas negras na sociedade brasileira. Mas, ao mesmo tempo, contribui para o conhecimento sobre o tema com trabalhos acadêmicos admiravelmente robustos em termos teóricos.

Sueli Carneiro / Foto: Christian Braga/Divulgação

Na universidade, seu Doutorado se fundamentou em Michel Foucault para cunhar o conceito de dispositivo de racialidade/biopoder e articulá-lo ao de epistemicídio, de Boaventura de Souza Santos. Essa mesclagem conceitual busca reconhecer conjuntamente, de um lado, os processos de produção da subalternidade dos descendentes de pessoas escravizadas no Brasil, e, de outro, a produção de discursos e práticas que perpetuam esse estado de coisas. No ativismo social, sua atuação à frente do Geledés se marca pelo engajamento pela projeção institucional e política das mulheres negras, e pela produção cultural em regiões menos favorecidas economicamente.

Nise da Silveira (1905-1999)

Médica psiquiatra de renome internacional, Nise da Silveira é uma das grandes intelectuais brasileiras de todos os tempos. Propôs um método revolucionário de tratamento de pacientes com transtornos psiquiátricos. Com isso, enfrentou não apenas o conservadorismo da sociedade médica de seu tempo, como também uma estrutura machista incapaz de reconhecer qualquer trabalho de pesquisa realizado por mulheres. Mas ela incomodava não apenas como médica: em 1936, permaneceu presa por 18 meses pela posse de livros de Karl Marx.

Nise da Silveira – Foto: Alexandre Sant’Anna/SAÚDE é Vital

Nise da Silveira trabalhou, dia e noite, contra as práticas agressivas e o confinamento em hospitais psiquiátricos (um deles, o de Barbacena, local das maiores atrocidades perpetradas contra pessoas indefesas). Entre outros feitos, sua grande realização é adoção das artes plásticas como parte da terapia ocupacional. Esse trabalho relevou artistas poderosos como Arthur Bispo do Rosário e Fernando Diniz, cujos trabalhos estão presentes no Museu de Imagens do Inconsciente. O filme que aborda parte de sua vida e salienta a relevância de seu trabalho está disponível no Youtube.

Lota de Macedo Soares (1910-1967)

Filha das elites brasileiras, Maria Carlota de Macedo Soares aproveitou a oportunidade de conhecimento que sua condição social lhe proporcionava. Depois de estudar Arte nos Estados Unidos, foi reconhecida como arquiteta e paisagista autodidata, mesmo sem ter cursado a universidade. Seu trabalho mais importante foi a criação do Aterro do Flamengo, durante o Governo Carlos Lacerda no antigo Estado da Guanabara. É seu o projeto do grande jardim atravessado pelas pistas largas e duplas para os veículos.

(Reprodução/Instituto Lotta

A concretização do projeto do Aterro do Flamengo incluiu uma luta política para conter a especulação imobiliária sobre aquele imenso e valorizado espaço. Sua vitória foi o tombamento do Aterro como patrimônio do povo. O cinema nos oferece uma ideia de parte da vida de Lota. A atriz Glória Pires interpreta a arquiteta em Flores Raras, que conta a história de amor entre ela e a escritora estadunidense Elizabeth Bishop. Pelo filme, conhecemos a origem de algumas das belíssimas ideias hoje materializadas no Aterro do Flamengo:

Johanna Dobereiner (1924 – 2000)

Nascida na Tchecoslováquia, Johanna Dobereiner chegou ao Brasil em 1950 já formada em Agronomia. Desejava escapar da perseguição aos falantes de alemão na Europa atrás da Cortina de Ferro. Naturalizada brasileira em 1956, é a cientista do país mais citada pelas comunidades científicas em todo o mundo. Realizou suas pesquisas em Microbiologia do Solo no Ministério da Agricultura, na Embrapa e na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Johanna Dobereiner – Foto: Geraldo Baêta da Cruz/Embrapa

Seu grande feito foi proporcionar um avanço no conhecimento sobre o cultivo da soja. Johanna Dobereiner propôs, e com sucesso, que a fixação do nitrogênio por essa planta seja realizada pela bactéria rhizobium, que permite à soja produzir seu próprio adubo. Dobereiner revolucionou a produção de soja no mundo, o que lhe rendeu a indicação ao Prêmio Nobel de Química em 1997. Esse vídeo resume para nós leigos a importância gigantesca do trabalho de Dobereiner, uma europeia que escolheu o Brasil como sua nação e nos engrandeceu imensamente com isso.

 

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