Em 20 de novembro de 1695 morreu Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência negra à escravidão e líder do Quilombo dos Palmares – comunidade livre formada por escravos fugitivos das fazendas no Brasil Colonial. Em 2003, a data foi escolhida para representar o Dia da Consciência Negra com o objetivo de chamar a atenção para a reflexão sobre a posição dos negros na sociedade.
Para Benedito Cerezzo Pereira Filho, doutor em direito, professor da Universidade de Brasília (UnB) e advogado, “a data é um momento de resgate das origens”. O especialista diz ainda que é preciso “enxergar os negros além dos papéis que a sociedade lhes dá”.
”É incluir o negro no dia a dia, é não sentir desconforto quando cruza com um na rua, é não achar entranho ver um negro como gerente, como ministro, como chefe e em cargos de poder. É ver o negro como uma pessoa, mais do que o cara que toca pandeiro e joga futebol”, diz Benedito.
Para o professor, o fato de o Brasil ter sido o último país do ocidente a abolir a escravatura trouxe consequências que podem ser observadas até hoje. Como exemplo, ele cita a falta de representatividade no meio acadêmico: Benedito é o único professor negro do curso de direito da universidade.
O professor e membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da Universidade de Brasília(UNB), Nelson Fernando Inocêncio diz que a construção da data foi um avanço para as comunidades negras. Até então, apenas o 13 de maio, data de em que Princesa Isabel assinou a Lei Áurea era tido como um dia de lembrar dos negros.
”O dia 13 de maio coloca os negros como secundários na própria história, além de reforçar o colonialismo. Então, 20 de novembro vem para demostrar publicamente que os negros tem seus próprios símbolos de resistência retoma a imortalidade de Palmares e todas sua luta”, diz Nelson Inocêncio.
Os especialistas explicam que, com o fim da escravatura, não houve qualquer auxilio ou ajuda do governo para os “negros libertos”. Por isso, para o pesquisador, “as cotas não são um favor, são uma dívida histórica”.
“Quando os negros foram libertos da escravatura, ficamos à margem da sociedade. Completamente deixados à deriva”, diz Benedito Cerezzo Pereira Filho.
Identidade Negra
Neste ano, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a contínua Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada em 2021. Em uma década (de 2012 a 2021), o número de pessoas que se declaram como pretas foi de 7,4% para 9,1% e os pardos passaram de 45,6% para 47%.
Enquanto isso, diminuiu o número dos que se declaram brancos. Foi de 46,3% para 43% da população.
Para Benedito Cerezzo Pereira Filho, o aumento nas autodeclarações tem a ver com mais pessoas negras alcançando espaços antes nunca alcançados. ”É a representatividade. Tem muito a ver com pessoas se identificando com outras pessoas”.
Um exemplo de representatividade que chamou a atenção recentemente, foi a reação de meninas negras assistindo ao trailer de ‘A Pequena Sereia’, com Halle Bailey.
A escolha da atriz para interpretar o papel de Ariel – que na produção original da Disney é uma jovem branca – recebeu críticas. Mas as meninas se identificaram.
Além da representatividade, a assistente social, Andreia Simplício acredita ser essencial que a família tenha uma espécie de “letramento racial”. que seria a habilidade de compreender como as relações raciais descrevem nossa sociedade.
”Eu nunca tive dúvida da minha identidade, não só pelas vivencias e experiências do racismo desde nova, mas também ao fato de ter uma família negra que fez um letramento racial comigo desde a infância. Acredito que isso foi essencial para eu conseguir me enxergar como uma mulher negra”, diz Andreia.
Para ela, a falta de letramento racial pode resultar em pessoas que não entendem violências que vivem ou as que pode reproduzir. O professor Nelson Fernando Inocêncio explica que a consciência negra precisa ser trabalhada para que mais pessoas entrem no grande processo de identificação.
”O aumento nas autodeclarações, para mim, se dá pela percepção que as pessoas começaram a ter de que não precisam omitir suas identidades. Elas passam a ter uma consciência de pertencimento e entendem o que significa ser negro”, aponta Nelson .