Dia Mundial de Combate à Aids: mulheres contam como convivem com o vírus

FONTEUniversa, por Roseane Santos
Dia Mundial de Combate à Aids (Frrepik)

Quando Maria Zilma recebeu o diagnóstico positivo do exame de HIV, há 23 anos, precisou enfrentar o preconceito e praticamente reinventar a própria vida para lutar contra a discriminação. Hoje, aos 63, a técnica de enfermagem cearense dirige uma associação que dá apoio a pessoas com o vírus.

Assim como ela, outras mulheres que convivem com o HIV compartilham suas histórias com a reportagem de Universa neste 1° de dezembro, Dia Mundial de Luta contra a Aids. Elas mostram que a empatia e a busca por informação continuam sendo ferramentas poderosas pela saúde e no combate à intolerância.

‘Falavam que eu era rapariga’

Maria Zilma Ferreira dos Santos, 63 anos, técnica de enfermagem, de Juazeiro do Norte (CE)

“Em 1998, eu trabalhava como técnica de enfermagem e pedi para fazer um teste de HIV. Sempre fazia todos os anos, porque me contaminava muito com os objetos cortantes na UTI. Nunca fui muito organizada. Nunca me esqueço que abri o envelope com o resultado positivo no meio da rua. Estranhei, porque sempre dava negativo. Fiquei tonta, um pouco desesperada, mas com esperança de que estivesse errado. Pensava que Aids só pegava quem fosse gay.

Maria Zilma dos Santos fundou uma associação para dar apoio a quem tem HIV (Arquivo Pessoal)

Tinha me separado havia quase dois anos e depois não transei com mais ninguém. Falei com a enfermeira chefe e ela confirmou que eu estava com Aids. Nem se falava em HIV naquela época, era somente Aids. Chorei muito, senti um desespero enorme. A pergunta era: por que eu? A minha mãe desmaiou quando soube. Moro em Juazeiro do Norte e fui para Fortaleza para ter a confirmação. Meu ex-marido trabalhava em Rondônia. Pedi para que ele realizasse o teste também. Deu positivo. Nunca iria imaginar que havia sido infectada por ele. Pensei sinceramente que era do material cortante.

Uma notícia dessas naquele tempo era uma sentença de morte. Na loucura do momento, entendi que o médico havia me dado apenas mais dois meses de vida e essa história se espalhou. Quando retornei para Juazeiro, todos sabiam da infecção de uma técnica de enfermagem. As pessoas do trabalho, que deveriam me acolher, fizeram o contrário. Elas me transferiram para arrumar o arquivo, em um ambiente cheio de poeira, ácaros, fechado e isolado. Não podia mais frequentar o refeitório ou o vestiário. Até o meu banheiro era separado.

Foi muito constrangedor, eu chorava todos os dias. Perdi nove quilos e não foi pela doença, e sim pelo que estava passando. Os médicos me jogavam na cara que eu não era uma mulher de respeito. Falaram que era rapariga, depósito de esperma. Aquilo foi acabando comigo. As pessoas se afastaram de mim.

Eu não digo que venci o preconceito, porque ele ainda existe, todo dia tem. Dei uma palestra em uma escola e logo que cheguei à sala perguntei a um menino o que falaria se descobrisse que alguém ali tinha HIV e ele me respondeu: chamaria de nojenta. Falei, então, que era eu essa pessoa e ele quase caiu para trás. Pediu perdão.

Meu marido morreu bêbado. Ele se recusou a tomar o remédio, não aceitou se tratar. Graças a Deus eu me trato, dou meu depoimento para vários lugares, passo informação. Fundamos uma associação para dar apoio a quem tem HIV. Sou feliz por ter a oportunidade de ver meus filhos adultos e formados.”

‘Não tenho antes e depois, nasci com HIV’

Luana Stefany Peixoto de Souza, 25 anos, pesquisadora e recém-formada pela Faculdade de Letras da UFRJ, do Rio de Janeiro (RJ)

“Nasci com o HIV, não tenho um antes e depois. Vivi outro tipo de drama, que foi uma relação de aceitação e transformação. O vírus acabou me abrindo as portas para o ativismo e assim me tornei também uma liderança dentro da minha comunidade e ajudo pessoas a encontrar atendimento médico. Continuo a lutar para que elas tenham atendimento na saúde pública e informação.

Luana de Souza: ‘Carregar o HIV nesse corpo é fácil, mas é esse corpo que é meu e tenho orgulho dele’ (Arquivo Pessoal)

A minha mãe morreu de Aids em 2006 e fui criada pela minha avó. Na minha família nunca senti descriminação. Sou negra, bissexual e tenho o HIV. Nem sempre consigo identificar de onde vem a opressão. A minha sorologia é exposta e eu falo disso abertamente. Mesmo assim, pessoas com quem eu já quis me relacionar se afastaram de mim por causa do vírus. Se eu demorar um pouco a falar reclamam que eu tinha de ter falado logo. Mas não existe lei que nos obrigue a falar.

Acho que a opressão depende da forma com que você a encara. A gente só deve se abrir para quem estiver disposto a ouvir e a ter aquele conhecimento. Muitos não querem entender, porque serão obrigadas a lidar com seus próprios tabus de sexualidade.

Não culpo a minha mãe. Se ela soubesse que tinha o vírus, teria tomado outras providências. Nasci muito doente em Arapongas, no Paraná, e, quando fizeram os exames, descobriam que eu tinha e ela também. Carregar o HIV nesse corpo é fácil, mas é esse corpo que é meu e tenho orgulho dele.”

‘Colocaram no motivo do exame: promiscuidade’

Heliana Moura, 52 anos, assistente social, de Belo Horizonte (MG)

“Tenho 52 anos, sou mãe de Isabelle, de 32, e Mateus, de 23. Vivo com o HIV há 25 anos. Eu me infectei durante um namoro muito rápido. Na época não tinha informações e procurei um posto de saúde. O profissional também não tinha conhecimento de muita coisa e me encaminhou para um laboratório particular. Ele me deu um envelope e, ao chegar em casa, vi que estava escrito: ‘Teste de HIV. Motivo: promiscuidade’. Naquele momento já estava sendo rotulada pelos estigmas que esse vírus traz. Naquela época o pensamento era bem pior, então se você se infectava era porque era puta, drogado ou viado. Era o famoso grupo de risco, que na verdade nunca existiu.

Heliana Moura hoje trabalha no serviço de testagem da prefeitura de BH (Arquivo Pessoal)

Fiz o exame e, a partir do resultado positivo, comecei a viver uma nova etapa da minha vida. Sofri muito, tive medo e depressão. Para superar, precisei mudar de cidade. Sou de Belo Horizonte e decidi morar em Brasília. Lá iniciei meu tratamento, longe de tudo e de todos. Comecei também a terapia, que me ajudou muito a ressignificar aquele novo momento. No início é uma morte social, e devemos tomar cuidado para que não seja por muito tempo.

Passaram alguns meses e voltei para o mercado de trabalho e retomei a vida social. Passei a me relacionar com outras pessoas e conheci o pai do meu filho. Contei para ele que tinha o HIV, mas em uma das relações o preservativo rompeu e eu engravidei. O chefe do posto médico em que eu fazia o tratamento gritou comigo, me chamando de irresponsável e dizendo que eu estava proliferando o vírus. Eu tentava explicar que usava camisinha e que o que tinha acontecido foi um acidente. Saí de lá arrasada, pensei até em tirar meu filho.

Fui acolhida pelo Hospital Universitário de Brasília. Só ali me tranquilizei. Tive meu filho e ele nasceu sem o vírus. Voltei para Belo Horizonte e comecei a frequentar ONGs e a militar pela causa. Eu me fortaleci, fiz a faculdade de Serviço Social e atualmente trabalho na prefeitura, no serviço de testagem. Sou eu que entrego os resultados dos exames de HIV e sífilis para as pessoas. Faço isso com o maior respeito e cuidado pela história de cada um.”

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