Dia Nobre discute feminismo, maternidade e infância na Balada Literária

Obra híbrida “No útero não existe gravidade” foi finalista do Prêmio Caio Fernando Abreu e é lançada pela Editora Penalux

FONTEPor Jéssica Balbino, enviado ao Portal Geledés
Foto: Divulgação

As tensas relações entre mãe e filha e as diferentes formas de abuso dão o tom do livro “No útero não existe gravidade”, de Dia Nobre, que participa do bate-papo Ela, a Literatura na Balada Literária, às 12h desta sexta-feira (2), ao lado da também escritora Clarice Müller. A mediação é do escritor e curador do projeto, Marcelino Freire. 

Este é o segundo livro da autora, que foi finalista do Prêmio Caio Fernando Abreu em 2020 e se apresenta como híbrido e desenterra as chagas íntimas e sociais das mulheres, explorando as relações tortuosas com a família e a sociedade, de forma a esculpir as relações. A obra, que pode ser lida tanto em formato de romance como em formato de contos, traz uma personagem feminina que é acompanhada da infância à vida adulta tentando remontar mentalmente um quebra-cabeça de memórias e momentos da mãe, após ser abandonada. A personagem é carregada de inquietações, sobretudo a partir da constatação de que ela não possui contorno – que de acordo com a psicologia, seria um aspecto da constituição subjetiva do eu. 

“Quando há uma relação conflituosa entre a mãe/cuidadoras e o bebê, seja de recusa, negação ou falta de conexão com essa gravidez, a criança pode nascer ‘sem contorno’ ou seja, sentindo-se desprotegido; isso pode gerar vários traumas, inclusive, medo de altura, de cair, etc. porque se tem sempre essa sensação de queda, ou seja, de encontro com a gravidade que te puxa pra baixo”, explica a autora, que escolheu uma das frases do miolo para dar título ao livro, haja vista a relação com a percepção de uma criança de que, uma vez abandonada, precisaria confrontar os obstáculos da sua vida sozinha. 

“Sem ninguém para lhe amparar e, muitas vezes, [essa criança vai] dar de cara com o chão, quase como um beijo da gravidade. Ela percebe que isso acontece porque vivemos um lugar cuja força gravitacional comanda tudo, mas dentro do útero a gravidade não é sentida porque o bebê flutua, o útero é um lugar de conforto que ela não tem mais, portanto, é um lugar de frustração também”, completou. 

Com capítulos curtos e uma linguagem que flerta, o tempo todo, com a lírica poética, o romance, que não é autoficcional, mas traz elementos da vida da própria autora, debate, com profundidade e assertividade, a relação entre mães e filhas, o desejo de não maternidade e a pressão social sobre ele,  já que, segundo a própria, viveu uma situação muito parecida com a da personagem, de se ver sem mãe – sem contorno – durante a adolescência. 

“Esse foi, inclusive, o tema da minha terapia analítica por muitos anos e poder colocar no papel minhas inquietações com esse laço de maternidade; com a maternidade compulsória e com o próprio fato de eu não querer ser mãe (apesar de me sentir pressionada socialmente a sê-lo como todas as mulheres são em algum momento da vida) foi uma espécie de continuação dessa análise sobre as mulheres e às violências que o patriarcado impõe à nossa existência”, contou. 

Vale destacar que “No útero não existe gravidade” trata da trajetória da personagem, uma essa menina, tendo que se descobrir sozinha em meio a diferentes acontecimentos que são comuns às mulheres, como abuso sexual, assédio, automutilação, depressão, entre outras. 

“Qual menina nunca foi assediada por um parente ou amigo próximo? Nossas meninas estão, infelizmente, expostas a todo o tipo de violência, desde as mais sutis àquelas mais evidentes. Pesquisas apontam que os casos de automutilação entre meninas dos 13 aos 16 anos de idade aumentou 68% de 2017 até hoje, e isso tem a ver com a pressão social para se adequar a padrões, pela hiper sexualização das crianças e hiperexposição na internet. A automutilação é uma forma de dizer que algo não vai bem, é um pedido de socorro. A pessoa fala com o corte o que não sabe dizer com palavras. Acredito que é um tema urgente. É algo que incomoda, mas que precisamos falar sobre”, destacou.

O livro traz ainda capa e ilustrações com colagens da escritora e artistas paraense Monique Malcher e, segundo a autora, é uma obra que as pessoas vão se identificar de imediato, sobretudo a partir do reforço da ideia de sororidade e de empatia com as dores de outras pessoas e, principalmente, de como se transformar estas dores em potência criativa. 

“Eu digo que se você for mulher, acredito que você vai se identificar independentemente da sua trajetória ou lugar social porque ele fala de um tipo de relacionamento inevitável na vida que é aquele que temos (ou o que falta) com nossas antecessoras: mães, avós, etc. Se você for homem, esse livro tem muito a te ensinar porque fala da opressão e da violência (do abuso, dos padrões sociais) que as mulheres sofrem cotidianamente”, convida. 

sobre a autora

Dia Nobre é escritora e Ph.D em História. Natural do Cariri cearense, atualmente trabalha em Petrolina, Pernambuco, como professora universitária desenvolvendo projetos ligados à literatura, história, lesbianidades e feminismo.

Possui dois livros publicados na área da pesquisa histórica, O teatro de Deus (Ed.UFC, 2011) e o premiado Incêndios da Alma, (Multifoco, 2016), tendo recebido três prêmios por este último, incluindo o Prêmio Capes de Teses (2015).

Seu primeiro livro, Todos os meus humores, foi publicado em junho de 2020 pela Editora Penalux. Participa ainda da Coletânea VISÍVEIS – I Anuário Filipa Edições e foi selecionada na categoria Conto do Prêmio Off Flip de Literatura 2021. Em maio de 2021 lança seu segundo livro de ficção no útero não existe gravidade, também pela Editora Penalux.

Em “Um útero não existe gravidade”, Dia Nobre transporta consigo escritoras que leu e por quem se sentiu inspirada, como Elena Ferrante, que também trata da maternidade como tema central na tetralogia napolitana e integra uma das várias pistas e easter eggs presentes no volume. 

Além de Ferrante, Dia se inspirou também em autoras como  Virgínia Woolf, Clarice Lispector, Sylvia Plath, Ana Cristina César, Conceição Evaristo, Natalia Borges Polesso, Cristina Judar, Lélia Gonzalez e Gloria Alzandua. 

Serviço – O bate-papo ocorre nesta sexta-feira (2) às 12h no perfil www.instagram.com/baladaliteraria

Leia um trecho da obra aqui: https://www.editorapenalux.com.br/loja/image/catalog/PDF/9786558621119.pdf 

A compra do livro pode ser feita pelo site da editora: https://www.editorapenalux.com.br/loja/no-utero-nao-existe-gravidade 

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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