Diamantina é Diamantina: joia rara, única e singular

Foto: João Godinho

Corre o mundo a esplendorosa beleza e musicalidade de Diamantina. Dizem que em toda família diamantinense que se preze há um seresteiro. O fervor seresteiro originou a vesperata – a primeira foi em 1997 – um concerto em que, ao contrário da serenata, os músicos ficam nas sacadas dos sobrados e o público na rua. É pura magia!

Por Fatima Oliveira

A vesperata é uma releitura das tardes vesperais diamantinenses do século XIX, mas pode ser também uma herança de Chica da Silva, que possuía uma orquestra particular e um teatro na Chácara de Palha, onde foram encenadas as peças mais afamadas da época e as festanças eram abertas ao entardecer com passeio de barco no lago sob acordes de orquestra!

Tocada pela mosca azul das vesperatas, conheci Diamantina no último fim de semana, passeio inesquecível, com agradáveis pessoas amantes da música. A aura que emana de uma vesperata é indescritível. Não há palavras que a traduzam! O sarau do Coral Arte Miúda, na manhã de domingo, foi apoteótico. Ademais, Diamantina é uma obra de arte tão imponente e bela que dói. Talvez diante dela o poeta maranhense Bandeira Tribuzi diria que, como São Luís, ela evoca martírios, lágrimas e açoites. O resto é detalhe.

Tenho sensações estranhas diante da arquitetura colonial brasileira – uma beleza regada a sangue escravo. Detesto fazendas coloniais. Lembram-me a senzala e o estupro colonial! Quando dizem que não sou negra, mas morena de belos dentes, se há memória de vidas passadas, ela se apodera de mim: a sensação é que estou num mercado de escravos com um comprador de escravos examinando meus dentes, como era de praxe…

Talvez diante dela o poeta maranhense Bandeira Tribuzi
diria que, como São Luís, ela evoca martírios, lágrimas e açoites.
O resto é detalhe

Talvez eu não tenha ido antes a Diamantina porque não tenho assim um amooor pelas suas duas personalidades históricas mais expressivas, o presidente Juscelino Kubitschek e Chica da Silva. Não arder de amores por ambos não é o mesmo que não reconhecer o estatuto de personagens da história que possuem e em nada aumenta ou diminui suas bondades e ruindades. Vivi em Imperatriz, um produto exemplar do sonho desenvolvimentista de JK, onde ele é tido como mais que um pai, por causa da construção da Belém-Brasília.

“Foi ali no estreito do Maranhão que o caipira maranhense Caetano Costa – ainda hoje vivo em Porto Franco – entrou para o folclore nacional quando furou a segurança de JK, abraçou o presidente e lhe disse em altos brados: ‘Moreno, neste pedaço de chão onde o único esturro que a gente ouvia era o da onça, eu nunca pensei ouvir um dia o ronco de um avião. Foi preciso você resolver fazer essa estrada e essa ponte para que a gente visse aqui um avião e um caminhão. Você é um presidente jumento, seu Juscelino (…)’ Para Caetano Costa, presidente jumento era o mesmo que presidente trabalhador” (“Presidente Jumento”, Jurivê de Macedo).

JK, dotado de estilo mulherengo-sedutor, pautou sua vida (o pessoal é político!) pela dupla moral sexual. Chica da Silva, de ex-escrava, virou senhora de escravos. Há verdades, lacunas e mentiras homéricas sobre ela, mas é inegável que foi senhora de escravos! Figura mitológica, mereceu versos de Cecília Meireles – “Romance XIV ou da Chica da Silva” – : “… Vestida de tisso,/ de raso e de Holanda/ – é a Chica da Silva:/ – é a Chica-que-manda!/ Escravas, mordomos/ seguem, como um rio,/ a dona do dono/ do Serro do Frio./ (Doze negras em redor,/ – como as horas, nos relógios./ Ela, no meio, era o sol!)…” Cultuo intolerância ética pela dupla moral de JK e o ranço racista de Chica da Silva. E Diamantina? É bela, vale por si.

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