Agô, Exu! Mojuba!
Agô, Ogum! Mojuba!
Agô, Olojó Orixá Iansã e Xangô! Mojuba!
Boa tarde, Dra. Sueli Carneiro, Magnífica Reitora, cada uma e cada um!
Gostaria de agradecer o espaço da partilha da palavra, mas, sobretudo, a alegria de participar desta homenagem a nossa querida Sueli Carneiro, que é uma das mais notáveis intelectuais de nossos tempos. Seu pensamento e seu ativismo estão entrelaçados; vivendo seu pensamento e pensando seu ativismo, de modo a construir sólidas estradas para a construção mundos menos opressivos. Sua produção intelectual tem alimentado diversas gerações de intelectuais negras e negros, na academia e fora dela, oferecendo ferramentas para analisar nosso mundo.
Nossa homenageada pertence a uma geração de mulheres negras que além de lutarem diuturnamente para o enfrentamento das múltiplas formas de opressão, guiadas pelo racismo e o sexismo, atingindo as populações racializadas. Intelectuais-ativistas como, por exemplo, Lélia Gonzalez, Luiza Bairros e Beatriz Nascimento não apenas estiveram nas trincheiras da luta anti-opressiva e em defesa dos direitos humanos, como construíram ideias, conceitos, estratégias teóricas, horizontes críticos que nos permitem compreender o Brasil em sua intrincada complexidade.
Essas mulheres não são apenas intérpretes do Brasil, mas pessoas que, pensando a partir do que vivem, nos oferecem matrizes epistemológicas e políticas que nos mostram que não é possível compreender nossa sociedade sem entender as contradições constitutivas que a raça e o gênero desempenham, inclusive informando como as classes sociais se estruturam e funcionam. Essas ferramentas analíticas e políticas vêm fornecendo possibilidades potentes de entender o mundo e tomar decisões politicamente comprometidas diante do que compreendemos.
Esse compromisso para o qual estas ferramentas nos encaminham operam sempre a favor de uma coletividade, entidade essa ao mesmo tempo tão reivindicada e tão desprezada. Personalidades como as de Sueli Carneiro insistirão numa posição comunitária que se afaste da soma de meras individualidades. Estão em um projeto de coletivização da existência que passe por lutas de reconhecimento, por desconstruções de estruturas opressivas que findam por construir individualidades esfaceladas que pouco podem contribuir para o coletivo, para a comunidade. Os compromissos particulares fortalecem o comunitário apenas se estiverem forjados na interdependência e na complementaridade, que evita estrelismos, idiossincrasias, egoísmos impartilháveis.
Sueli comumente expressa esse compromisso com as ancestrais que a precedem, com suas coetâneas e com as gerações que a sucederão! Nunca um caminhar individualista. Em seu corpo, suas falas, sua história, as mulheres negras reverberam, em cada passo, como esteio de uma luta conjugada pelo pronome nós.
Sueli, como eu, é filha de Ogum, partilhando muitas características de nosso pai; dentre elas: é rigorosa, lutadora, estrategista, acolhedora, mobilizadora. E talvez a característica que mais amo em nosso pai e em Sueli é aquela que aparece em uma palavra da língua iorubá: asíwájú. Esta característica de Ogum e Sueli é aquela que indica a especificidade de quem anda, de quem vai na frente.
Se por um lado, asíwájú aponta para o pioneirismo de quem vai na frente, abrindo caminhos, construindo portas e abrindo-as para que outras pessoas possam passar, ela é também aquela mais sujeita às dores do caminhar por entre matas densas e regiões inóspitas para construir possibilidades para um coletivo. Isso torna a vida de quem vai na frente nem sempre invejável. Seu corpo é coberto de cicatrizes, de feridas que foram feitas nas aberturas das sendas.
Mas nada disso detém asíwájú. Ela segue caminhando, lutando e produzindo armas para si e para seu povo, para nutrir o coletivo, para fundar novas possibilidades, novas histórias. E esse é o momento em que nós, que viemos depois, precisamos também assumir compromissos diante do que asíwájú representa: se agora a pouco chamei a atenção de que Sueli veio abrindo caminhos sólidos para a construção de mundos menos opressivos, cabe-nos agora honrá-la, e honrar estes caminhos, fazendo deles nossos, caminhando por eles e aprendendo a coletivamente construir outros caminhos na busca de um mundo mais justo.
Como asíwájú, Sueli é generosa. Mesmo quando está aqui, para receber uma honraria da UnB, nos oferta sua história, sua trajetória, seus passos como presentes para que possamos aprender com ela e buscar que esses gestos-caminhos que a fizeram merecedora de reconhecimento também possam ser trilhados por outras pessoas negras, sobretudo outras mulheres negras que venham agora e depois. Aprender com ela a reverenciar os passos de quem caminhou antes. Aprender que na disputa antirracista, na disputa feminista, na disputa anti-opressiva, aprendemos muito sobre as histórias que se contam sobre nós, sobre quem somos e sobre quem podemos ser.
Obrigado Sueli, por ser exemplo para nós que – ativistas intelectuais, intelectuais ativistas – pensamos o mundo, buscando conhecê-lo para fazer dele distinto do que tem sido até agora. E obrigado por existir entre nós, conosco. Obrigado por ser.
E saiba, que neste jogo narrativo das honrarias, engrandecida e agraciada sai esta universidade, por ter você, de hoje em diante, como uma membra honrosa, e que precisará, por isso, também assumir o compromisso de que, sendo você asíwájú, é aquela que vem na frente para que muitas, muitas outras venham depois.
Adupé! Ngá Sakidila! Nzambi uá kuatesá!
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