Diversidade do povo brasileiro não está representada no cotidiano

As empreiteiras, a Justiça e a impunidade

Por: Mônica Francisco

A negação de um fato pode ter diversas causas ou motivos. Podemos negar pela simples negação ou podemos negar algo por conta da dor que isso nos causa, ou ainda pelo fato de não querermos reparar algo que sabemos ter uma ou ainda total parcela de culpa.

Negamos por orgulho, talvez, mas uma coisa é certa: ao negarmos, aquilo se torna mais e mais presente, e incomoda a ponto de gerar reações das mais adversas.

No caso do racismo brasileiro, cultivado com todo o requinte de crueldade e cinismo, nos desfere golpes a cada dia mais certeiros e nos dificulta a ação. Primeiro, porque para sanarmos um problema é necessário que se encare este problema de frente e se envide esforços para que ele não volte a ocorrer.

Em nosso caso, ele é muito mais difícil, pois se embrenha nas teias das burocracias institucionais e se faz interpretar por aqueles que nem de longe sentirão seu mortal aguilhão.

Homens e mulheres brancas fazem a interpretação do que é ou não racismo ou injúria racial. Primeiro, a tal injúria, suposto racismo, é impetrado contra cidadãos negros e cidadãs negras, logo, o próprio racismo guardado no interior de cada um, não os deixa “interpretar” o tal como tal.

Mas é só ouvir aqueles ou aquelas que sofreram o fato e perguntar se eles sabem exatamente do que foram alvos. O goleiro do Santos afirmou sem nenhuma contemporização ou hesitação, que tudo aquilo o havia ferido.

É isso meus caros e minhas caras leitoras(es), o racismo fere profundamente, deixa marcas visíveis e invisíveis. As visíveis estão nas ruas, logo ali na esquina mais próxima da sua casa, debaixo da primeira marquise ou do primeiro viaduto que você encontrar.

As visíveis estão nos alarmantes índices de evasão escolar e repetência. Estão nos manicômios, presídios e centros de reabilitação de “menores”.

Está na palavra “menor”, que te isenta de sentir o mal estar de dizer criança infratora, porque a criança deve ser protegida, até de si mesma e te desobriga de pensar duas vezes antes de afirmar com tom categórico que se deve, sim, reduzir a maioridade penal.

O futebol dá mais visibilidade pelo óbvio. Muita publicidade, pessoas famosas ou no mínimo conhecidas (no caso dos jogadores, árbitros e etc) estão envolvidas. há um exacerbamento das emoções e aí, pronto, o cenário perfeito e oportuno para que ele, o racismo , se mostre sem nenhuma máscara.

O que vamos esperar para botarmos na mesa esta carta? Mortes já temos, aliás, temos uma epidemia de jovens negros mortos. São quase quatro vezes maiores as chances de um jovem negro morrer do que as de um jovem branco.

As prisões já não comportam. São como os grandes navios negreiros, verdadeiras catacumbas de corpos com almas mortas. As favelas, controladas e palco das piores atrocidades, cheias de gente negra e pobre.

Mas eu sei que tudo isso é só um mero detalhe.Se não é, pelo menos parece.

Em um país que se pretende sério, com a pungência que tem, com uma mulher negra concorrendo ao cargo máximo da nação, está mais do que na hora, ou melhor, já passamos da hora.

Sim, porque, para crianças negras infratoras, estudos científicos que comprovem que elas têm um cérebro, ou atividade psíquica diferente do adulto não valem. Afinal de contas, nos Estados Unidos e na Europa não tem conversa, vacilou, dançou.

Mas é só olhar as prisões e reformatórios em questão e ver de fato a cor e, no caso destes dois exemplos, as nacionalidades ou famílias de origem destas crianças.

Quando estive em Seattle, nosso amigo David, ex-cônsul geral  aqui no Brasil, nos contou a história da cidade e do incêndio que destruiu parte dela em 1889 ( o mesmo ano de nossa Proclamação da República). Ele nos contou que a reconstrução foi feita sobre os destroços da velha cidade, ou seja, há uma nova sobre a velha, que recebe visitas desde 1965. É muito interessante, e ficamos muito tristes por não poder visitar a cidade velha por conta de nossos compromissos lá. David contou que, reza a lenda, que o incêndio foi provocado por uma vaquinha fujona, a vaquinha da senhora Ollery, que derrubou um poste com óleo e deu-se a desgraça. Não visitamos a cidade velha, mas a história da vaquinha ficou nos corroendo.

Um de nossos amigos brasileiros disse que talvez o Brasil precisasse de uma vaquinha. Não sei se precisamos de um incêndio, o que seria muito trágico, mas precisamos urgentemente de algo que nos ajude a construir nossa nação, como nação que inclua, considere e respeite a todos os seus cidadãos e cidadãs. Principalmente os negros e negras.

Não se pode admitir mais que uma mulher ou um homem negros não tirem seus passaportes porque usam cabelos blackpower. Não poderem ocupar postos de trabalho por conta de ter cabelo de negro. Crianças com cabelos crespos e blackpower serem obrigadas a cortar o cabelo para frequentar creches e crianças brancas com cabelo comprido, meninos e meninas não terem nenhuma restrição.

A diversidade do que é de fato a composição do povo brasileiro não está representada na realidade do cotidiano. É só você olhar em volta, ir ao shopping, tanto nos frequentadores, quanto na composição das lojas, a TV, os telejornais, as redações, os restaurantes, enfim, somos invisibilizados todo o tempo, menos quando nos pretendem alvo da violência  e do escárnio.

“A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO e ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!”

*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.(Twitter/@MncaSFrancisco)

Fonte: Jb

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