‘Diziam: voltem para a terra de vocês’, conta mulher de haitiano morto em SC

Polícia apura crime de ódio; 2 adolescentes suspeitos foram ouvidos. Viúva diz que grupo atacou homem com pá, facas e objetos de marcenaria

FONTEDo G1

A Polícia Civil de Santa Catarina apura crime de ódio contra o haitiano Fetiere Sterlin, de 33 anos, morto no último sábado (17) a facadas em Navegantes, no litoral Norte catarinense. Nesta terça-feira (20), a mulher dele contou detalhes do crime, que ocorreu depois que um grupo de jovens e adolescentes xingou o haitiano. “Chamaram de ‘macici’ [homessexual na língua crioula], diziam: voltem pra terra de vocês”, contou a brasileira Vanessa Nery Pantoja.

O haitiano teria respondido às provocações. “Daí eles passaram, meu marido não ligou, só falou: ‘macici é você’. Não ligou, nem virou, continuou de costas”, disse Vanessa. Segundo ela, um dos rapazes ameaçou: “Se ‘macici’ sou eu, eu vou voltar pra matar você”.

Vanessa estava com o marido haitiano no momento do ataque (Foto: Reprodução/RBSTV)
Vanessa estava com o marido haitiano no momento
do ataque (Foto: Reprodução/RBSTV)

Pouco depois, quando o casal estava sentado na frente de casa, o grupo retornou com objetos de marcenaria, pá e facas, segundo Vanessa. “Começaram nos agredindo. A maioria foi pra cima do meu marido. O resto foi avançando em cima de nós.  Só via eles dando golpes. O adolescente mais velho, de faca, e outros meninos batendo com o que tinham na mão”, contou a mulher.

O haitiano foi ferido por vários golpes de faca e morreu a caminho do hospital. “Ele era uma pessoa boa, boa índole, não devia. Foi trágico muito trágico. Ele não merecia”, diz a companheira.

Pelo menos quatro pessoas  já prestaram depoimento na delegacia de Navegantes, entre elas, amigos de Fetiere Sterlin e dois adolescentes suspeitos de envolvimento no assassinato. Ninguém foi preso, segundo a polícia.

Polícia apura xenofobia

A Polícia Civil está atrás de mais testemunhas que possam ajudar a esclarecer o crime. Algumas pessoas já foram mapeadas mas estariam com medo de se envolver nas investigações. Os  policiais também buscam imagens de câmeras de segurança da região onde o haitiano foi assassinado.

“No primeiro momento o boletim foi registro de latrocínio, o que não deixa de ser, porque depois que efetuaram o crime, levaram um celular da vítima. Mas tudo indica que começou pelo fato do preconceito racial e xenofobia”, afirma o delegado Rodrigo Coronha, responsável pelas investigações.

Corpo não foi liberado

O corpo de Fetiere seguia nesta terça-feira no Instituto Médico Legal de Itajaí. Segundo o IML, falta uma autorização de um parente de primeiro grau para que o corpo seja liberado para enterro em Navegantes.

“Ele vivia maritalmente com a mulher, mas não eram casados no civil. Um primo-irmão dele chegou a enviar um documento, mas, por não ter o mesmo sobrenome, não foi reconhecido”, disse o presidente da Associação dos Haitianos de Navegantes, João Edson Fagundes. Um novo documento deveria ser encaminhado ainda nesta terça, informou ele ao G1.

Haitiano foi morto após confusão em rua
(Foto: Reprodução/RBSTV)

Conforme o relato da mulher e de haitianos que vivem na comunidade onde morava Fetiere ao presidente da associação, pelo menos 10 pessoas participaram do crime.

“A maioria era adolescente, com envolvimento no tráfico de drogas. Mataram após um bate-boca, uma confusão por falta de instrução”, disse Fagundes.

Haitianos em Navegantes

Segundo Fagundes, quando a associação foi criada, em 2014, cerca de 500 haitianos haviam escolhido Navegantes para morar e trabalhar. Em 2015, o número não deve passar de 200 pessoas, com a crise econômica e o fechamento de oportunidades de trabalho. Fetiere trabalhava no setor naval.

“Na associação  recebemos reclamações diariamente de haitianos, seja no seu trabalho, no dia a dia. Ao passar pelas ruas são chamados com termos jocosos, palavras de baixo calão e suportam provocações”, afirma.

Ele relembra um dos casos mais emblemáticos até então. “No ano passado, um haitiano se envolveu com a mulher de um traficante e foi jurado de morte, mas sobreviveu depois de um ataque. Não havia até então nenhum crime registrado por xenofobia”, contou Fagundes.

Fagundes diz que, nas redes sociais, há registros de jovens de Navegantes que dizem que os haitianos estariam tirando o trabalho de moradores da cidade, mas os registros não se tornaram boletins policiais.

O haitiano Arcanjo Joseph Junior, que vive há quatro anos em Navegantes, confira os episódios de hostilidade. “Se a pessoa sabe que eu não entendo, ele fala outra palavra pra xingar”. Desempregado, ele diz que está pensando em ir embora do Brasil.

Auxílio da Polícia Federal

Nesta terça, o Ministério da Justiça enviou nota em que lamentou a morte do haitiano. O ministro, José Eduardo Cardozo, determinou à Polícia Federal que “sejam tomadas providências cabíveis para auxiliar e apoiar” a polícia de Santa Catarina nas investigações.

Segundo a nota, “além de criminoso, o episódio ofende nossa histórica tradição de acolhida e respeito aos imigrantes que vêm ao Brasil construir suas vidas e que ajudaram, e ajudam, no desenvolvimento socioeconômico do País”.

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