Djamilas, Silmaras, Marielles: mulheres pretas que movimentam as estruturas do mundo

Sistemas de opressão são alicerçados pelas intersecções de: raça, classe e gênero, capacidades físicas e mentais na sociedade

por Márcio Anastácio no Jornalistas Livres

imagem-Jornalistas Livres

Se tem um movimento no Brasil que hoje tem inspirado mulheres ativistas no mundo inteiro , lançando curiosidade na imprensa internacional e organizações ativistas, ele denomina-se feminismo negro.

Historicamente construído pelo movimento das Panteras Negras na década de 70 nos Estados Unidos, é também disseminado no meio acadêmico brasileiro como feminismo interseccional.

O conceito de intersecção, cunhado pela professora norte americana Kimberlé Crenshaw em 1989 respalda-se na visão de que as mulheres experimentam a opressão em configurações variadas e em diferentes graus de intensidade.

Deste modo,os sistemas de opressão são alicerçados pelas intersecções de: raça, classe e gênero, capacidades físicas e mentais na sociedade .

Por isso, a mulher negra em atual contexto de avanço conservador nos últimos 3 anos tem enfrentado o processo de aprofundamento do racismo, sexismo e agudização dos índices de desigualdade social em seus territórios de moradia.

Segundo O Ministério da Saúde, o número de mulheres negras assassinadas em função de gênero cresceu 54% enquanto o índice das mulheres negras assassinadas caiu dez por cento de dois mil e três a 2013.

A mortalidade materna atinge 56% das mulheres negras e violência obstétrica, 65%.Segundo o IPEA , 14, 2% das mulheres negras com idade superior a sessenta anos são analfabetas e apenas 5,2% das mulheres negras no país atingem o Ensino Superior.

Ainda assim diante da situação de extrema vulnerabilidade social, a postura de resistência e construção coletiva das mulheres negras pertencentes a população brasileira tem chamado a atenção de referências negras mundiais como: Ângela Davis, Chimamanda Adiche e Viola Davis. Ao visitar o Brasil por diversas vezes, a importante ativista mundial e professora filósofa Ângela Davis afirmou que o feminismo negro brasileiro tem exercido papel de referência para todos outros movimentos de mulheres no mundo.

Ângela enfatiza que sua inspiração em especial advém do movimento de mulheres negras nos estados da Bahia e Rio de Janeiro, através da inserção na luta contra o genocídio do povo negro nas favelas e periferias.( UFBA- 2017)

Mas que situações atuais evidenciam este elemento diferencial de resistência no conjunto das mulheres negras?

Elucidaremos aqui duas diferentes situações recentes de mulheres negras inseridas em diferentes espaços de sociabilidade e posição de visibilidade além da referência de “Marielle” como simbologia de bravura na luta cotidiana de todas nós.

A situação mais recente envolve a intelectual negra e mestre em Filosofia Política Djamila Ribeiro e a ex presidenta da República Dilma Roussef no aeroporto de Madrid ( Espanha).

Djamila foi responsável por incentivar e difundir nos últimos anos, as discussões nos diversos espaços referentes a produção intelectual de negras e negros além de fomentar debates de suma relevância para a auto organização do feminismo negro brasileiro.

A mesma relatou em suas contas de pessoais do Instaram e Facebook que ao realizar o procedimento do checkin no aeroporto de Madrid, notou que brasileiros presentes no local insultavam a ex presidenta Dilma.

Uma destas pessoas chegou a dizer que a ex presidente teria o mesmo destino da vereadora assassinada Marielle Franco. Djamila enfrentou o grupo, defendendo a além de protegê la até a sala de embarque e discutindo de maneira incisiva diante de um novo ataque do grupo, chamando os de “ignorantes” e “desumanos”.

A autora como muitas figuras públicas do país, poderia ter escolhido somente a postura de proteção e apoio a Dilma, silenciando se diante dos absurdos proferidos por um grupo violento e assim evitando a chamada “exposição”.

Preferiu a conduta do enfrentamento de debater publicamente com estas pessoas e a coragem na denuncia do relato na rede social .

É pertinente relembrar que Dilma em seu exercício no Poder executivo foi alvo de ataques misóginos mais agressivos que se possa imaginar a uma chefe de estado como ser lembrada como “ vaca” ou “vadia” em manifestações pró impeachment pelo campo adversário e chegar a ter reproduzida sua imagem em adesivos de carro com as pernas abertas em que se simulava a introdução da bomba de gasolina na sua vagina.

Em outra situação de natureza mais grave e de grande comoção nacional, envolve a mulher negra Silmara Cristina de Moraes, merendeira de uma escola pública.

O massacre da escola de Suzano em que dois criminosos encapuzados invadiram a Escola Estadual Raul Brasil no dia 13 de março deste mês, provocou a morte de dez pessoas ( oito alunos e dois professores da escola.

No momento do ataque, Silmara servia merenda para cerca de cinqüenta crianças num refeitório da escola. Ouviu “ pipocos” de tiros e neste mesmo momento, as crianças começaram a entrar em pânico.

A mesma abriu a cozinha e começou a colocar o máximo de crianças possível para dentro do recinto e pediu que todas as crianças se deitassem no chão.

Teve a ideia de construir uma barricada com freezer e geladeira para a proteção dos alunos e se posicionou na direção dos disparos.Silmara ocupa uma das profissões mais precarizadas do setor da educação brasileira na atualidade. As merendeiras além de possuírem remunerações muito baixas, frequentemente se deparam com condições de trabalho indignas e sobrecarga de funções nos espaços escolares.

Os marcadores de ” raça” e “gênero” representados por maioria de mulheres negras são determinantes para a subalternização e precarização desta profissão historicamente. Desta maneira, lembrando o enredo campeão da Mangueira deste ano, Silmara é a representação do “ país que não está no retrato” ou a “ heroína não emoldurada” na história oficial das páginas do livro didático.

E o que Marielle tem a ver com as posturas de resistência de duas mulheres pretas com realidades sociais tão díspares?

Marielle como vereadora, mulher preta e favelada, conhecia a realidade de inúmeras outras mulheres expostas às desigualdades do capitalismo e tinha a compreensão de estas questões são fruto das decisões das instituições burguesas e esfera política de uma sociedade racista e misógina.

Ela compreendia as representações políticas enquanto espaço de participação coletiva da população e de instância da democracia. Sendo assim, o povo deveria ter intervenção direta na formulação conjunta de políticas públicas para: educação, saúde transporte, segurança pública e direitos das mulheres.

Quando Djamila questiona o estado democrático de direito do nosso país, clamando pelo direito de ir e vir de uma ex presidenta mulher, ela incorpora a resistência de Marielle! Quando Silmara põe o seu corpo preto à prova de morte, defendendo dezenas de educandos da escola pública e a possibilidade de seguimento destas trajetórias escolares, ela incorpora a resistência de Marielle!

Que possamos ser sinônimo sempre do substantivo feminino “resistência” , garantindo a nossa “existência” nos diferentes espaços de opressão que colocados nossos corpos à prova cotidianamente.

Assim, como lembrou a importante ativista Maya Angelou em seu poema inspirador na luta anti racista: “ Trazendo a dor dos meus antepassados, eu carrego o sonho do homem escravizado. Eu me levanto!”. Que possamos movimentar as estruturas do mundo em nossos coletivos, princípio fundamental da Pantera “Davis”.

Mariana dos Reis é professora do Instituto Benjamin Constant, doutoranda em educação e militante no campo anti racista, de educação e feminista interseccional

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