DJs indígenas militam em favor de igualdade racial e de gênero

Ornamentada. Com acessórios típicos, Cris Pantoja toca samba raíz, coco carimbó e músicas de rituais indígenas Foto- Fábio Guimarães : Agência O Globo

Cris Pantoja e Renata Machado caíram na profissão de paraquedas e hoje fazem voos altos em busca da desconstrução de preconceitos contra suas origens

por Priscilla Aguiar Litwak no O Globo
Ornamentada. Com acessórios típicos, Cris Pantoja toca samba raíz, coco carimbó e músicas de rituais indígenas Foto- Fábio Guimarães : Agência O Globo

Elas são mulheres, mães, indígenas e utilizam a música popular brasileira para militar sobre suas raízes. Niteroienses, Cris Pantoja, de 36 anos, e Renata Machado, a Aratykyra, de 29, não se conhecem pessoalmente, mas têm muito em comum. Tornaram-se DJs por acaso e hoje chamam a atenção não só pelo talento, mas pelo ativismo contra preconceitos e esteriótipos acerca da cultura indígena .

Da etnia Sateré-mawé, a mãe de Cris morava numa comunidade ribeirinha, na Amazônia, no Pará, e veio a Niterói em busca de uma vida melhor. Cris conta que cresceu sem propagar que era indígena por medo de julgamentos. Já adulta, passou a trabalhar numa empresa de som no Jacaré, Zona Norte do Rio, quando foi escalada para ser técnica de som, na Toca da Gambá, casa de samba no Barreto. Não demorou muito para se tornar DJ. A profissão que abraçou há sete anos coincidiu com o período em que ela começou a se aprofundar em suas origens, o que fez com que, além de tocar samba, passasse a apresentar gêneros com ligações indígenas, como coco e carimbó, e sempre vestindo ornamentos típicos, como maracás e artesanato.

— Minha mãe veio para Niterói para não passar fome no Pará e conheceu meu pai, branco. Eu e meus irmãos nascemos aqui e crescemos com receio do que as pessoas podiam pensar da gente. Ainda hoje existe muito preconceito com os indígenas, muitas pessoas não entendem que nós também estamos na cidade e não só no mato — explica.

Cris conta que a vocação para DJ foi descoberta depois que ela passou a levar seus vinis de samba para a Toca:

— E então as pessoas pediam para que eu tocasse. Meu trabalho hoje tem o objetivo de, além de divulgar a música do nosso país, desconstruir preconceitos e lutar pela igualdade de raças e gênero.

NI – Niterói (RJ) 13/05/2019. Djs Indígenas – Rádio Yande – Ponte da Ilha da Boa Viagem. Foto: Gabriela Fittipaldi / Agência O Globo Foto: Gabriela Fittipaldi / Agência O Globo

Hoje, Cris mora com os filhos Raul, de 9 anos, e Caetano, de 3, na Engenhoca e vive do trabalho como DJ, tocando em casas de samba e outros estilos em Niterói e no Rio.

Já Renata Machado, conhecida como Aratykyra, da etnia Tupinambá, alia a profissão com a vida de jornalista, roteirista e de produtora cultural. Ela ainda apresenta o podcast Originárias, sobre artistas e músicos indígenas do século 21. Criada no Fonseca, é voluntária em projetos sociais com objetivo de fortalecer sua origem desde os 16 anos e, ao lado de Anápuáka Tupinambá e Denilson Baniwa, é co-criadora da Rádio Yandê, primeira web rádio indígena brasileira fundada em 2013, com acesso de mais de 60 países. Renata passou atuar como DJ nas playlists de músicas indígenas da rádio e em oficinas realizadas pelo veículo Brasil afora:

— Na adolescência, quando minha avó materna morreu, senti a responsabilidade de continuar passando a nossa memória para outras gerações. Então comecei a procurar parentes na Bahia e a entender que grande parte das pessoas da mesma etnia também fazem essa busca.

Renata reforça que busca valorizar a história de sua família e criar projetos voltados para o fortalecimento da população indígena.

— Pessoas da minha família morreram assassinadas, sofreram perseguição durante anos por causa da nossa origem. Tiveram que lidar com muitas dificuldades na cidade, mas conseguiram sobreviver e me ensinaram uma lição de superação. Agora, trabalhamos na Yandê para propagar a cultura indígena fora das aldeias e ser um espaço coletivo para que indígenas de vários cantos do país sejam protagonistas da própria história. Toco apenas de indígenas.

Renata e a família — o marido Valdevino Cardoso, também indígena, e o filho Kali Sini, de 3 — dividem-se entre Niterói, Saquarema e a aldeia Terena, em Aquidauana, no Mato Grosso do Sul, onde está a família de Valdevino.

— Não temos residência fixa. Este ano devo retornar à Bahia para auxiliar um projeto dentro do território indígena Tupinambá de Olivença. O trabalho não pode parar — sentencia Renata.

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