Desconectar é um direito. Desconectar do trabalho, desconectar do celular. Daí a necessidade de reconhecer o direito a desconectar
Por JOSEBA ELOLA, do El Pais
Hipnotizados. De cabeça baixa. Absortos com a tela, pulando de uma conversa do WhatsApp para outra, num esforço para responder às mensagens que se amontoam. Checando a bolinha vermelha do Facebook, o email, o Snapchat, a última curtida no Instagram. Pendentes também do grupo de mensagens instantâneas que o chefe inventou de criar para passar instruções a qualquer momento, na hora que for, tanto faz, vamos estar sempre aí, disponíveis, acessíveis, localizáveis, preparados para vestirmos o macacão do funcionário disposto. Essa é a norma que aparentemente se impôs na cultura trabalhista (e das relações sociais) sob a luz das novas tecnologias; algo sobre o que, talvez, não tivemos muito tempo para refletir. É possível viver assim? É conveniente?
A hiperconectividade se instalou sem regras de etiqueta, sem códigos de conduta definidos, sem protocolos, sem tempo para processarmos seu impacto. Mas os comportamentos sociais, às vezes abusivos, já criaram a necessidade de legislar, como acaba de fazer a França.Desconectar é um direito. Desconectar do trabalho, desconectar do celular. Daí a necessidade de reconhecer o direito a desconectar.
Existe um código – variável, com diferentes versões, mas estabelecido – sobre como se portar à mesa com outros comensais. Sobre o que fazer se um idoso entra no vagão metrô. Do que dizer quando alguém faz algo por nós, “muito obrigado”. Sobre o celular, porém, ninguém nos ensinou nada. Nós o desbloqueamos entre 80 e 110 vezes por dia, segundo estudos da Apple e do fabricante de aplicativos Locket. Ele se instalou tão rapidamente nas nossas vidas que não houve tempo de consolidar normas de convivência. Predomina o uso desordenado, caótico, às vezes selvagem. E assim vamos levando.
A França, como sempre pioneira em questões trabalhistas, foi a primeira a tomar providências. Desde 1º. de janeiro, todas as empresas com mais de 50 funcionários devem estabelecer, em comum acordo com a força de trabalho, horários determinados de conexão ao celular e à Internet. Os empregados têm o direito de desfrutar de 11 horas de descanso entre duas jornadas de trabalho.
Não é o único lugar onde medidas desse tipo foram adotadas. Mais de cem municípios da Catalunha (nordeste da Espanha) já aderiram a uma reforma que pretende “humanizar” os horários, a fim de que as pessoas possam recuperar suas vidas fora do escritório – o que significa não marcar reuniões para depois das 16h e não enviar e-mails a partir das 18h, numa iniciativa batizada de Rede de Cidades e Povoados pela Reforma Horária. Na Alemanha, a Volkswagen implantou um bloqueio de acesso ao email do celular entre 18h15 e 7h da manhã seguinte. Está em marcha um processo de certa desconexão.