É melhor ser alegre

Nos mesmos anos em que tive perdas irreparáveis, houve coisas incríveis. A vida é complexa como uma chuva e um arco-íris. Como vou ser triste? Sendo

FONTEO Globo, por Ana Paula Lisboa
A escritora e ativista Ana Paula Lisboa (Foto: Ana Branco / Agência O Globo)

A trend “Como eu vou ser triste se em 2024…” está rolando em praticamente todas as redes sociais e é uma das melhores e piores coisas do ano. Levando em consideração que “manifestar” foi eleita a palavra do ano pelo Dicionário Cambridge, até faz sentido esse dezembro cheio de fotos e vídeos de pessoas que realizaram coisas em 2024 e querem contar para todo mundo.

Um passo atrás: a definição do Cambridge é que manifestar são “métodos, como visualização e afirmação, para ajudá-lo a imaginar a conquista de algo que deseja, acreditando que isso tornará o objetivo mais provável de acontecer”.

Dois passos atrás: uma trend é uma expressão de jovem (ou de publicitários) para uma tendência, algo que está se tornando popular ou amplamente adotado em determinado período. Nas redes sociais, é uma coisa que jovens (ou pessoas com disposição) produzem. Geralmente é um tópico, um formato de conteúdo, uma hashtag, um meme, ou um desafio.

Voltando ao ponto, dialoga com a narrativa neoliberal da meritocracia e que cada um deve cuidar 100% de si, inclusive ajudando o Universo (ou Deus) a te ajudar. E quando “tudo” dá certo, o mundo precisa saber, porque isso engaja e atrai marcas.

E até aí tudo bem (já não estava nada bem), porque eu juro que gostei de ver a enxurrada de justificativas, que vão desde sonhos grandiosos até prazeres quase banais, mas igualmente potentes.

As vitórias alheias são instagramáveis: viagens, crianças nascidas, cursos terminados, alianças no dedo, pôr do sol, passeios de bicicleta, corpos sarados. Mas depois começou (como tudo na internet) a virar uma competição de quem sofreu menos esse ano. E, de verdade, não faltam motivos para ser triste, individual e coletivamente.

Pensei isso muitas vezes, pois, nos mesmos anos em que tive perdas irreparáveis, aconteceram coisas incríveis. A vida é tão complexa como uma chuva forte e um arco-íris no céu. Como eu vou ser triste? Sendo.

Para mim, o humor, o amor e a ironia viraram ferramentas de sobrevivência emocional. Não é sobre ignorar as dificuldades, mas sobre encontrar brechas no cotidiano para o que nos dá alegria. Como se disséssemos: “Sim, a vida tem sido pesada, mas olha só o que vou fazer para contrabalançar.” Se não for assim, como será?

E aí está o segredo: muitas das respostas à pergunta não falam de conquistas extraordinárias, mas de pequenos gestos de autocuidado e prazer. Algo simples como assistir mais vezes ao pôr do sol ou experimentar uma das centenas de receitas salvas naquela pasta.

E eu até posso não ser exatamente triste, mas eu sou reclamona, eu reclamo e acho que o livre arbítrio serve para isso. Às vezes, ligo o cronômetro só para reclamar, conto o tempo, xingo alto, dou uma choradinha e depois volto ao trabalho, que o tempo corre. A gente sabe, de um forma ou de outra, que “é melhor ser alegre que ser triste”.

Certa está Letrux, que sobre a trend escreveu: “Não vai haver estado pleno, não vai acontecer uma manutenção perene da felicidade, nem com todo remédio do mundo. Estar viva é essa birutice de jornada, com direito a buracos terríveis e pistas suaves com vista para o mar.”

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