É urgente a indicação de uma mulher negra para o Supremo

Último país a abolir escravatura na América, temos urgente lição de casa a fazer

FONTEFolha de São Paulo, por Tom Farias
Ketanji Brown Jackson, primeira ministra negra da Suprema Corte dos EUA - Foto: Elizabeth Frantz/Reuters

Quando a juíza Ketanji Brown Jackson assumiu uma cadeira na Suprema Corte dos Estados Unidos, no ano passado, ela se tornou a primeira mulher negra a ser nomeada para o cargo em 233 anos, ou seja, desde 1789, data da criação do órgão superior.

No Brasil, a origem do atual Supremo Tribunal Federal data de 1808, com a chegada da Corte Portuguesa, encabeçada pelo príncipe-regente dom João Maria de Bragança, futuro rei dom João 6°, que se transfere de Lisboa para o Rio de Janeiro, então capital da colônia do império português.

Hoje estamos próximos de mais uma nomeação para a Suprema Corte brasileira e o debate surge de forma premente e necessário: a nomeação de uma mulher negra, claro, de reconhecido valor e competência, para um dos postos mais importantes do país.

Desde a criação da corte brasileira lá se vão 215 anos sem que uma única mulher afro-brasileira tenha sido nomeada entre os 11 membros do egrégio colegiado. É um absurdo. Uma infâmia. Uma desonra, em especial, para as mulheres negras, e mostra, ao mesmo tempo, o resquício do Brasil colonial e os elos que o prendem à escravidão e ao atraso à questão de gênero e raça sobre sua legislação e diretriz política.

A história da corte brasileira tem sido uma vergonha quando se fala de afrodescendentes. Com a instauração do período republicano, sabe-se do acesso de três magistrados negros no Supremo Tribunal: Pedro Lessa (1907), Hermenegildo de Barros (1919) e Joaquim Barbosa (2003).

Durante o primeiro e segundo reinados do Império brasileiro, a Alta Corte teve alguns membros afrodescendentes, com destaque para o baiano Francisco Carneiro de Campos (1765-1842), que, além do STF da época, foi ministro “dos Negócios Estrangeiros”, hoje equivalente à Relações Exteriores, e senador da época da monarquia, de 1826 a 1842.

O presidente Lula cumprirá um papel histórico que Barak Obama não cumpriu nos seus dois mandatos na Presidência dos Estados Unidos –o presidente afro-americano nomeou duas mulheres brancas para a alta corte: Sonia Sotomayor, em 2009, e Elena Kagan, no ano seguinte.

Nos governos dos quatro presidentes de sangue negro-africanos da história brasileira –os pardos Campos Sales (1842-1913) e Washington Luís (1869-1957) e os pretos Rodrigues Alves (1848-1919) e Nilo Peçanha (1867-1924)—, nenhum deles fez nomeação de homens negros para o posto que, com a Proclamação da República, passa a ter a denominação de “Federal”.

Até quando a nação deve aceitar esta hipocrisia nacional nas esferas da política e da magistratura brasileiras? O governo não indica, o Congresso não proclama e o Supremo não acolhe demandas.

Um movimento liderado por centenas de juristas e entidades do campo do direito e social encaminhou à Presidência da República, no início do mês, o “Manifesto por Juristas Negras no Supremo Tribunal Federal”.

Ao destacar as reais “ausências que arranham” tal investidura e a falta de “capacidade de percepção da realidade”, o documento ressalta “a efetiva interdição às mulheres negras da ocupação de vagas” no STF. Além do mais, o manifesto evidencia que tal postura na superfície não tem a ver com competência, mas pode estar diretamente ligada ao racismo:

“Evidentemente, há muitas mulheres negras com notório saber jurídico e reputação ilibada, que assim preenchem os requisitos constitucionais para serem ministras do STF. Ademais, muitas são também comprometidas com o espírito emancipatório e progressista inerente à nossa Constituição Federal e com os direitos de trabalhadoras e trabalhadores em geral”.

As flagrantes evidências estão postas e a oportunidade de mudar o marco excludente e desagregador também.

Se não quiser continuar sendo um país violento e racista contra as mulheres negras —violência e racismo que se perpetuaram, como último país na América a abolir a escravidão, embora ela se ainda manifeste na categoria de “análoga”, o que é, na verdade, uma excrescência jurídica—, o Brasil tem uma urgente lição de casa para fazer.

Com a palavra, os Três Poderes do país.

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