Educação básica é etapa crucial para instituir uma política de equidade

É preciso melhorar as estruturas de redes de ensino onde estão populações vulnerabilizadas

FONTEFolha de São Paulo, por Cida Bento
Retrato da psicóloga Cida Bento, que é diretora-executiva do Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)

Desde 2020, nutrimos a expectativa de que o país pode estar se aproximando de ingressar numa fase muito promissora de redução das desigualdades socioeconômicas e raciais na educação básica.

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), alterado em 2020, tornou permanente o mecanismo central de financiamento da educação básica ao aumentar a participação da União no custeio de matrículas públicas e modificar o modelo de redistribuição de recursos.

Essa é uma conquista do movimento negro e de instituições educacionais que se organizaram para que a letra «R» do Vaar (Valor Aluno/Ano por Resultado) fosse alterada para “Raça”, de forma que os recursos fossem destinados a redes que apresentassem redução de desigualdades raciais e socioeconômicas.

A complementação orçamentária, principalmente considerando a condicionalidade 3 do Fundeb, que demanda efetiva redução das desigualdades socioeconômicas e raciais para o acesso aos recursos, trará avanços significativos para o atendimento escolar, melhoria do desempenho e permanência na escola, constituindo-se numa potente política pública de indução da equidade racial, entre outros avanços.

Aliás, vale ressaltar que se constata pela primeira vez em instrumentos legais o reconhecimento formal de que as desigualdades socioeconômicas e raciais devem ser enfrentadas concretamente, para que se alcancequalidade sistêmica na educação básica.

Neste ano de 2023, 34% das redes de ensino cumpriram a condicionalidade de reduzir as desigualdades socioeconômicas e raciais e se tornaram elegíveis para receber o recurso. Ou seja, esse resultado nos explicita que podemos, sim, implementar essa política. Aqui e agora!

Uma análise da distribuição dos valores de complementação do Vaar em 2023, feita pelo Instituto Unibanco, mostra que estamos no caminho certo, pois o resultado aponta favorecimento de municípios com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e com maior presença de população negra.

Precisamos ampliar rapidamente esse percentual de redes de ensino que conseguem alterar as desigualdades socioeconômicas e raciais, mas esse resultado já sinaliza para os demais municípios brasileiros que o acúmulo de saberes e fazeres produzidos por diferentes segmentos da sociedade civil organizada, órgãos governamentais, movimento negro e de mulheres negras e organizações que atuam no campo educacional são um acervo fundamental e disponível para subsidiar o trabalho de gestores e educadores de todo o Brasil.

Se queremos fortalecer a democracia e implementar um modelo de desenvolvimento que contemple todos os brasileiros, a equidade é um valor fundamental. E a educação básica é uma etapa crucial para que se institua essa política de equidade.

Muito há que se fazer no aprimoramento das políticas e práticas do campo da equidade racial na educação básica, mas esse aprimoramento segue simultâneo à implementação da política.

É necessário investir na melhoria da coleta e tratamento do dado cor/raça e no aprimoramento de indicadores que tragam mais e mais precisão para as análises sobre a dimensão racial no contexto educacional das desigualdades, de forma que as políticas públicas possam ser permanentemente aprimoradas

Precisamos melhorar as condições estruturais das redes de ensino onde estão as populações vulnerabilizadas e as condições de trabalho de professores e gestores e investir na produção de materiais didáticos e brinquedos que contribuam para uma política de equidade na educação básica.

E esse trabalho de aprimoramento deve ser feito numa construção conjunta entre especialistas e gestores públicos, em diálogo com a sociedade civil organizada.

Só conseguiremos alterar nossos dados internos e o lugar do Brasil nos índices internacionais de avaliação da educação se resolvermos o problema da desigualdade, que atinge mais da metade da população brasileira.

Precisamos que todas as crianças, adolescentes e jovens brasileiros se beneficiem do direito constitucional à educação de qualidade como aprendizagem efetiva.

-+=
Sair da versão mobile