A educação do racismo – Por: Vanessa Carvalho

RICHARD HUTCHINGS / Getty Images

[…] descobri uma lei sublime, a lei da equivalência das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, a fim de que a moral possa arejar continuamente a consciência.

Machado de Assis,

Memórias póstumas de Brás Cubas

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As ações afirmativas são destinadas às minorias na busca pela equiparação e igualdade de oportunidades, na tentativa de concretizar uma sociedade justa. Sabemos que muitas das desigualdades econômicas e sociais são geradas por descriminações raciais, étnicas, religiosas, de gênero e de sexualidade, e para alcançar essa tão sonhada igualdade, é necessária além da liberdade do corpo e consciência, também condições equitativas.

Aristóteles entendia a possibilidade de uma pessoa ter mais que a outra, mas para isso seria necessária conquistar por mérito próprio, este entendimento foi distorcido, pois o autor diz que o mérito só pode existir havendo condições iguais concretamente de desenvolvimento e se daria em relação àquele com quem está concorrendo e não ao objeto pretendido, ou seja, se duas pessoas tiveram a formação parecida ou igual e sendo apresentadas a ambas o mesmo problema, a vitória de um deles se dará por mérito, portanto, as ações afirmativas destinadas às minorias visa a busca de uma equiparação na formação e nas oportunidades, que, como veremos, sempre foi negada à elas.

Na busca por concretizar uma sociedade justa, não poderão existir desigualdades que torne impossível a existência do mérito, assim, devemos buscar a igualdade plena; a distribuição dos benefícios destinados aos cidadãos livres, preferencialmente, deverão ser feitos para amparar as minorias, os desvalidados. Segundo John Rawls, para que possa diminuir as desigualdades sociais e as sociedades sejam consideradas justas são necessárias políticas afirmativas.

A medida interventiva para aparar as desigualdades a fim de termos uma sociedade justa são as ações afirmativas, que abordaremos neste texto, dando ênfase à política afirmativa inserida na educação básica, nos termos da Lei 10.639 de 2003.

No presente artigo, iremos abordar as estruturas a partir do período escravista, os mecanismos políticos, econômicos e religiosos que justificaram o regime do trabalho forçado durante décadas; as estruturas classistas no capitalismo imperial e contemporâneo; a falsa ideia de superioridade entre raças; a mítica da democracia racial; e os movimentos sociais negros na resistência contra a desigualdade racial.

A importância de abordarmos o racismo dá-se em razão de ser uma das motivações das desigualdades sociais e econômicas, tamanha é a força desta ideologia, que tornou-se desnecessárias novas justificativas. O racismo estrutural foi absorvido pela sociedade no decorrer das décadas tornando sua existência inquestionável, se perpetuando no tempo e espaço.

Em princípio devemos compreender que o racismo nasceu das ideologias criadas para legitimar e justificar a escravidão diante de uma opinião pública que pela primeira vez se formou naquele período, primeiro por influência do cristianismo seguido pelo darwinismo.

Com ascensão das seitas cristãs e posterior sincretismo (unificação das seitas em uma única religião), surgiu a difusão de uma ideologia religiosa para justificar o regime escravista que vigorava, essa interpretação bíblica, legitimava o trabalho forçado. Os representantes da religião diziam que os africanos eram amaldiçoados pela sina de Cam, filho de Noé, que teria cometido contra seu pai um pecado grave. Cam teria narrado para seus irmãos a nudez de seu pai, presenciada após Noé ter se embriagado com vinho; ocorrido após o dilúvio. No dia seguinte, Noé, descobriu o sucedido que, por fim, teria resultado na maldição de Cam, colocando-o como inferior e servo de seus irmãos, e, consequentemente, também seusdescendentes os cananeus seriam servos, cumprindo esta sina.

A interpretação era no mínimo duvidosa, os especialistas teólogos na atualidade tomam posição diversa. Dizem que foram amaldiçoadas as terras de Canaã, habitadas posteriormente pelos cananeus, que viveram na Palestina; sem relação direta com os negros.

Apesar da incoerência, e mesmo que ainda insistissem em alegar uma maldição africana, estariam consequentemente entendendo como amaldiçoado um dos principais filósofos do cristianismo, Santo Agostinho, que era africano, assim se o santo era amaldiçoado, sua filosofia  também seria, e, portanto, uma das bases doutrinárias sobre a qual se erguem as igrejas cristãs, tornando todas, por fim, amaldiçoadas.

Sem levar essa conclusão lógica em consideração, a religião utilizava a maldição de Cam para fortalecer a escravidão, alegando que a escravidão dos negros seria uma ferramenta para catequizar e livra-los do fetichismo. Somada a intenção dos proprietários de escravos de aumentar a mão de obra escrava e acumular riquezas, as palavras religiosas explanadas pelos seus líderes reforçavam o regime escravista, e, resultando na ineficácia legislativa, tomamos como exemplo a lei derivada do tratado com a Inglaterra, para interromper o tráfico de negros em 1835, que foi completamente desprezada.

Já o darwinismo defendia que os homens eram descendentes dos macacos, alguns mais “favorecidos” evoluíam com maior facilidade e outros não; que os ambientes em que viviam favoreciam para predominância, sobrevivência e resistência a determinadas doenças.

E os negros seriam os menos evoluídos, portanto, não possuíam o mesmo desenvolvimento intelectual dos brancos.

Faz-se necessário isentar Darwin da atribuição que se faz ao darwinismo, na verdade a ideia de que a evolução era como uma escada partindo de espécimes unicelulares até o homem como uma linha reta veio de Jean Lamark, e a partir desta linha evolutiva, muitos teorizaram que os negros estariam mais próximos aos macacos por causa do subdesenvolvimento racial, causado pelo organismo de cada indivíduo, e, portanto, tornando-os passíveis de dominação e comercio tal qual objetos de negócio, fundamentado no desenvolvimento inferior ao dos europeus, equiparando os negros aos animais.

Com a criação da imprensa e o novo status da ciência como verdade, o “Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas”, de Gobineau, deu novos formatos e justificaram o trabalho escravo. Publicado parcialmente em 1855 e integralmente em 1858, esta obra afirmava que a raça branca era superior às demais. Ideologia que tinha como finalidade, a manutenção da dominação de uma raça sobre as demais; dados que serviriam como fundamento para legitimação científica da desigualdade racial, que arrasta seus resquícios  intrínsecos nas ideologias racistas posteriores até o período contemporâneo, tornando o negro sinônimo de uma sub-raça, inferior e de baixo nível intelectual em relação àqueles do topo, os europeus.

O sistema de dominação de classes no Brasil Imperial também implantou a ideologia fundada na inferioridade de raças, sendo os negros a ferramenta de trabalho, os quais serviam tão somente para isso, “afinal”, não possuíam capacidade intelectual para atuarem na posição social de seus senhores. A riqueza estava acumulada em uma parcela pequena da sociedade perpetuando a dominação de classes originada muito antes, ainda no império romano; evidente é, que sendo classe dominante tinham interesse em manter esse poder, e, portanto, o racismo é um resquício do imperialismo absolutista, que dependia da mão de obra escrava.

O capitalismo estava em franca expansão ainda convivendo com o absolutismo, mas diferente deste sistema, o capitalismo precisa que as pessoas sejam livres para poderem negociar, isto é, o novo sistema precisa de uma massa consumidora e a Inglaterra, maior expoente do capitalismo no período, queria a todo custo abrir novos mercados, motivo pelo qual pressionou o Brasil que resistiu até o último suspiro, tornando-se o último país a abandonar oficialmente a escravidão, mesmo que esse abandono tenha demorado a se refletir concretamente.

Os historiadores afirmam, que apesar da resistência para cessar o período escravista, havia uma sutil “vergonha” no país que mantinha o regime frente aos demais países que haviam abolido a escravidão, o Código Civil aprovado em 1858 não regia a escravidão no texto legislativo, apenas em lei especial, que consequentemente foi inserido nos rodapés do código.

Como cita o autor Eduardo Spiller Pena, no livro Pajens da Casa Imperial “Chegou-se, enfim, à elaboração do que seria o nosso código negro de rodapé.”.

Em 1886 a escravidão estava enfraquecida, nos países em que havia ocorrido a abolição como foi o caso de todos aqueles da Europa, a Inglaterra apontava o Brasil como um país resistente à libertação. Após a proibição do tráfico de escravos; a inclusão da Lei do Ventre Livre; e a revogação da lei de açoites, os negros enfrentaram seus medos e fugiram ao encontro da liberdade e uma vida com um pouco de dignidade, muitos pedindo refugio aos quilombos que se formaram no decorrer dos anos.

Findo o período escravista em 1888 ocorreu a reinvenção do racismo, anteriormente havia a negação da mistura entre raças – negros e brancos – para que mantivesse a raça dominante e pura biologicamente, surge então, uma nova teoria que visa extinguir os resquícios da escravidão e a compensação do abandono pós-abolição, esta ultima justificativa foi uma das referidas por Lacerda, Delegado do Brasil no Congresso Universal das Raças de Londres, que trabalhado o embranquecimento da população até o ano de 2012 no Brasil 80 % dos habitantes seriam da raça branca, 17% seriam indígenas e apenas 3% seriam negros.

Houve o incentivo da imigração da população europeia; campanha que prevaleceu durante décadas. Para muitos idealistas, somente o embranquecimento da população serviria como força motora para o desenvolvimento do país. O próprio Estado financiou a compra de passagens de imigrantes para incentivar a chegada do maior número possível de europeus no pais.

A pesquisadora Elisa Larkin Nascimento, no livro O sortilégio da cor: identidade, raça e gênero no Brasil, comenta que “Entre 1890 e 1914, mais de 1,5 milhões de europeus chegaram apenas ao estado de São Paulo, sendo que 64% destes, com a passagem paga pelo governo estadual.”.

Percebemos que a luta pela liberdade no país se dava em vários âmbitos e por vários motivos. Social, pela resistência dos negros tendo como um de seus heróis o Zumbi dos Palmares; econômica, na sua evolução para o capitalismo; política, com a imagem do país internacionalmente como o país da escravidão em conflito com os interesses dos senhores.

Assim, não podemos ceder à interpretação ingênua e a falsa ideia de que a abolição foi uma decisão da nobre princesa, exteriorizando sua consciência social, e, portanto, devemos avaliar os aspectos político-econômicos global da época, para entender o fenômeno no Brasil.

Assim, deixamos claro, que o racismo herdado dessas ideologias que legitimavam a escravidão e acabou por se amoldar e se acomodar no capitalismo brasileiro, funciona como um entrave na sua realização. No Brasil, após o fim da escravidão, os negros lançados à mercê da sorte, às margens da pobreza, sem educação e desprovidos de meios para sobrevivência, continuaram a serem alvos das mesmas falsas afirmações de inferioridade da raça.

Luiz Carlos Paixão da Rocha em sua tese sobre políticas afirmativas, em especial a lei 10.639 de 2003, afirma que “O racismo tem como pano de fundo uma construção ideológica de justificação, classificação e naturalização, a fim de manutenção de privilégios de um grupo sobre outro.”.

O formato capitalista, por sua vez, após a abolição, teve em sua estrutura a dominação de classes, que antes eram beneficiadas com o trabalho escravo, e, após, legitimaram a atuação dos ex-escravos como trabalhadores para que estes pudessem sobreviver. Mesmo livre, o trabalho era tão árduo quanto o trabalho escravo, além da indignidade humana e o despropósito da escravidão ou trabalho análogo à escravidão, alientamos que este tipo de abordagem prejudica o próprio capitalismo, uma vez que extenuados do prolongado trabalho, com parcos ganhos e sem tempo, consumiam muito pouco.

Do ponto de vista econômico é vital entender que o capitalismo se dá pela mobilidade entre classes, possível através de méritos individuais, portanto, a ideologia de dominação racial e privilégios bem como o uso deturpado do conceito de mérito, devem ser combatidos para que o sistema capitalista se realize em sua plenitude.

As modificações acontecidas na sociedade transformaram o racismo de imperativo e aberto em um racismo dissimulado, criando o mito da democracia racial, como se o racismo pudesse ter fim por decreto como fez Rui Barbosa para por fim a inflação e pudesse ser apagado da história extinguindo os históricos do regime de trabalho forçando.

Rui Barbosa no decreto de 14 de dezembro de 1890, com a finalidade de acabar com os registros históricos da escravidão, quando atuava como Ministro da Fazenda; e Alencar Araripe na circular número 29 de 1891 endereçada a todos os órgãos, impondo a execução da ordem de destruição de documentos que registraram o período escravista no Brasil, ambas decisões tinham a finalidade de aplacar o desejo de vingança e fazer com que a sociedade convivesse harmoniosamente prevalecendo a igualdade entre as pessoas.

Em ambos os casos, tanto de Rui Barbosa, quanto do jurista Teixeira de Freitas, a desigualdade racial e a escravidão foram “varridas” para debaixo de um tapete jurídico, como se fosse suficiente para esconder tamanhos problemas jurídicos, econômicos e sociais.

Os movimentos negros começaram a surgir após a abolição escravista; os ideais abolicionistas não foram concretizados e os negros conscientes que foram deixados a própria sorte se organizavam para instruir os demais para exigirem seus direitos. Principalmente em São Paulo o movimento negro se expandia, formando uma “imprensa negra” que exigia educação como principal objetivo; na concepção dos negros que formavam o movimento, a educação seria o caminho para a elevação social.

“Ao longo dos anos, inúmeros jornais foram fundados. O Bandeirante, lançado em 1910, em Campinas, foi o primeiro deles. Em 1915, surgiu O Menelick, o primeiro na capital paulista. Depois de 1930, a imprensa negra entrou numa segunda fase, passando à reivindicação política. As lideranças negras promoveram campanhas de reabilitação da “mãe solteira”, de valorização da “mãe negra” e de combate ao analfabetismo, além de começarem a se organizar politicamente. Em 1931 criaram a Frente Negra Brasileira, reunindo entidades de vários estados e líderes de diferentes opiniões políticas. Seu porta-voz, o jornal A Voz da Raça, procurava exaltar a “raça”, contrapondo-se ao estigma da cor. Em 1936, a Frente transformou-se em partido político, sendo extinta logo depois pelo Estado Novo.

No final da ditadura de Getúlio Vargas, o movimento reanimou-se com a criação, em 1945, da Associação do Negro Brasileiro. Um ano antes, Abdias Nascimento já havia fundado o Teatro Experimental do Negro, no Rio de Janeiro, 50 onde também se organizava o Comitê Democrático Afro-Brasileiro, que lutou pela convocação da Assembleia Constituinte, anistia e fim do preconceito racial. Em 1951, era aprovada a Lei Afonso Arinos, que considerava como contravenção penal a discriminação de raça, cor e religião.” (ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de (Coord. ), 1988, p. 50-51)

Em 1975 mulheres negras denunciaram no Congresso das Mulheres Brasileiras (no Rio de Janeiro), a depreciação ao serem consideradas tão somente objeto de prazer. No mesmo ano conforme registra o livro a Para Uma História do Negro no Brasil “… em São Paulo foi organizada a Semana do Negro na Arte e na Cultura e, sob a influência das lutas de independência nos países africanos, foram criadas importantes entidades voltadas para o estudo e a atuação política”.

Houve a expansão do acesso à educação para os afrodescentes, porém, não significa que equidade e paridade das oportunidades quando comparados aos brancos. É inegável que estamos num período propício para políticas afirmativas compensatórias e neste texto falaremos da educação que é a base que deverá ser atingida para o alcance igualdade racial; as instituições de ensino devem atuar com equidade, abordar e compreender que o mito da superioridade entre raças deve ser desfeito e que a busca pela igualdade racial é uma luta conjunta e que todos unidos poderão alcança-la.

Os pilares racistas foram reformados dentro do novo sistema, reinventados e renascidos nas mesmas ideologias religiosas, classistas e pseudocietíficas, que antes eram usadas para legitimar a escravidão, agora reforçam o racismo. Podemos fazer uma analogia da transição do racismo, e a capacidade do camaleão de se camuflar e dissimular a sua presença.

Assim o racismo toma corpo e cor conforme os interesses econômicos e políticos que a classe dominante exige. Hoje temos um racismo sem “face”, sem “forma” e sem “cor”, seria como lutar contra um inimigo invisível que se apresenta em suas diversas formas apenas quando oportuno e circula disfarçado de democracia racial.

Desde 1980 o Movimento Negro abordou a desigualdade racial e receberam respostas do poder público, falamos 1980 porque ao tipificar como contravenção penal, a discriminação de raça, cor e religião em 1950, o poder público classificou o racismo como ato de menor relevância social e não foi uma resposta com o poder protetivo para os negros. Após 1980 surgiram vários órgãos de assessoria voltados para a população negra e a valorização de sua cultura, apresentando a participação do desenvolvimento do país; e através do contexto da abordagem do preconceito racial, a promoção da cultura negra e a participação histórica dos afro-brasileiros deu origem a Fundação Zumbi dos Palmares em 1988.

A Constituição Federal atual aborda a igualdade entre pessoas, e na interpretação dos seus dispositivos, poderemos compreender que a norma é geral, abstrata e programática. Uma constituição social nasceu e os movimentos sociais começaram a se reorganizar para trazerem a maior eficácia possível dos direitos protegidos pela constituição vigente. Em 1989 surgiu a lei Caó que definia como crime a proibição ou dificultar a entrada de pessoas negras em espaços comerciais, públicos e vagas de emprego justificada pela cor ou raça. Houveram posteriores legislações que visam inibir a injúria racial contra os negros.

A partir de 1990 as políticas públicas tomaram novos formatos, e os debates foram fundamentais para sua intervenção nas relações sociais, com a finalidade de reprimir o racismo. Nos anos 2001 e 2002 foram implantadas ações afirmativas pelos Ministérios, ações contra a desigualdade racial, para inclusão de trabalhadores negros no quadro funcional, porém, com poucos resultados.

Os movimentos sociais receberam apoio dos organismos internacionais que mantém interesse em elevar a qualidade de vida dos pobres, em consequência das políticas sociais, o PENUD, UNESCO estabelecem parceria com o governo com intuito de garantir a sustentabilidade e melhoria da vida da classe baixa brasileira. O PENUD em parceria com o IPEA deram início em 2001 ao projeto Combate ao Racismo e Superação das Desigualdades Econômicas; abertamente relacionaram o racismo com a desigualdade racial “espantosamente” em um país que prega a democracia racial. O racismo existe e é um mecanismo de dominação classista, que interfere no desenvolvimento econômico do capitalismo.

“Em 2003, com a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da igualdade Racial (Seppir), o governo federal sinalizou para o fortalecimento das ações afirmativas e para a construção de um projeto mais estruturado de combate ao racismo, à discriminação e às desigualdades raciais. Entretanto, sua atuação nesse campo ainda pode ser caracterizada como tímida. Mas apesar do pequeno número de ações promovidas pela Seppir, os últimos anos viram o desenvolvimento, a partir da iniciativa de outros atores e sob forte presença do Movimento Negro, de novas experiências em torno da temática racial no âmbito das políticas públicas.”( THEODORO, Mário (org.), 2008, p. 140)

Entre as ações afirmativas em 2003 foi formulada a Lei 10.639 que alterou a lei 9.394 de 1996, foi implementada nova redação ao artigo 26-A estabelecendo a inclusão obrigatória da temática História e Cultura Afro-brasileira; e a inclusão do artigo 79-B que estabelece a inclusão no calendário escolar o dia da Consciência Negra, dia 2 de novembro, em homenagem à Zumbi dos Palmares.

As escolas públicas e particulares restringiram durante um longo período o discurso sobre as desigualdades raciais e sobre o passado desumano do regime escravista, lecionavam a história dos negros como escravos, que mantinham o sistema de produção do período imperial do Brasil; e em 1888 a Princesa Isabel aboliu a escravidão, de maneira simples e curta, naturalizando a ideologia racista tornando-a inquestionável e perpetuando, assim, os preconceitos raciais.

A educação falha, com materiais de ensino inapropriados que apenas refletiam na manutenção da força dos discursos racistas forçou o Movimento Negro juntamente com demais movimentos sociais a “quebrarem os tabus” da democracia racial, exigindo políticas que quando impostas fossem concretizadas com o máximo de seriedade possível; a história e a cultura dos afro-brasileiros deveriam ser incluídas no currículo escolar com novos formatos.

A matéria estava estabelecida na lei de diretrizes educacionais desde 1996, mas as abordagens sempre foram superficiais ou inexistentes.

Mais uma conquista fora registrada pela população afrodescendente, adicionando fôlego e força para a continuidade da luta pela sobrevivência da cultura afro-brasileira. Estavitória também foi o marco inicial da luta pela eficácia da lei 10.639, desde sua promulgação em 2003. Além da falta de especialistas na temática, há resistência das instituições de ensino privadas e públicas para implementação no currículo, fazendo com que o Movimento Negro direcione o assunto ao Ministério Público, para tomarem as medidas cabíveis forçando o cumprimento da lei.

Através da consulta às vedações, identifica-se o artigo 79-A cujo texto era “Os cursos de capacitação para professores deverão contar com a participação de entidades do movimento afro-brasileiro, das universidades e de outras instituições de pesquisa pertinentes à matéria.” foi vetado pela justificativa de que a lei 9.394 de 1996 não citava nenhum curso de capacitação para professores e que a “Lei Complementar no 95, de 26 de fevereiro de 1998, segundo a qual a lei não conterá matéria estranha a seu objeto”.

Porém, percebe-se que a História e Cultura Afro-brasileira é uma matéria específica, o que torna necessária a especialidade de quem a leciona; mesmo tratando-se de professores devidamente capacitados para exercícios de suas funções, a matéria em questão solicita que haja conhecimento específico a fim de evitar que sejam reforçados os valores racistas.

A ausência de especialidade foi detectada pelo MEC e a Seppir, que desenvolveram ações para preencher esta lacuna em 2006; através cursos de especialização em parceria com a Universidade de Brasília, a modalidade do curso era à distância, foram abertas as matriculas novamente em 2007, mas o número de professores inscritos que concluíram o curso não atingiu o número mínimo estabelecido e o curso não abriu novas turmas.

Atualmente algumas instituições de ensino superior privadas incluíram a especialização para os profissionais que atuam na área da educação e se interessem pelo assunto. Além das universidades particulares, os ciclos de debate sobre a desigualdade racial nas universidades públicas estão em período de rápida expansão, alunos dos cursos superiores estão abrindo discussões e formando os coletivos que atuam ativamente na luta pelas desigualdades raciais.

Os movimentos formados pelas instituições de apoio aos negros e de apoio à mulher negra, fortificam as lutas e a resistência contra o racismo. Estes institutos atuam diretamente exigindo providencias governamentais, provocando o estado que adormece em meio as lutas diárias para sobrevivência da história e cultura.

As ações afirmativas por si só não alcançam a finalidade proposta, com a ausência da devida fiscalização nas instituições privadas e públicas; a atuação do movimento negro fortifica essas ações para que sejam realizadas plenamente e reduza as desigualdades raciais.

A lei 10.639 de 2003 vem para transformar o quadro do racismo educacional e abraçar o desenvolvimento intelectual dos alunos no bojo da igualdade racial. A partir de então retirar o estigma da desigualdade relacionado à cor da pele, que as classes dominantes ainda utilizam para enfraquecer a atuação dos negros na sociedade.

A educação estruturada de qualidade é “arma” a ser utilizada na transformação das estruturas sociais. A correta abordagem da temática História e Cultura Afro-brasileira será o mecanismo de enfraquecimento das dominações de classe por meio da redução do racismo e com o passar dos anos tornará concreta e real a democracia racial, que hoje é um mito.

O racismo é estrutural e as medidas para sua exclusão na sociedade passam pela análise das estruturas sociais, sendo o alicerce principal, a educação. Compreendemos que a educação não se restringe ao papel familiar na vida da criança e adolescente, não desqualificando sua importância, e sim entendemos que sua responsabilidade não é exclusiva, isto é, a educação necessária é aquela que fomenta cabeças contestadoras e pensantes que possam questionar a estrutura vigente, pois a educação pode ser usada para conformar ou libertar.

A expectativa de todos que atuam desde a redação legislativa em defesa dos negros, em defesa da história cultura negra; dos universitários que fazem parte dos coletivos com participação ativa na luta incessante contra o racismo; dos institutos de apoio à causa que fortificam as lutas exigindo medidas estatais; até finalmente os ativistas solidários; nada mais é do que um dia a existência destes institutos seja desnecessária, pois a igualdade racial será concreta na sociedade. Assim não haverá mais a defasa dos indefensáveis, mas sim a igualdade dos iguais. Concluindo, como diz Silvio de Almeida, presidente do instituto Luiz Gama, “o objetivo de toda luta é a extinção do próprio movimento”.

 

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Sobre Autora 

Meu nome é Vanessa Carvalho, sou estudante de Direito (quarto anista), estudo na Universidade São Judas Tadeu.

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