Ela faz sucesso com comida caseira feita “com carinho de mãe”

Eleni Guterres, dona do restaurante Atrium, em São Paulo (SP) (Foto: Divulgação)

Quando abriu o Atrium, há 16 anos, Eleni Guterres realizou um sonho que parecia distante. Hoje, ela fatura R$ 220 mil conquistando os clientes com seu capricho

Por Ana Laura Stachewski, do Pequenas Empresas Grandes Negócios

Eleni Guterres, dona do restaurante Atrium, em São Paulo (SP) (Foto: Imagem retirada do site Pequenas Empresas Grandes Negócios/ Divulgação)

Nos anos 70, a mineira Eleni Guterres, 66, deixou a pequena cidade de Matipó (MG) para tentar uma nova vida em São Paulo (SP). Ela fugia da fome e da dificuldade de encontrar um emprego, que só aparecia sazonalmente em um munícipio sustentado pelo café.

Ela ainda se lembra do frio que passou quando chegou à capital de chinelos nos pés e quase sem agasalhos. Sua aventura só foi possível porque seu irmão, já instalado por lá, tinha lhe arranjado um emprego. Ela trabalharia como doméstica e moraria na casa dos seus patrões.

A família a acolheu muito bem. Foram 10 anos morando na casa, até que ela se casou e foi viver com o esposo. Manoel Guterres vinha do Maranhão e tinha com ela um grande ponto em comum. As dificuldades pelas quais já haviam passado lhes rendeu uma grande disciplina sobre dinheiro.

De pouquinho em pouquinho, eles juntaram R$ 100 mil em uma poupança. “Era muito dinheiro naquela época, ainda mais para quem vinha de onde nós vínhamos”, diz Eleni. Em 2000, quando ele perdeu o emprego de eletricista, eles decidiram investir parte das economias para abrir um negócio. Os dois também tinham dois filhos para criar.

“Eu sempre tive vontade de ter algo, mas nunca tive esperança”, diz ela. Eleni se espantava quando ouvia os filhos dos chefes dizerem que sonhavam em ser alguma coisa quando crescessem. “Na minha terra, ninguém sonha e nem diz o que quer ser”.

Depois de considerar abrir um café e até uma banca, um restaurante foi a opção escolhida. Em 2003, os dois compraram um ponto já existente na região da Consolação por R$ 60 mil. “A única coisa que eu sabia fazer era a comida. Começamos a trabalhar sem ter nenhum conhecimento na área”, diz ela.

O casal manteve os quatro funcionários que já trabalhavam no espaço e passou a aprender o ritmo do negócio com eles. Também pesquisavam e liam tudo o que encontrassem sobre administração. O valor investido garantia que eles ainda tivessem uma boa reserva para caso a tentativa não desse certo.

Mas ela deu. O Atrium, um restaurante de fachada e comida simples, conquistou os trabalhadores e visitantes da região. Funcionando apenas no almoço e durante a semana, vende cerca de 300 refeições todos os dias. O faturamento anual é de R$ 220 mil.

Cardápio simples, mas variado, é servido de segunda a sexta-feira (Foto: Imagem retirada do site Pequenas Empresas Grandes Negócios/Divulgação)

Eleni, que desde o começo assumiu a cozinha, credita o sucesso ao capricho e à proposta acolhedora. “A gente tem o cuidado de fazer a comida como se fosse para os nossos filhos”, diz ela. Seu maior desafio é delegar as panelas e o cardápio.

E os clientes também resistem. Segundo ela, quem frequenta o local percebe e comenta quando outra pessoa fez a comida. “Quando eu contratei um chef, as pessoas reclamaram muito”, explica. Hoje, sentindo o peso da idade, ela tem se esforçado para treinar outras pessoas para assumir o lugar.

Desde 2012, ela também enfrenta os desafios de empreender sem o esposo. Manoel faleceu naquele ano após sofrer um infarto. “A gente pensava em trabalhar por mais dois anos e depois descansar”, relembra Eleni. “Quando ele faleceu, não tivemos tempo para chorar. Saímos do velório e voltamos para o trabalho”.

Cristiane Guterres, sua filha mais velha, foi quem acabou assumindo o lugar do pai nessa jornada. Jornalista e Relações Públicas, ela considera que se tornou empreendora por acidente. “Eu achei que minha vida ia caminhar por um rumo totalmente diferente, mas acabei assumindo esse lugar como sócia”, diz.

Hoje, as duas dividem o desafio de manter a qualidade e competitividade do restaurante frente ao movimento da região. O preço e a variedade do cardápio são dois dos fatores mais importantes.

“As pessoas comentam que nunca imaginariam encontrar jiló ou taioba em um restaurante por quilo”, exemplifica Eleni, que também acrescenta a variedade de saladas e a qualidade do arroz e feijão na conta. O preço do quilo é de R$ 52 — o que, segundo ela, é menos que o praticado nos arredores.

Para os que querem empreender nessa área, ela é enfática: devem fazer exatamente o mesmo que ela. “Você tem que arriscar, mas com muita consciência e cautela. Faça um bom planejamento, tenha uma reserva e veja se é isso mesmo o que você quer”, diz. Ela também indica o Sebrae como uma fonte importante de informações.

Não cair na ilusão do dinheiro imediato é outra dica importante. “Às vezes você ganha muito dinheiro em um dia, mas tem que saber que ele não é seu”, diz. A quantia, explica, deve ser reservada para gastos como aluguel, funcionários e os próprios itens usados para ganhá-lo. “Eu posso não ter dinheiro para mim, mas para o meu funcionário eu tenho que ter”, afirma.

A preocupação também vale para o tratamento e o respeito dispensado a eles. “Se um dia eu não venho, eles conseguem abrir a casa sem mim. Eu não conseguiria abrir a casa sem eles”, diz ela.

Para a filha e sócia Cristiane, a história bem-sucedida do restaurante é mais que um mérito familiar. Ela observa, por exemplo, que não conhece nenhum outro local administrado por mulheres negras na região. “É muito importante que outras mulheres, negras ou não, vejam a possibilidade de estar ali”.

Pergunto a Eleni se ela tem novos planos para o futuro. Ela responde que é simplesmente continuar o que já está fazendo. “Eu cheguei onde eu nem sonhava que chegaria. Agora, que eu possa ensinar para as meninas que trabalham comigo que elas podem ter o negócio delas”.

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