Eleições 2022: Mães negras buscam mais espaço na política

Três pré-candidatas negras a deputada estadual falam sobre a necessidade de mais mães na política institucional

FONTEPor Vitória Régia da Silva, do Gênero e Número
A quilombola Lucilene Kalunga é pré-candidata a deputada estadual pelo PSB em Goiás (Foto: Divulgação)

“Sou mãe solo, meu filho tem que estudar e a escola não é perto. Quando não estou, depois da escola ele vai para a casa do meu irmão. Em Goiânia, meu filho não vai no curso que ele ama, porque não tem quem levar, mesmo com o pai na cidade. Ele não dispõe de nenhum tempo para ajudar”. É entre estes corres que Lucilene Kalunga (PSB/GO), quilombola pré-candidata à deputada estadual, cava seu espaço na política. Por vezes, leva o menino com ela nas viagens pelo estado. Juntamente com outras mães negras, ela tentará em 2022 aumentar a representatividade de mulheres negras em espaços onde homens brancos predominam. 

Em Brasília, no centro do poder do país, o cenário não é menos difícil. Por falta de previsão legal para a licença-maternidade de deputadas, o painel eletrônico da Câmara dos Deputados simplesmente apontava ausência das parlamentares quando elas estavam exercendo o direito. Apenas em setembro de 2021 a licença-maternidade deixou de ser considerada como “falta” e passou a ser inserida nos painéis de votação.  

“Isso só aconteceu pela ação de deputadas como Talíria Petrone (PSOL/RJ), Áurea Carolina (PSOL/MG), Samia Bonfim (PSOL/SP), que passaram por constrangimentos públicos em ter que justificar suas ausências em votações, mesmo quando estavam de licença-maternidade. Como isso é possível? Ter visibilizado esse direito só em 2021! Ter mulheres mães na política significa combater estes absurdos”, destaca Fabiana Pinto, coordenadora de Incidência e Pesquisa do Instituto Marielle Franco.

Para Pinto, assim como entendemos que mulheres negras precisam estar em espaços de poder para termos políticas públicas qualificadas para este grupo demográfico, as mulheres que são mães também precisam estar representadas nesse espaço. “As mulheres que são mães já perderam demais, já se constrangeram demais. Não podem mais ser afastadas de espaços de tomada de decisão, não podem mais esperar que somente homens — ou mesmo mulheres não comprometidas — se envolvam com o direito das mães solo, das famílias com duas mães, de famílias com mães trans, enfim, famílias em toda a sua complexidade e diversidade”.

Às vésperas do Dia das Mães, a Gênero e Número ouviu três mães negras que são pré-candidatas à deputada estadual e que fazem parte do projeto Estamos Prontas, projeto de fortalecimento de candidaturas de mulheres negras em 2022, do Instituto Marielle Franco e do movimento Mulheres Negras Decidem. Elas falaram sobre a importância de ocuparem a política e os desafios que estão enfrentando no caminho. 

Conheça as mães pré-candidatas:

Francimar Santos (PT/AM): Natural de Manaus, tem 55 anos e é uma mulher lésbica. Tem um filho de 35 anos e cria quatro netos, de sangue e de consideração. Vive na periferia de Manaus, numa ocupação (Bairro Monte das Oliveiras) fundada por uma freira, também mulher negra. Fundou a Associação de Moradores de sua comunidade, para a qual apresentou na Câmara local uma proposta de urbanização, de educação para mulheres e reforço escolar.  

Adriana Gerônimo Vieira Silva (PSOL/CE): É co-vereadora em Fortaleza. Assistente social, mora na Comunidade Lagamar, e cofundou a FavelAfro, cooperativa de mulheres periféricas da área. Integra o Grupo Jovens em Busca de Deus (JBD), a Frente de Luta por Moradia Digna, o Campo Popular do Plano Diretor e o Fórum Popular de Segurança Pública.

Lucilene Kalunga (PSB/GO): Tem 40 anos, um filho de 11, e se divide entre Goiânia e seu território, o Quilombo Kalunga, no município de Cavalcante, onde foi secretária Municipal de Igualdade Racial. Considerado o maior quilombo em extensão territorial do Brasil, Kalunga reúne três comunidades quilombolas com cerca de 600 famílias. Lucilene se organizou primeiro no Grupo de Mulheres Negras Malunga, que trabalha com saúde da mulher, anemia falciforme e saúde reprodutiva. Bacharel em Turismo, ela começou a trabalhar no Sebrae e liderou o processo de organização do seu território para gerar desenvolvimento econômico através do turismo.  

Confira os depoimentos a seguir: 

“Cidade e estados conduzidos por mães são menos desiguais, pois têm uma política integrada para toda família” , conta Adriana Gerônimo (PSOL/CE) (Foto: Divulgação)

Por que precisamos de mais mães na política?

Francimar Santos (PT/AM): Ser mãe é um ato político e uma forma democrática de fazer política. As mulheres que conquistaram o direito de ser mãe — ou optaram por não ser — são cobradas na família: as crianças estão na escola? Tomaram vacinas? Praticam esporte? Comeram? Enfim, todas essas perguntas são direcionadas às mães, ou às mulheres que de certa forma organizam a vida das crianças de sua família. E todas essas perguntas são de cunho político e têm a ver com direitos. E só quem vive o cotidiano na falta desses direitos sabe a dificuldade de organizar a vida das crianças, adolescentes e jovens.

As mães sabem fazer política, sabem defender o direito dos filhos, sabem avaliar o que é melhor para as crianças.  Então, se a mulher mãe sabe fazer tudo isso, com olhar humanizado, imaginem o que poderia fazer em defesa dos direitos das crianças e adolescentes? A mulher mãe é um ser político 24 horas por dia, mesmo não estando no parlamento. Por isso, a cada dia se faz necessário a presença da mulher, mãe ou não, na política partidária, na política da sociedade.  

Adriana Gerônimo Vieira Silva  (PSOL/CE): Precisamos de mais mães na política exatamente porque as mulheres que exercem a maternidade e são mães na periferia entendem os níveis diferenciados de violação de direito. As mães sabem o que é esperar na fila da creche para ter acesso a educação, sabem sair de relacionamentos abusivos, sabem que enquanto o filho está na creche podem encontrar um trabalho e gerar sua própria autonomia. São as mães da periferia, sobretudo, que sabem o que é a política de assistência social, porque são chefes de família e, muitas vezes, dependem dessas políticas de redistribuição de renda para sustentar seus filhos. 

É muito necessário que tenhamos cada vez mais mães na política, porque mulheres mães que ocupam o Executivo e o Legislativo conseguem construir cidades a partir de suas vivências muito mais integradas e sustentáveis. Cidade e estados conduzidos por mães são menos desiguais, pois têm uma política integrada para toda família.

Lucilene Kalunga (PSB/GO): Os serviços e espaços que nós mães acessamos, na maioria das vezes, são fruto de decisões de políticos, que às vezes não têm esse olhar para a maternidade. Então é importante que haja mães nos espaços de poder e decisão. Não é comum a gente ver espaços adequados para mulheres. Vimos, recentemente, o caso da prefeita [de Palmas, Cinthia Ribeiro (PSDB)], que foi mãe e que não teve direito à licença-maternidade. Na Assembleia Legislativa de Goiás, até pouco tempo atrás, não tinha banheiro feminino, o que mostra como ela foi pensada para ser um espaço masculino. Temos ainda muito que avançar. O político homem que chegou ao poder passou pelo ventre de uma mulher, mas isso não é suficiente para ele entender que esse espaço também é nosso. 

” Ser mãe é um ato político e uma forma democrática de fazer política”, destaca Francimar Santos (PT/AM) (Foto: Divulgação)

Como tem sido sua experiência de maternidade na política?

Francimar Santos (PT/AM):  (risos) Uma maternidade muito difícil. É como o orçamento doméstico, onde temos que apertar as contas e sobreviver em meio a tantas desigualdades. Sabemos que nunca foi fácil para mulheres, mães, donas de casas, participarem desses espaços. Nós forçamos nossas entranhas e assim aguentamos o racismo, patriarcado, sexismo, homofóbica e o machismo dentro dos partidos. A mulher é vista apenas para cumprir tabelas, porém quando uma mulher preta, lésbica, ela se destaca e cria-se um mecanismo muito maior para invisibilizar a possibilidade de candidatura. Essa maternidade é como o primeiro filho: sonhamos com dias melhores e ele demora nascer.  

Adriana Gerônimo Vieira Silva (PSOL/CE): Minha experiência tem sido bem desafiadora. Ser mãe no parlamento é entender que, além da sobrecarga no cuidado da família, dos filhos e da casa, e trabalhar fora aumenta o desgaste, mental e corporal. É uma experiência desafiadora, mas também muito revolucionária. Sabemos como a ausência de mães na política afeta nossa existência. 

Se estivéssemos em maior número, teríamos uma outra forma de condução das políticas públicas. Os parlamentos estão em maioria com homens, que, por mais que sejam pais, não constroem a política a partir da experiência do cuidado com os filhos ou com a casa. Porque sabemos que a sociedade coloca isso nas costas das mães. Eu entendo que estou cumprindo uma tarefa de abrir caminhos para as próximas mulheres mães que ousarem entrar na política a encontrarem um campo mais seguro, honesto, mais transparente. E lutamos todo o dia para que o Estado brasileiro também consiga garantir nossa vida no exercício parlamentar de uma maneira mais livre, autônoma e segura. 

Lucilene Kalunga (PSB/GO): A minha experiência de ser pré-candidata e ser mãe está sendo bem complicada, porque saio e viajo muito toda semana. Sou secretária da Mulher do meu partido e articuladora política de uma região. Sou mãe solo, meu filho tem que estudar e a escola não é perto. Quando não estou, depois da escola ele vai para a casa do meu irmão. Quando não estou em Goiânia, meu filho não vai no curso que ele ama, porque não tem quem levar, mesmo com o pai na cidade, porque ele não dispõe de nenhum tempo para ajudar. E quando eu viajo, se não pode ficar com os tios, eu tenho que contratar pessoas para ficar com ele. Se é final de semana, eu levo ele comigo. Ele é super integrado às minhas atividades, tento sempre conciliar as demandas dele. Semana passada fiquei dias longe dele, é muita saudade, desgastante, cheio de desafios e dolorido, mas eu penso no amanhã que pode ser melhor para a gente, para outras mulheres e outras famílias. Estaremos abrindo espaço para as próximas que virão. 

Como venho de quilombo, nosso costume é cuidado coletivo. Sinto muita falta dessa rede de cuidados. Eu tenho uma rede com parentes e amigos que cuida, mas quando vou para meu quilombo, toda a comunidade cuida e acolhe. E na política é mais difícil ainda, somos julgadas o tempo inteiro.  

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