“Em 2018, a contratação de uma mulher grávida não deveria ser algo extraordinário”, diz Grazi Mendes

FONTEKátia Mello

Empregar uma mulher grávida de nove meses é uma raridade. Mas não deveria ser, segundo Grazi Mendes, integrante do “hire team”  no processo de contratação de Marcela Caldeira, de 35 anos, para o escritório de Belo Horizonte (MG) da multinacional de tecnologia Thoughtworks. Marcela foi contratada nesta situação e acaba de deixar a empresa em licença maternidade de seis meses. Antes de entrar na multinacional, Marcela trabalhou durante três anos em uma startup e fez o processo seletivo para ingressar na multinacional, conhecida mundialmente por suas políticas de inclusão das mulheres no mercado de trabalho, com sete meses de gestação.

Nesta entrevista à coluna Geledés no debate, Grazi, que tem o cargo People Partner (pessoa que amplia a atuação do time de Gestão de pessoas), destaca a necessidade “urgente de se interromper uma lógica sutil e perversa, que considera pessoas como recurso, que cria barreiras com justificativas focadas apenas em custo”. É um olhar de empregador(a) necessário para a ascensão das mulheres em distintos setores em nosso país.

Diego Moreira
Foto: Diego Moreira

Geledés – A designer Marcela Caldeira foi contratada aos nove meses de gravidez pelo escritório da ThoughtWorks de Belo Horizonte. Como se deu essa contratação e por quais razões a recrutaram?

O processo seletivo pelo qual a Marcela passou e as razões pelas quais ela foi contratada foram exatamente as mesmas de qualquer outra pessoa da ThoughtWorks. No caso dela, que havia aplicado para uma vaga de designer, consideramos as habilidades técnicas e o fato de ela compartilhar dos valores que acreditamos.

Foto: Divulgação

“Sei que existem alguns contextos e necessidades específicas, mas criar processos seletivos mais justos e inclusivos é um exercício constante e permanente de empatia, e é somente através dessa projeção que conseguimos criar valor.”

Geledés – Entre os direitos assegurados à Marcela estão carteira assinada e seis meses de licença-maternidade. Ela acaba de deixar a empresa para ter seu bebê. Por que as empresas não fazem este tipo de contratação, nem ao menos com grávidas que estão em início de gestação?

Estive pensando, diante da grande repercussão da contratação da Marcerla, o quanto ainda é preciso avançar na gestão das empresas. Em 2018, a contratação de uma mulher grávida não deveria ser algo extraordinário.

É urgente a necessidade interromper uma lógica sutil e perversa, que considera pessoas como recurso, que cria barreiras com justificativas focadas apenas em custo. Situações preconceituosas e discriminatórias em processos de seleção são muitas vezes justificadas, por exemplo, por existir uma necessidade da pessoa contratada mostrar desempenho imediatamente. Frases como “eu não contrataria uma pessoa grávida para daqui a alguns meses ter que preencher com outra pessoa” são frequentes. Em outros casos, até o salário mais baixo para mulheres é justificado pela possibilidade da mulher engravidar e ter que sair em licença maternidade.

Sei que existem alguns contextos e necessidades específicas, mas criar processos seletivos mais justos e inclusivos é um exercício constante e permanente de empatia, e é somente através dessa projeção que conseguimos criar valor, entendendo valor como o que é importante e faz sentido não apenas sob a ótica financeira. Mas para fazer o que é certo.

Geledés – Existe algum tipo de política de contratação voltada para as mulheres dentro da companhia Se existe, como ela se dá?

Por sermos uma empresa que valoriza e estimula um ambiente mais diverso, temos um olhar intencional por parte do recrutamento, preparando e capacitando as pessoas recrutadoras para garantir equidade para as mulheres no processo, evitando o estereótipo de gênero, por exemplo.

Durante o processo seletivo de uma mulher na ThoughtWorks, necessariamente haverá uma outra mulher a entrevistando em todas as etapas.

Internamente, realizamos cursos de formação feminista e também realizamos diversas atividades de reflexão como fishbowls para discutir possíveis atitudes machistas dentro e fora do escritório.

Também realizamos eventos com a comunidade de tecnologia, buscando mostrar o campo tecnológico como uma área atrativa para as mulheres, bem como com a finalidade de conscientizar a sociedade das disparidades entre gêneros existentes dentro da comunidade de TI. Estimulamos uma postura ativa de todas as pessoas na criação de um ambiente mais igualitário em oportunidades e reconhecimento.

O objetivo é que as pessoas possam se desenvolver e ocupar os espaços que elas desejam e se esforçam para ocupar, sem que questões como raça e gênero sejam barreiras. Diversidade não pode justificar desigualdade de oportunidades.”

Geledés – No Brasil, segundo o site de empregos Catho, a diferença salarial entre homens e mulheres chega até 53%. Se formos estreitar os dados para a empregabilidade de mulheres negras, a situação é ainda mais drástica. Como vê essa situação e quais iniciativas são necessárias para resolvermos esse desequilíbrio?

Opressões sistêmicas como racismo e machismo são estruturais e estruturantes. Isso significa que elas se dão em várias camadas da sociedade, dificultando não apenas o acesso das pessoas às oportunidades, mas também seu desenvolvimento profissional.

Como empresa, estamos sempre atentas para melhorar os mecanismos de entrada ao recrutar e darmos oportunidade para grupos de diversidade. O objetivo é que as pessoas possam se desenvolver e ocupar os espaços que elas desejam e se esforçam para ocupar, sem que questões como raça e gênero sejam barreiras. Diversidade não pode justificar desigualdade de oportunidades.

Quanto ao reconhecimento, desenhamos um processo de revisão salarial que leva em consideração os diferentes contextos, que reconhece os impactos coletivos das pessoas e ainda trazemos representantes do nosso pilar de Justiça Social e Econômica para as reuniões de revisões salariais e acompanhamento de jornadas.

Reverter esse desequilíbrio demanda muito esforço e intencionalidade. Não é fácil, é um trabalho e um olhar constante de todas as pessoas envolvidas para as injustiças sociais, mas acreditamos que é o certo a se fazer.

“Opressões sistêmicas como racismo e machismo são estruturais e estruturantes. Isso significa que elas se dão em várias camadas da sociedade, dificultando não apenas o acesso das pessoas às oportunidades, mas também seu desenvolvimento profissional.”

Foto: Diego Moreira

Geledés – Vapasi é um programa da ThoughtWorks na Índia que aborda a diferença de gênero dentro da comunidade de desenvolvedores. O programa ajuda mulheres experientes que estão afastadas do trabalho a reingressar no mundo da programação. Existe algum tipo de iniciativa desse tipo da empresa no Brasil?

Na ThoughtWorks Brasil, nossas ações se organizam em várias iniciativas, como o grupo de discussão sobre justiça de gênero, a campanha Todas as Mulheres na Tecnologia, treinamentos internos e programas de desenvolvimento de liderança. Damos ênfase também à interseccionalidade, trazendo assuntos como a jornada da mulher trans para trabalhar com dignidade.

Geledés – Como funcionam os programas da companhia como Wild (Women in Leadership Development) e quais são seus propósitos?

WiLD é um programa para formação lideranças femininas com o propósito de habilitar essas mulheres a ocupar espaços de tomada de decisão e gerar impacto dentro da ThoughtWorks. Ele foi criado como uma forma de acelerar a presença de mulheres em papéis de liderança, fortalecendo um ambiente de apoio às suas jornadas. Esse programa acontece tanto global como localmente e é parte de programas de desenvolvimento de lideranças técnicas e de negócios.

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