Em autobiografia, Martinho da Vila relata histórias de vida e de música

Novo livro do artista traz lembranças que fascinam pela leveza e simplicidade

FONTEFolha de São Paulo, por Tom Farias
Martinho da Vila no lançamento do livro no Sesc Pinheiros - Ronny Santos/Folhapress

Martinho da Vila” é o título do livro autobiográfico de um dos mais versáteis artistas da cultura popular brasileira. Sambista, cantor, compositor, contador de histórias e escritor, o autor da obra que acaba de ser publicada pela editora Planeta tem mais de 50 anos de estrada só no palco da música, mas é também romancista, cronista, contista, ensaísta, historiador musical, político e, para variar, um ótimo narrador de historinhas para jovens e crianças, tendo publicado várias obras nesse último gênero.

Hoje, aos 86 anos, mantém-se profícuo e inspirado, no campo musical e literário. E é um andarilho incansável. Martinho continua fazendo shows dentro e fora do país, com casas lotadas e fãs afoitos e ardorosos, especialmente em países europeus. Como escritor, produz um livro atrás do outro –e todo ano lança título diferente.

Com essa garra octogenária e jovem, Martinho tem se enfronhado, ultimamente, na pegada de escritas memorialísticas. Lançou, no ano passado, “Memórias de Teresa de Jesus” (editora Malê), com foco no legado de sua mãe, trazendo histórias da matriarca da família Ferreira para que a filha Alegria, uma criança quando a avó faleceu, pudesse saber quem ela era. O livro, pegado na ancestralidade, já tinha sido publicado em 2002, com o título de “Memórias Póstumas de Teresa de Jesus” –uma leve referência a Machado de Assis, de quem o autor é fã e leitor.

No livro novo, escrito durante a pandemia, Martinho passeia pelo resgate entre a memória e a ficção. A obra, de 319 páginas, é um misto de ensaio biográfico e romance, ao mesmo tempo em que é uma revisita ao seu passado e uma consagração ao que melhor ele vem fazendo nas últimas cinco décadas –a música.

Há letras de músicas em quase todas as páginas do livro. Mas isso não é novidade na vida literária do sambista e escritor. Tanto em “Barras, Vilas & Amores”, romance publicado em 2015, quanto em “Contos Sensuais e Algo Mais” (2022), Martinho não economiza em transcrever letras de suas composições –das mais famosas, como “O Pequeno Burguês” e de algumas inéditas, classificadas por ele “um pouco” melancólicas.

Aliás, melancolia é o que não falta nessa nova obra. Martinho, que é sempre uma pessoa de convivência fácil e positiva —e devagarinho para lidar com tudo e com todos—, toca na tecla da tristeza, da nostalgia, quando fala do passado e da família que não está mais nesse plano, e ao fazer uma digressão sobre sua infância, desde Duas Barras, onde nasceu, até a Serra dos Pretos Forros, na Boca do Mato, subúrbio carioca, aonde chegou aos quatro anos.

Além da terra natal, o bairro de Vila Isabel, onde fica a escola de samba do coração e da vida, também está presente nesse romance memorialístico. Martinho ainda conta causos, relembra situações gostosas e aventurescas, revive momentos de viagens e repertórios de enredos de carnavais vitoriosos e outros nem tantos, marcando sua sina de artista-escritor.

Dono de extensa bagagem literária e intelectual, Martinho é sempre inovador e bastante humorado. Com uma mente literalmente fabulosa, tece tramas e dramas, construindo “estórias” que encantam e seduzem, sobretudo aqueles que já o conhecem pela música e pelas letras.

“Martinho da Vila”, título homônimo do próprio nome do seu autor, com linguagem bem coloquial, é uma obra que dialoga entre os personagens Zé Ferreira e Da Vila. Por aí, como o mesmo diz no prólogo, é certo que o leitor ou leitora “vai se divertir e sorrir”.

Parte dessa diversão e desse sorriso vem das conversas do romancista com o seu personagem, isto é, ele mesmo, recheando de referências graciosas passagens de sua vida, com muitas andanças e conquistas.

O Martinho da Vila que todos nós conhecemos —ou o Martinho José Ferreira da convivência familiar e menos popular— permanece o mesmo, entra ano e sai ano. Devagar, devagarinho. No recanto do seu lar, na quietude do seu escritório, continua pondo no papel casos e lembranças de uma existência rica e que cada vez mais fascina por sua leveza e simplicidade.

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