Carlinhos Brown costuma acordar no meio da noite para pintar. Acontece com a música também, mas a pintura tem tomado espaço considerável. Há seis meses, Brown encarava a atividade como hobby. Uma visita de Jorge Hereda, presidente da Caixa Econômica Federal, mudou a perspectiva. “Ele foi à minha casa e disse ‘tem um monte de coisa boa, vamos fazer uma exposição’. Eu disse ‘não, sou tímido, sou músico e isso aí é para curtir’. Ele ligou no outro dia e disse ‘vamos fazer uma exposição sim, você vai ser lançado como um artista visual'”, conta o músico, feliz por dividir o espaço da Caixa Cultural com obras de Debret e de artistas contemporâneos de Angola. Em O olhar que ouve, Brown mostra 25 pinturas feitas nos últimos cinco anos, quando retomou desejo acalentado desde a infância.
Filho de um pintor de parede, Brown inúmeras vezes acompanhou o pai em serviço, mas o fascínio pelas cores atrapalhava. Um dia, coloriu as paredes do cliente e levou bronca. A orientação era pintar de branco e gelo. “Eu não queria ficar pintando só uma cor”, lembra. “Mas meu pai via que eu tinha dons musicais e me entregou para o mestre Pintado do Bongô, que me conduziu na música. Nos últimos cinco anos, me veio a vontade de me expressar através das telas.”
A pintura de Brown não chega a ser figurativa, não representa cenas, paisagens ou figuras, mas também não é completamente abstrata. A falta de formação e o autodidatismo conferem às composições liberdade adquirida graças à maturidade e ao desprendimento de escolas ou estilos. “O que me guia é o gesto. O gesto e a ignorância. E junto à ignorância, que é a falta de conhecimento, a surpresa. Vejo que, se existe algo de arte em mim, se revela pelo gosto e por certa satisfação de que aquilo tá bom ou ruim”.