Enfrentamento do racismo na primeira infância

FONTEMíghian Danae Ferreira Nunes

INTRODUÇÃO

Me dizem invisível

Mas minha cor é negra

Me dizem pequenina

Mas as formigas no quintal de vó não acham a mesma coisa

Me chamam “venha cá, menino” porque meu cabelo é curto

Mas eu nunca achei que só menino pode sentir o vento bater na nuca

Me dizem ausente

Mas eu sempre respondo presente na chamada da escola

E eu sou a primeira da turma

Me chamo, Ana, menina negra (NUNES, 2014)

Os/as bebês e as crianças negras brasileiras estão vivas (NUNES, 2016)[1]. Este texto começa com esta afirmação porque entendemos que esta certeza deve ser celebrada, haja vista que o racismo é um dos motivos pelos quais as crianças negras têm menos acesso e oportunidade de viver a experiência da infância de modo satisfatório. Segundo documento organizado pelo Núcleo Ciência pela Infância (NCPI) em 2021,

o racismo é uma das variáveis que compõem as chamadas Experiências Adversas na Infância (CDC, 2019). A experiência de ser criança negra no Brasil ocorre na adversidade do racismo brasileiro e essas crianças podem enfrentar maior exposição ao estresse tóxico por traumas e a situações de pobreza devido ao racismo” (p. 10). 

Neste texto, utilizamos a definição de racismo proposta por Nilma Gomes (2017), que o vê como

por um lado, um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes, do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como: cor da pele, tipo de cabelo, etc. Ele é por outro lado um conjunto de ideias e imagens referente aos grupos humanos que acreditam na existência de raças superiores e inferiores. O racismo também resulta da vontade de se impor uma verdade ou uma crença particular como única e verdadeira (p. 52).

Nas páginas que seguem, apresentaremos alguns conceitos e discussões que entendemos como relevantes para a compreensão da importância que há em falar sobre os/as bebês e as crianças negras em uma sociedade racista como o Brasil, último país a abolir a escravização legalmente e que, ainda hoje, por não oferecer acesso e oportunidades iguais à população negra de participação em sociedade, acaba por comprometer a existência de crianças negras brasileiras. Este texto busca contribuir com uma maior inserção do tema das relações raciais nos estudos sobre infância pois, em sendo raça uma categoria utilizada no cotidiano de nossas relações sociais, não é possível olhar as infâncias – estas sempre plurais e em contexto – desconsiderando de que modo a raça está presente nos processos sociais de constituição das pessoas. 

Este texto está dividido em quatro seções. Na primeira delas, apresentaremos alguns conceitos importantes para entendermos toda a discussão que o texto faz. Criança, infância, raça, desenvolvimento, autoestima (e estima racial) e culturas infantis são conceitos muito importantes para compreendermos como as crianças negras e suas infâncias se veem e são vistas em contextos em que o racismo está presente. 

Na segunda seção, discorreremos brevemente sobre as legislações – em sua maioria, as legislações brasileiras – e como elas têm alcançado as crianças negras. Na terceira seção, apresentaremos o que pensamos ser importante saber se desejamos conhecer mais os/as bebês e crianças negras, apresentando pesquisas que levaram em consideração suas vozes e seus interesses para a produção de conhecimento. Entendemos que a presença destas, em “cor e corpo” (NUNES, 2012, p. 66), nos mostra que a nossa existência na sociedade brasileira só se fará concreta quando, de fato, incluirmos a participação e a voz das crianças nas pautas organizadas para a garantia plena de direitos da população negra.

Na quarta seção, elaboramos recomendações importantes para quem deseja incorporar o debate das infâncias negras a partir de uma perspectiva que leve em consideração os debates acumulados pelo campo das relações raciais e da educação para as relações étnico-raciais (ERER). Esperamos que este texto possa colaborar com os debates em torno do tema da primeira infância no Brasil, das infâncias negras, da educação para as relações étnico-raciais e nos estimule a repensar práticas e teorias sobre as crianças negras brasileiras, de modo possamos nos encontrar, adultas/os e crianças negras, na caminhada de superação do racismo. 


[1] Ainda que reconheçamos a diferença etária existente entre bebês e crianças, optamos por, em alguns momentos deste texto, utilizar a expressão “criança negra”. Ainda assim, gostaríamos de frisar a importância, para nós, de estarmos atentas de que a construção de um mundo sem racismo deve ser pensada para, com e a partir dos/as bebês.

Leia também: Enfrentamento ao racismo desde a primeira infância: uma análise dos marcos legais sobre o tema

-+=
Sair da versão mobile