Entrevista: “A gente tem um projeto de liberdade e transformação para a nossa cidade”, afirma Vilma Reis, pré-candidata a prefeitura de Salvador

Segunda pré-candidata negra à Prefeitura de Salvador a ser entrevistada pelo portal Mídia 4P, a socióloga Vilma Reis, que é filiada ao PT, teve sua candidatura lançada no dia 2 de julho, maior data cívica do Estado (e data de nascimento desta plataforma), por uma articulação de mulheres negras reunidas no Fórum Marielles. Dona de uma extensa história de militância, Vilma abordou, neste bate-papo, temas como os planos políticos do grupo caso não tenham a candidatura aceita pelo PT, os projetos dela para a cidade de Salvador, as possibilidades de criar aliança em torno de um nome para as eleições de 2020, além de falar sobre a construção feita, até aqui, para concretizar o desejo de eleger uma negra para o Thomé de Souza.

Por Yuri Silva, Do Mídia 4P

Vilma Reis- mulher negra, de cabelo preso, vestindo camiseta e casaco branco e um cachecol vermelho- sentada gesticulando com as mãos.
Vilma Reis conversou com o Mídia 4P no café e na biblioteca do ICBA (Foto: Midiã Noelle/Mahin)

 

Lutas como a do Quilombo Rio dos Macacos, da implantação das ações afirmativas na UFBA, a construção do Ceafro e de outras iniciativas antirracistas na cidade também foram lembradas pela professora, filha do bairro de Marechal Rondon, nesta entrevista exclusiva.

Essa é a primeira vez que Vilma Reis fala à imprensa, neste formato de entrevista ping-pong, após o lançamento da sua pré-candidatura.

Vilma aproveitou a ocasião para elogiar a entrevista do presidente e fundador do bloco afro Ilê Aiyê, Antônio Carlos dos Santos, o Vovô, quadro do PDT que também é pré-candidato ao comando do Executivo municipal, que inaugurou esta sequência de entrevistas.

Na ocasião, ele decretou: “Se for uma mulher negra, é melhor ainda”.

Para Vilma, a afirmação de Vovô é fruto da “organização matrifocal” da qual ele é originário. E ela sentencia, ao comentar a ebulição de pré-candidaturas negras a cargos eletivos na capital baiana: “Nós mudamos as eleições de 2020, mudamos a história do ano de 2020. Atiramos uma pedra ontem num pássaro que só vai chegar amanhã”.

AGENDA DA SÉRIE DE ENTREVISTAS

Conforme divulgado pelo Mídia 4P, as entrevistas serão publicadas na ordem e à medida em que forem feitas, com todos os candidatos negros que colocarem o próprio nome oficialmente na disputa pelo cargo de prefeito.

Até então, além de Vovô e Vilma Reis, já lançaram oficialmente seus nomes para o posto o vereador de Salvador Moisés Rocha (PT) e o deputado federal do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra Valmir Assunção (PT).

Por um erro, Rocha e Assunção não haviam sido citados inicialmente na primeira reportagem publicada pelo Mídia 4P anunciando a série de entrevistas especiais. Contudo, os leitores sempre atentos da plataforma nos alertaram para o equívoco e, na sequência, convidamos os dois parlamentares para compor a rodada de entrevistas.

A deputada estadual Olívia Santana (PCdoB) e o vereador de Salvador Sílvio Humberto (PSB) também foram convidados para a série de entrevistas. Embora não tenham lançado suas pré-candidaturas, ambos são postulantes naturais dentro das suas legendas à Prefeitura e não escondem o desejo de disputar o comando do Executivo Municipal soteropolitano.

O presidente do PSOL Bahia, o sociólogo Fábio Nogueira, informou à reportagem que a sigla não tomou definição sobre o pleito do próximo ano. Além disso, nenhum nome da legenda colocou-se publicamente como pré-candidato, até então. Por isso, nenhum quadro do partido foi convidado.

Outros pré-candidatos negros que por ventura coloquem seus nomes na disputa pela Prefeitura, mesmo que isso aconteça após o início das publicações, também serão convidados a dar entrevista para esta série, que tem o objetivo de dar voz a essas lideranças políticas de Salvador.

Moisés Rocha dará entrevista ao Mídia 4P na próxima segunda-feira, dia 5, e sua entrevista será publicada no dia seguinte. Até o momento, ainda aguardamos resposta dos outros pré-candidatos convidados.

Agora, vocês leem a entrevista com Vilma Reis.

MÍDIA 4P – A candidatura da senhora foi lançada no dia 2 de julho por uma articulação de mulheres negras. Existem movimentos na cidade pra lançar outras candidaturas negras para o Executivo e para o Legislativo municipal. Qual a intenção de lançar a candidatura de Vilma Reis, que tem uma história de militância, numa cidade que nunca elegeu um prefeito negro e que, à exceção da ex-prefeita Lídice da Mata (à época no PSDB), nunca elegeu um candidato de esquerda?

Vilma Reis – Essa é a primeira entrevista que estou concedendo como pré-candidata nesse formato. Então quero falar da minha emoção de fazer essa entrevista contigo, pois é selar muitas lutas que estão em curso e que somos parte. O movimento de mulheres negras lançou nossa pré-candidatura no dia 2 de julho, maior data cívica da Bahia, é verdade, pois para nós é um ato de interromper a colonização no território politico da nossa cidade. Nós entendemos que a proposta que a gente colocou sobre a mesa é irreversível. Nós estamos interrompendo um capítulo dos colonizadores. Há uma adesão nacional a essa proposta e nós não estamos entrando porque depois temos dois, três, quatro ou cinco planos. O movimento de mulheres apresenta esse projeto para nós disputarmos a Prefeitura e esse não é um projeto que a gente vai tirar de cima da mesa caso alguém chegue e fale “olha, será que não é depois?”. Não. A gente está fazendo um debate político e, para a gente, é um debate civilizatório. É inaceitável o que ocorre nessa cidade, onde uma mãe disputa uma vaga de creche num sorteio com mais 150 mães. Isso é pior que África do Sul durante os anos de chumbo do Apartheid. É pior do que ser submetido aos bantustões de Joanesburgo. Então nós não podemos aceitar essa violência colonial atualizada, aquilo que na literatura a gente chama de colonialidade. Eu penso que o que os movimentos de mulheres negras que se organizam em torno do Fórum Marielles em Salvador, e hoje se espalhando por toda a Bahia, (fez) foi decidir interromper o racismo institucional. Nós colocamos todos os partidos políticos num debate que, pela primeira vez, a gente não está reagindo para responder a uma pauta. Todos se movem para construir respostas para debater com a pauta que nós colocamos. Isso é muito forte. É importante a gente estar conversando no início de agosto, pois é Agosto de Búzios (Revolta dos Búzios), mês em que nossos revolucionários e revolucionárias, inspirados no Haiti, nossos jacobinos negros, lutaram. É a gente lembrar de toda a rebelião negra do Haiti, de Luiza Mahin, de que eles e elas estavam em conexão. É lembrar de Zeferina, que está lá no livro de João Reis, e que se reconstrói com a juventude negra do Quilombo do Urubu, em Cajazeiras. Pois bem, (foi inspirado nesses heróis que) nós estabelecemos um debate para interromper esse racismo brutal onde as pessoas pensam que podem decidir o destino dessa cidade sem a gente.

A senhora é filiada ao PT, mas a candidatura e o Fórum se apresentam sem identidade partidária, pois tem gente de várias legendas, de diversas entidades do movimento negro. Como está o diálogo sobre isso? A candidatura de Vilma Reis será por qual partido?

É público que eu sou filiada ao Partido dos Trabalhadores. Minha filiação foi em ato público, no dia 13 de julho de 2007, junto com mais 156 mulheres, na sede da Rua da Independência, sob a liderança da nossa companheira Luiza Bairros. Nós criamos um campo de atuação dentro do Partido dos Trabalhadores, denominado Expressão Feminista. Muita coisa aconteceu nesses 12 anos. Naquele ano mesmo, disputamos de forma muita sadia e importante politicamente o Setorial de Mulheres do PT. O encontro do setorial nós vencemos a tese, mas depois não vencemos a eleição por pouco. Mas nós vencemos, pois, depois de muito tempo, nós estabelecemos um debate necessário. Eu penso que nesses 12 anos – Kabecilé, que seja 12 – a nossa caminhada sempre foi no campo da esquerda. E quando Sueli Carneiro diz para a gente que, entre direita e esquerda, nós somos pretas, o que Sueli está dizendo é que quem empurra a esquerda para a esquerda realmente somos nós, a esquerda negra. Esse país insiste em não reconhecer a existência de uma esquerda negra, mas nós somos a esquerda espalhada em vários partidos. Eu me mantive filiada ao Partido dos Trabalhadores e toda a nossa ação política contundente se dá no campo da esquerda. Nós estamos dialogando. Nossa primeira reunião foi com o presidente municipal do nosso partido, que é o Gilmar Santiago. Nós dialogamos com Gilmar porque é uma questão de respeito e o debate deve se dar para dentro do partido. A gente está fazendo a discussão e vai saber que decisões serão tomadas. Nós estamos aqui para respeitar as decisões coletivas. Mas é importante deixar claro que o Fórum Marielles dialoga com um amplo campo da esquerda, porque tem mulheres de vários partidos. E nós estamos numa luta para que não apenas tenhamos êxito na eleição majoritária, mas também que a gente constitua uma ampla bancada de mulheres para a Câmara de Vereadoras de Salvador. Eu uso essa força do léxico, porque pronunciar essa Câmara de Vereadores, essa Câmara de Deputadas, (pronunciar) senadoras, prefeitas, para a gente é muito importante, pois a gente luta para apoiar a chegada de mulheres negras aos espaços de poder. Essa candidatura e todas essas pré-candidatas à Câmara de Vereadoras tem um projeto político para toda a sociedade. Nosso projeto é para os homens negros, para as mulheres brancas, para os homens brancos. A gente entende que o que acontecer em Salvador será mais uma vez régua e compasso para o conjunto do país. O país clama por uma resposta e nós estamos construindo uma resposta. Na hora que nós equilibrarmos a distribuição da riqueza e o reposicionamento do nosso povo nos espaços de poder, a gente vai dar uma boa organizada na sociedade. As pessoas brancas são 15% dessa cidade, os homens brancos são 8% dessa cidade, mas quando você olha as representações de poder, parece que são 80%, (eles) se agigantam em 1.000%.

Essa distorção racial na representação política se dá inclusive nos partidos de esquerda, que tem direções brancas. A senhora disse na resposta à minha primeira pergunta que esse é um projeto eleitoral irreversível. Considerando isso, caso a candidatura não seja levada à frente pelo partido, qual o plano de vocês?

O nosso plano, que está sobre a mesa, é o da candidatura majoritária e nós temos que lutar por esse projeto. Lutar, lutar, lutar. Nós acreditamos muito na construção de base que estamos fazendo. Às vezes, parece que a gente colocou a proposta antes (da hora). A gente fica muito feliz de ter colocado e a gente acha que colocar no 2 de julho, com a força que tem o 2 de julho, consideramos que colocamos na hora certa. Talvez a gente precisasse ter colocado 10 anos antes. Mas as condições objetivas, e aqui nós estamos falando dialeticamente, a construção toda que nós fizemos e a possibilidade que nós tivemos foi exatamente agora. E nós não antecipamos em absolutamente nada. Nós estamos aqui cumprindo o que as nossas mais velhas ensinaram. Mãe Stella disse para nós que nosso tempo é agora. Esse capítulo e essa vitória é nossa. Colocamos a proposta sobre a mesa. A gente precisa acreditar em toda a possibilidade de aliança dos que lutam contra o racismo, dos expoentes do movimento negro, dos movimentos de mulheres negras, movimentos feministas, movimento LGBT, o movimento que irrompe nos quilombos, movimento das pescadoras e pescadores que estão nas ilhas, a gente conta com a força da Ilha de Maré e de tudo que cerca essa Salvador, para dizer que queremos agora a resposta dos brancos antirracistas. Sabemos que tem pessoas brancas que querem uma mudança para Salvador e elas estão dentro dos nossos partidos e elas não aguentam mais os projetos convencionais, que se apresentaram no mesmo desenho. Nós acreditamos e temos conversado com muitas pessoas brancas que acreditam numa transformação política. E elas estão dizendo aquilo que está nesse texto de Marielle Franco: “Uma nova estética política, na perspectiva de articular gênero, raça, classe e territórios populares, para que a vida seja colocada acima do lucro”. Tem pessoas brancas que acreditam nessa nova estética política junto com a gente. Mas, para além disso, o Rio de Janeiro criou respostas diferenciadas nas eleições de 2018. Minas Gerais criou as gabinetonas (mandato coletivo do PSOL e do PCB). Em São Paulo, uau, Érika Malunguinho. Eu vi a incidência do movimento negro reunido em Brasília. Eu vi a força de um mandato como o de Orlando Silva, por São Paulo. A gente vê a força de Renata Santos, de Mônica Francisco, daquelas mulheres que eram o mandato de Marielle no Rio. A gente vê a força, com tanta potência, de Marília Arraes no Congresso. E a gente vê a força que vem com Ingrid Farias em Pernambuco. Como que Salvador não vai criar um projeto diferente? Aí está o desafio para a esquerda branca e soteropolitana. Aqui a gente está propondo algo que é histórico e que é realmente transformador. Essa é uma proposta de pré-campanha que é realmente civilizatória. Tem pessoas brancas comprometidas com esse projeto. Pessoas dos movimentos de direitos humanos, da agricultura familiar, muitas pessoas brancas envolvidas nisso, que apoiam um outro tipo de economia, pensando como a gente vai desonerar a conta de energia das mulheres negras na periferia de Salvador, pensando em lavanderias como política pública, tão importante como posto de saúde, para que a conta de luz da mulher negra não venha parecendo que ela é de uma família de classe média, pensando na proposta de Marielle de fazer creche para que a mulher vá para o emprego em paz, em creches noturnas para que essas mães possam estudar após o trabalho.

Além da candidatura da senhora, existem outras pré-candidaturas negras à Prefeitura de Salvador, de outras mulheres e homens negros. Como a senhora avalia esses outros nomes?

São fantásticos. São fantásticas as propostas, porque pela primeira vez nós quebramos os grilhões. Não tem mais um grupo colonial dizendo quem vai ser. Nós, em nossos movimentos e organizações, nós partimos para um nível de desobediência racial, a gente quebrou. Eles querem a nossa obediência e a gente desobedeceu. Em uma cidade em que somos 85%, era para ter muito mais. O segmento negro LGBT que lance (pré-candidatura), todos são legítimos para lançar. E que a gente junte toda essa força e que, se a gente puder fazer debate em todas as convenções dos nossos partidos, que a gente faça, porque aí a gente quebrou os grilhões. Nós não somos uma invenção, então é legítimo que todas as pré-candidaturas lançadas aconteçam, porque são pessoas que estão construindo há anos. O que é um acinte é que pessoas que não sabem nada sobre o nosso povo e que nunca passaram nos lugares onde a gente vive, de repente (apareçam como candidatos). Essas propostas eram as que apareciam. Chega! Chega disso! Espero que tenham mais (candidaturas negras). É tudo legítimo. Que em todos os partidos nosso povo se rebele. É necessário interromper, então tem que ter proposta em todos os partidos. Esse povo tem que nos ver com respeito. Não é possível que se decida o futuro dessa cidade sem sequer se dar ao trabalho de nos ouvir. Nós somos 85% da cidade.

A direção do PT, o governo, alguma dessas lideranças que costumam historicamente decidir quem é o candidato a prefeito chegou a procurar a senhora após o lançamento da candidatura?

O PT é um partido, tem tendências. Nós temos dialogado com vários segmentos. A gente está se colocando como um projeto de base e estamos fazendo o debate para dentro do partido, pois é a esse partido que eu sou filiada. Eu acho que tudo está no início ainda. Tudo está começando. A gente tem ouvido coisas tão respeitosas, tem se surpreendido positivamente com lideranças do partido. O movimento social, de mulheres negras, surpreendeu também esse campo partidário. Eles e elas estão processando essa história. E eu acho importante que processem mesmo. Eu acho importante que lideranças, ao falarem aos jornais, já tenham citado nossa pré-candidatura como possibilidade, porque antes não estava no horizonte. No dia que eu abri o jornal, eu falei “uau, é a primeira vez na história”. A gente plantou uma semente que vai dar muitos frutos. Dará fruto nesse processo eleitoral, mas também a gente plantou (para o futuro), a gente fez um florescer, pois nós somos pólen no futuro flor do nosso povo. A gente fez acender uma luz com muita força nas pessoas que talvez nunca pensaram que elas são uma possibilidade eleitoral, quando as pessoas, no jogo da ciência política, do everyday, do todo dia, dizem assim “não, não tem densidade eleitoral, nunca foi testado”. A gente quer tirar tudo isso da nossa frente, porque para os projetos convencionais essas não são as regras. Nós somos as possibilidades para a nossa cidade e a gente tem um projeto de liberdade e transformação para a nossa cidade. E nós queremos muitas pessoas envolvidas nesse projeto. Muitas.

Temos na Bahia muitos políticos negros, muitos de direita, ligados à Igreja Universal, por exemplo. A senhora acha que é possível dialogar com esses grupos evangélicos nesse projeto racial e antirracista para Salvador?

Eu considero que tem um campo evangélico progressista, que cultua o seu sagrado e que respeita a diversidade religiosa, e eu acho que é muito importante a gente dialogar com todos que se propuserem a esse campo de liberdade religiosa e respeito à diversidade religiosa e, principalmente, no campo institucional, à afirmação da laicidade do Estado. Eu cresci em comunidades em que as pessoas podiam ser de candomblé, católicas e os chamados crentes, que a gente denominava naquela época. Eu nasci em Marechal Rondon. A gente sempre conviveu com famílias de congregações religiosas cristãs, a gente não tinha essa situação de intolerância. A gente fazia caruru, as crianças que eram daquela família sempre foram. Para a gente foi tão importante aquela convivência. Tem um campo para dialogar. Sempre vimos a postura de Padre Lázaro, de Pastor Djalma, do pessoal da Igreja de Nazaré e de outros lugares, então tem muita gente para construir junto. Tem campos para dialogar com os segmentos progressistas que são contra a intolerância, contra a demonização do nosso povo, e eu acho muito importante construir esse diálogo. E elas querem que a gente chegue perto para trazer esses debates de libertação das mulheres, de afirmação de negritude. Tem comunidades que têm debatido a questão dos direitos sexuais e esse debate nos interessa muito. É importante esse caminho.

A senhora foi lançada por um campo amplo e majoritário de mulheres negras, de maioria esmagadora de mulheres negras. Diante disso, eu queria pergunta qual a importância, na avaliação da senhora, dos homens negros para esse projeto político?

Eu acho fundamental. Nós estamos iniciando uma série de diálogos com lideranças históricas do movimento negro, que são homens negros que construíram, eu diria nos últimos 40 anos, nessa cidade e que fizeram combate ao racismo. E que através deles muitas lutas irromperam e nós fomos bem-sucedidos e bem-sucedidas. E nós temos sempre que lembrar deles, dialogar com eles, inclusive estabelecer um tipo de debate, pois sabemos da importância dessas pessoas, para elas construírem para dentro dos partidos e fora dos partidos o projeto político que nós estamos afirmando. Por isso eu fiquei tão feliz com a fala de Vovô (ao Mídia 4P na estreia da série de entrevistas com pré-candidatos, quando o presidente do Ilê Aiyê e pré-candidato à prefeito pelo PDT defendeu que “se for uma mulher negra, é melhor ainda)). Quando eu abri, eu falei “olha!”. (Risos) Ele vem de uma organização matriarcal com uma atuação política que tem, porque a gente não morre, Mãe Hilda Jitolu, que tem Arany Santana, que tem Ana Célia, que tem Dete Lima, essa potência. Então ele vem de um projeto matrifocal bem-sucedido. Nós acreditamos que esses homens que tem construído historicamente, homens negros que tem construído ao lado de mulheres negras, eles vão caminhar rente com a gente.

O movimento negro tem suas idiossincrasia, digamos assim. Tem suas divisões, matizes, organizações. E os brancos gostam de explorar essa pecha de que nós não nos entendemos entre a gente. O racismo sempre explora isso. Como a senhora acha que será possível mostrar para a sociedade uma unidade em torno das eleições de 2020?

Eu considero que o tipo de projeto que o movimento de mulheres negras colocou sobre a mesa unifica todos os movimentos negros na Bahia, porque o nosso sonho sempre foi esse. Quando Vovô, em diversas edições da Noite da Beleza Negra, disse “eu quero ela, a Prefeitura”, foi lindo porque ele nunca deu um nome. Então ele estava dizendo para todos e todas nós que podia sair de qualquer um de nós, de qualquer uma de nós. Eu tenho visto manifestações de tantos segmentos do movimento negro, tanto na Bahia quanto nacionalmente. É tão bonito o que está acontecendo. Você acompanhou as redes sociais, foi algo explosivo. Você encontrou a gente na reunião do (café do Cinema) Glauber (Rocha, na Praça Castro Alves) em que estávamos definindo a pré-candidatura. Você juntou as peças ali, né? (Risos) Ali foi a reunião que a gente estava pensando “poxa, vamos mesmo?”. E foi tão maravilhosa a forma como a cidade se manifestou. Eu penso que você me construiu, eu construí você, Vovô me construiu, a gente construiu o Ilê Aiyê. A gente, cada um do nosso jeito, construiu Olívia (Santana, deputada estadual e pré-candidata do PCdoB a prefeita). Eu, desde muitos anos atrás, todos e todas nós construímos Sílvio (Humberto, vereador de Salvador e pré-candidato do PSB a prefeito). E Sílvio construiu a gente. O orgulho que a gente teve quando viu Sílvio vereador de Salvador. O orgulho que a gente teve de ver a potência de Olívia na campanha de 2012. E a gente imagine o quanto foi difícil para todas essas pessoas que se colocaram antes de nós. O Ilê tem uma música que diz “Sem dividir, seremos sempre mais”. Essa conta que o Ilê faz é a conta que vai nos levar ao Palácio Thomé de Souza. É tão lindo o que está acontecendo. Todas essas lideranças políticas negras construíram. Eu não seria a socióloga e a professora que eu sou sem o apoio do Ceafro e da Steve Biko. Eu vi Ceafro, Steve Biko, Vida Brasil e Gapa se juntaram no Consórcio Social da Juventude e a gente ocupou a Estação da Calçada com todos aqueles jovens de Salvador. E as pessoas não entendiam, (falavam) “Oxe, como é que essas organizações se juntaram?”. E a gente venceu o consórcio, se espalhou em todo o Subúrbio de Salvador. Os nossos passos são de longe mesmo. E tudo que a gente trouxe até aqui foi de aliança negra. O mundo que a gente inventou para existir em Salvador só foi possível por alianças negras. Pela colonização, nós estaríamos todos mortos e aqui seria o lugar perfeito para que os racistas vivessem sem a gente. Como disse Antônio Godi, e ele disse isso aqui no ICBA, a luta sempre foi para desafricanizar Salvador. E Salvador é uma vitória africana, Salvador é África. Ele disse isso naquele livro Ritmos em Trânsito. Então, tudo que nós fizemos nessa cidade foi de aliança negra. Tudo deu certo nessa cidade é a potência negra de pensamento. E só foi possível porque a gente caminhou junto. Eu lembro nos tempos difíceis do Ceafro, em que a gente tinha dificuldade de garantir o lanche e a passagem, a gente ia no Ilê conversar com Jonatas Conceição e Vovô reunia os diretores e dizia para resolver. As pessoas não têm ideia do que tem de unidade. As políticas de ações afirmativas na UFBA… Foi no auditório Milton Santos do CEAO, com o Ceafro liderando junto com a Steve Biko, com o Neno UFBA, com o Atitude Quilombola. É tudo aliança negra. As pessoas não tinham ideia se a gente ia ganhar ou ia perder. Quando a gente viu a juventude negra dessa cidade tomar a frente da Reitoria daquele jeito… Vocês são vitórias nossas, dessa aliança. Tudo isso é aliança, sem muitas vezes a gente falar. E outras vezes precisamos falar. Nossa geração está dando resposta ao que todos os negros e negras passaram. E a gente não vai recuar. O que me choca é que em as pessoas ainda fiquem perplexas com a atitude revolucionária que a gente tomou. O que o movimento de mulheres fez, o que as organizações fazem ao lançar Vovô, o que o campo político que sustenta as pré-candidaturas de Sílvio e de Olívia fazem é muito importante como exemplo de poder para o nosso povo. E isso só é possível, como diz Conceição Evaristo, fruto da nossa milenar resistência. Nós mudamos as eleições de 2020. Ela não terá o formato de sempre. Nós mudamos a história do ano de 2020. Eu penso que é a força de Exu. Atiramos uma pedra ontem num pássaro que só vai chegar amanhã. E que o fogo de Xangô nos sustente. E tem momentos em que vamos precisar muito das águas de Oxum. Porque, como diz a maravilhosa Mãe Ângela, é de Oxum porque mais de 70% de tudo que tem é água.

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