Entrevista com o cantor e compositor Dão Anderson

“Essa polícia preta, essa que vai para o tal embate com a população, continua sendo comandada pela polícia branca, aquela que sempre esteve na mais alta patente do comando…” (Dão)

O cantor e compositor baiano Dão é umas das mais interessantes revelações da música baiana atualmente. Com influências da black music e o swing baiano, o seu CD “O Nobre Balanço de Dão”, por exemplo, traz onze faixas e tem a direção musical do arranjador e multi-instrumentista Rovilson Pascoal, o mesmo das cantoras Marcela Bellas e Márcia Castro. Neste trabalho, Dão traça com propriedade um diálogo íntimo, somado a uma pegada mais atual, o que resultou num trabalho maduro, fruto de ideias, sensações e experimentações, dando vida à timbres suaves com uma fina mistura de elementos eletrônicos.

Outro ponto que merece atenção é o seu vídeo Além Mar, filmado no Porto da Barra e Angola (*uma das cena é na mesma locação de Terra Estrangeira, com Fernanda Torres), resultando num mergulho na nossa ancestralidade negra, com um mosaico de cores, texturas, pessoas e sons onde ele mostra a beleza do povo africano e de uma cultura que apesar de estar do outro lado do oceano, pertence também ao artista. Vídeo lindo!

Dão representa sim o que de melhor temos na música negra baiana e brasileira, sendo hoje um dos principais representantes da black music na cidade do Salvador, com influências do soul, blues, funk, reggae e samba duro. Em 2011, o músico fez temporada de quatro meses na Varanda do SESI, no boêmio bairro do Rio Vermelho, mas já abriu show de Lenine na Concha Acústica do Teatro Castro Alves e tocou para centenas de pessoas no Parque da Cidade pelo projeto Música no Parque, além de ter passado uma temporada em Luanda (Angola), onde fez show e gravou vídeos, e fez também uma deliciosa turnê de nove shows em oito cidades do Reino Unido.

No ano passado, quando eu conheci o seu trabalho, participou do Playgrude, um projeto musical destinado a crianças de todas as idades, onde se apresentou no palco do TCA, ao lado de Marcela Bellas, Helson Hart e outros artistas. Nesse entrevista exclusiva, Dão fala sobre a triste violência contra os negros em Salvador, sobre sua carreira, sobre o futuro e fama.

Elenilson – Quando subiu ao palco pela primeira vez?

Dão Anderson – Subi no palco com 13 anos de idade, num barzinho, no bairro do Barbalho. Dei uma canja no show do meu primo, Nal Brasil. Cantei “Ouro de Tolo” e “Trem das Sete”, do Raul Seixas.

Elenilson – Você já conseguiu realizou todos os seus sonhos como artista?

Dão Anderson – Realizei alguns: gravei dois discos, fiz três clipes, mas no meu caso, ainda quero muito mais.

Elenilson – Como você encara essa violência contra negros em Salvador?

Dão Anderson – Salvador é conhecida como a cidade mais negra fora do continente africano, porém, esqueceram de acrescentar ser também a cidade mais racista do País. A violência contra os negros sempre foi e sempre será um absurdo.

Elenilson – E sobre os extermínios nas periferias que as autoridades fingem que não existem e mentem descaradamente?

Dão Anderson – Algo que dói muito, pois essas famílias mal podem se defender desse verdadeiro “Tribunal de Rua”, pois se denunciam, correm o risco de serem retaliadas por abrirem a boca em sua própria defesa. A realidade é que nosso País ainda se comove pela cor. Se um garoto branco é pego com drogas, ele é detido e solto ao pagar fiança sem ninguém triturar a cara dele de socos. Vejamos, um negro sendo preso pelo mesmo delito? Arrastaram uma mulher negra, eu disse uma mulher, um ser humano, por mais de cem metros e, isso já está esquecido, pois foi assim que fomos educados. Somos educados a ver o negro ser espancado em praça pública como acontecia no Campo da Pólvora. Atitude feita para amedrontar qualquer outro negro que ousasse se rebelar contra a coroa. Atravessamos séculos nos contaminando com esse mal e ainda continuamos produzindo novos “capitães urbanos do mato”. É triste ver tamanha alienação, eles atacam a mesma periferia da qual fazem parte a mando dos senhores, que dormem nos bairros nobres longe de todo esse barulho.

Elenilson – Tem uma coisa que me incomoda muito com relação aos artista da Bahia: a maioria não tem um pingo de engajamento com nada em relação aos nossos problemas diários, sempre cruzam os braços ou não têm opinião formada sobre nada. Já deixei de fala com alguns por ter percebido que só estão preocupados com as suas carreiras, com os seus cachês e o fã, admirador e sei lá mais o quê que se f… Basta de mediocridade musical. A trilha sonora do país hoje não pode continuar sendo o lixo que atinge o cérebro, polui o coração e atrai as moscas varejeiras lambedoras de jabá. Como você avalia esse aspecto ou também acha que artista não pode ter uma opinião sobre uma greve de 115 dias dos professores, ou sobre o extermínio que a polícia preta está fazendo nas periferias com os igualmente pretos?

Dão Anderson – Interessante quando você diz: “…o que a polícia preta está fazendo nas periferias com os igualmente pretos…” Verdade, são negros batendo e matando seus semelhantes, são os tais “capitães urbanos do mato” que relatei anteriormente. Eu diria que essa polícia preta, essa que vai para o tal embate com a população, continua sendo comandada pela polícia branca, aquela que sempre esteve na mais alta patente do comando, dando ordens com o simples vá. Quando as merdas acontecem, aquele mesmo que matou, espancou, extorquiu, será avaliado pelos comandantes, será expulso, ou talvez não. E, se for expulso, retornará ao seu antigo lar (desempregado na periferia), pois os antigos líderes que não o preparam para atender a população, colocaram sobre os seus ombros toda a responsabilidade pela desastrada operação. O sistema escravocrata e racista sempre foi muito perfeito. Importante lembrarmos da existência da senzala grande e da senzala pequena. Os que viviam na senzala pequena, usavam roupas, tinham direito a comida, iam na cidade cuidar dos assuntos do sinhozinho, não apanhavam no tronco, dormiam em esteira, muitas vezes usavam sapatos (objeto de poder) e de lá, um era escolhido para ser capitão. Capitão do mato! Imagina como eram vistos, pelos que viviam na senzala grande? Vendidos, traidores, coisa ruim, negro metido e outros xingamentos bizarros. Ou seja, é importante colocá-los em confronto, é importante dar regalias a uns e nenhuma para muitos deles. É importante mostrar a oportunidade que lhes está sendo oferecida, antes mesmo que eles se unam e se rebelem contra nós, é importante mantermos a máxima crucial: a de que eles não se gostem e se acostumem com isso. Só que não conseguiram, a negrada se gosta e muito, alguns passam por conflitos, pois gostariam de ser o que vêem na televisão, levados pela mídia e todos sabem qual o papel do negro na grande mídia. É muita luta. Hoje entendo a importância de Mãe Menininha, de Mãe Stella de Oxóssi, de Mãe Senhora e tantas outras, Yás. Basta pisar no chão de Cachoeira para sentirmos a real vibração de resistência. Quanto aos músicos, cada um se posiciona como acha que deve. Eu procuro expressar minha arte e nela falar dos legados importantes dos meus antepassados. Falo de Clementina, falo do Sambizanga, falo de Candeia, falo dos terreiros, dos mais variados batuques como forma de resistência, de Bimba, de Pastinha, falo dos blocos afros de Salvador e faço tudo numa linguagem moderna, ou até mesmo POP, sem medo de avaliar meu som. Se me vem o tema sobre professores, escrevo, coloco arranjo e falo sem medo. Aquela greve de 115 dias, foi um erro. O professor é o sagrado da educação, afinal, foram eles que fizeram e fazem a todos nós. Máximo respeito, sempre!

Elenilson – Você é considerado uma das poucas promessas da música baiana contemporânea. Como você avaliar o atual cenário artístico na Bahia?

Dão Anderson – O atual cenário da música baiana é muito bom, tem muita gente produzindo bastante e isso precisa ser potencializado. Acho que se existem editais a coisa poderia ser menos burocrática e a verba repassada para os artistas acelerarem o processo de conclusão do projeto, seja na dança, seja na música, teatro ou outra expressão. Se isso não acontece, fazemos nossos shows por conta própria, mantemos nossos intercâmbios (que é meu caso) e seguimos criando mais e mais.

Elenilson – Como foi a sua experiência em Angola?

Dão Anderson – Minha experiência em Angola foi muito boa. Fiz show no teatro Elinga, conheci o Luanda Jazz, cantei no Chá de Caxinde, cantei com Wyza, cantei com o grupo Kituxi (conhecidos como “Buena Vista Social Clube” de Angola), escrevi canções no momento em que lá estive e fiz a gravação do clip “Além-Mar”, que teve um resultado maravilhoso.

Elenilson – O que você pode dizer que mudou no cenário do rap brasileiro dos anos 90 até hoje? Em termos de mídia, abordagem, organização, cena, música, etc…

Dão Anderson – O rap está cada vez mais crescendo. Tenho amigos MC’s e vejo a evolução nos seus trabalhos. No Brasil, a maior banda continua sendo os Racionais. Eles abriram as portas para o seguimento e pudemos ver cantores e bandas importantíssimos: RZO, Sabotage, De Menos Crime, Faces do Subúrbio, Criolo, Z’África Brasil e tantas outras. A galera do rap é super organizada, os caras vendem bonés com suas marcas nos shows, vendem broches, montam oficinas diversas de break, graffitt, DJ’s e MC’s. É uma cultura muito forte e poderosa.

Elenilson – Marcelo D2 já foi o usuário de maconha mais notório do País. Hoje ele parece uma caricatura de se mesmo com o mesmo discurso de “tô queimando tudo mesmo”. Como lidar com esse assunto das drogas num mundo do “isso pode” e “isso não pode”?

Dão Anderson – Acredito que tudo o que vira polêmica gera visibilidade para quem oprime e para quem é oprimido. Quando os músicos do Planet Hemp foram presos, eles tiveram muita notoriedade nos jornais de todo o País. Tiveram shows cancelados e isso proporcionou uma grande comoção na nação. No final, foi bom pros caras. Continuaram trabalhando, lançaram seus discos e a vida artística deles cresceu bastante. Em relação às drogas, querendo ou não, voltaremos ao mesmo lugar. Quem mais sofre no combate são os negros. Me lembro, na minha infância, quando se falava no combate às drogas, diziam que seriam fechadas as fronteiras e impediriam os narcotraficantes de negociarem seus produtos. Balela! Então, D2 continua “queimando tudo” porque assim ele sempre foi conhecido e quebrar seu slogan seria atirar no próprio pé, num País que só valoriza a polêmica. Tem uma frase maravilhosa de Raul Seixas que diz assim: “Raul Seixas e Raulzito sempre foram o mesmo homi, mas aprender o jogo dos ratos, transou com Deus e com o Lobisomem”.

Elenilson – Em algum momento já se deslumbrou com a fama?

Dão Anderson – Não conheço a fama.

Elenilson – Música na Bahia, hoje, se limita ao axé. E o axé é considerado uma música menor pela crítica, apesar de popular. O que acha disso?

Dão Anderson – Não acho o axé uma música menor. Existem grandes arranjadores por trás do movimento, além dos produtores que vão lá e fazem a música chegar na grande massa. Ou seja, os caras tem dinheiro e, se houvesse dinheiro em todos os seguimentos, ouviríamos de tudo nas rádios.

Elenilson – Esse tipo de mesquinharia te incomoda?

Dão Anderson – Criar fronteiras dentro do mundo da música é coisa muito antiga. Não dou bola para isso. Se os convites pintarem e eu gostar da coisa, vou numa boa.

Elenilson – Foi difícil para você, que faz rap, cantar uma música para criança no projeto “Playgrude”, de Marcela Bellas e Helson Hart ?

Dão Anderson – De jeito algum, foi o maior prazer. O Playgrude é um projeto lindo e só me deu ensinamento.

Elenilson – Já sofreu algum tipo de preconceito?

Dão Anderson – Sim. Se fôssemos contar os episódios, essa entrevista necessitaria um lenço pro gran finale. O ser Negro é estar eternamente com Ogum no pensamento. Nenhum passo atrás!

Elenilson – Quem é a maior cantor do Brasil?

Dão Anderson – Nelson Gonçalves.

Elenilson – Existe mesmo amizade entre os cantores baianos ou todos querem mesmo ver os colegas pelas costas?

Dão Anderson – Existe amizade entre os artistas. É certo que alguns se identificam com alguns e assim vai acontecendo as parcerias de trabalho, de composições, de apresentações e outras aventuras.

Elenilson – O que você acha sobre essa atual política-mentira-brasileira?

Dão Anderson – Uma política que se forma através de alianças sempre haverá sérios problemas. Aliança no meu ver é troca de favores, garantia de cargos aos filiados e outras sujeiras. Gostaria de ver todos os envolvidos nos esquemas de corrupção dentro da cadeia.

Elenilson – Você segue a Marina Silva no Twitter. Ela foi a sua candidata a presidente?

Dão Anderson – Meu Twitter foi feito pelo pessoal que administra minha página no Face, por isso, agradeço por me chamar atenção para isso. Confesso ter certa aversão a todos os elementos das redes sociais, mas vou passar a mexer no meu Twitter, por isso, pedirei a senha para evitar futuros transtornos, pois não votei na Marina.

Elenilson – O PT sepultou a tolerância e a diversidade de pensamento e nos últimos protestos de rua pareciam “desfile marcados de escolas de samba”. O que você acha?

Dão Anderson – Pra ser sincero, eu não enxergo diversidade no nosso País, desde quando nasci. Não sou militante de nenhum partido, se fosse coisa boa se chamaria inteiro. Não gostei das manifestações. E se as pessoas não tomarem cuidado, irão cometer crimes ideológicos. Vi um cara quase ser espancado por está com uma camisa vermelha entre os manifestantes contra Dilma. Daqui a pouco os que estão a favor de Dilma vão bater nos que pensam o contrário. Penso da seguinte forma: se tem coisa ruim acontecendo que sejam punidos todos, de todos os partidos.

Elenilson – A internet sempre foi uma das principais plataformas de divulgação do seu trabalho. Hoje em dia, com todas as mudanças do mercado fonográfico e um cenário amplo de transformação das formas de se fazer e comercializar música, este é um fato concreto. Que uso você faz dos meios alternativos de divulgação e qual a importância a internet tem para um artista independente?

Dão Anderson – A internet é bastante ampla em termos de alcance ao ouvinte, no admirador do meu trabalho ou até mesmo, aquele que não conhecia minha obra. Nesse caso, é uma avanço fantástico. No pensamento lucrativo, o artista investe alto e lucra muito pouco. Um compositor, por exemplo, lucra pelo número de cópias feitas do disco, pelas execuções nos shows ao vivo, e se sua música é baixada de graça, o artista já não conta com essa fonte lucrativa que existia anteriormente. Ele fica dependo da quantidade de shows e dali tirar o seu ganho.

Elenilson – Quantos downloads até hoje suas músicas já tiveram? Onde o público pode baixá-las? E como é esse relacionamento do fã que chega direto até você?

Dão Anderson – Minhas músicas já tiveram mais de mil downloads e podem ser baixadas no One RPM, no Deezer, no Spotify, iTunes e outras redes parceiras. Me relacionar com fã é uma coisa muito tranquila. Acho bonito quando uma pessoa vem até você e diz que admira o seu trabalho. Salva o dia de qualquer um!

Elenilson – Atualmente você opta por fazer quase tudo sozinho: composição, produção, empresariamento, artes gráficas, etc. Porque esta escolha? Que problemas você enfrentou nestes pontos em seus anos de carreira?

Dão Anderson – Eu realmente componho e faço o arranjo, mas quando vou para o estúdio, passo a direção para outro profissional porque acho importante ouvir outras opiniões, pois sei que ao longo do trabalho muita coisa será acrescentada. Trabalho com a plataforma de lançamento, são eles que cuidam das minhas viagens, da produção dos meus discos e vídeos.

Elenilson Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine Cultural e possui o excelente blog Literatura Clandestina.

 

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